“AINDA ESTOU AQUI” COM AS FERIDAS ABERTAS DA DITADURA CIVIL-MILITAR
Muitas vibrações pelo Brasil a fora em plena festa carnavalesca misturada com cerveja e álcool pelo óscar ao filme brasileiro “Ainda Estou Aqui”, do brasileiro Walter Salles com seu elenco principal Fernanda Torres, sua mãe e Selton Mello, mas as feridas da ditadura continuam abertas.
Temos que comemorar pela primeira vitória de uma estatueta na categoria cinematográfica, mas precisamos também refletir sobre tudo que o país atravessou com o regime militar durante mais de 20 anos, sem contar as mortes de presos políticos, as torturas e os desaparecimento de corpos, cujos atores das arbitrariedades (muitos já morreram), ficaram impunes com a anistia mambembe de 1979.
Não estou aqui para colocar água no chope dessa grande façanha no campo cultural. O reconhecimento é merecido. No entanto, o filme deixou um vazio quando não mostrou cenas de torturas que Rubens Paiva sofreu antes da sua morte e nem contou como seu corpo foi desaparecido. Além do mais, o filme mostra Fernanda Torres, na representação de Eunice Paiva, festejando um atestado de obtido mentiroso dado pelos generais da época.
Outra coisa que me deixa triste – e aí é onde falo das feridas abertas – é que essa história é praticamente desconhecida e esquecida pelas novas gerações onde milhares nem acreditam que a ditadura existiu. Nesse rol de pensamento, também incluo os extremistas da direita que abrem a boca para dizer que ela é uma falácia da esquerda.
Essa história foi tão apagada do conhecimento popular que muita gente que assistiu ao filme sai dos cinemas achando que o enredo se trata de um romance entre uma família que foi perseguida pela polícia, e não consegue compreender o seu contexto. Além do mais, esse episódio, infelizmente, foi banido do ensino escolar e poucas pessoas têm o cuidado de ler sobre o que de fato ocorreu. Precisamos conhecer, por exemplo, sobre a Guerrilha do Araguaia.
Quando falo de “Ainda Estou Aqui” com as feridas abertas da ditadura, seria melhor ainda que os brasileiros não apenas comemorassem esse primeiro óscar, mas que refletissem sobriamente sobre tudo que passou, sobretudo a respeito dos anos de chumbo, de 1969 a 1974, no governo do general Médici. É momento de valorizarmos mais ainda a liberdade e a democracia e não atentar contra elas.
Não restam dúvidas que foi uma grande premiação, mas seria mais intensa e gloriosa se os torturadores tivessem sido punidos, como aconteceu nos nossos países vizinhos do Uruguai, da Argentina e do Chile onde os regimes foram ainda mais cruéis.
Passaram-se os governos de esquerda, do Lula e de Dilma e, praticamente, nada foi feito em termos de reparação, a não ser indenizações aos que foram perseguidos e torturados barbaramente nos porões da ditadura. Esse tipo de reparação monetária, por incrível que nos pareça, beneficiou também torturadores.
A Comissão da Verdade apurou e recomendou levar os torturadores aos tribunais, mas os governantes acharam que era revanchismo e preferiram engavetar os escritos. Ainda hoje, centenas de famílias derramam suas lágrimas porque não tiveram o direito de sepultar seus entes queridos e fazer seus rituais fúnebres como manda nossos hábitos culturais.
Portanto, glória para a estatueta do óscar que abre portas para o nosso cinema, fortalece a nossa arte e o Brasil passa a ter mais visibilidade no exterior. Ganhou como melhor filme internacional e isso é muito importante e nos orgulha.
É claro que é razão para se comemorar, mas as feridas da ditadura continuam tão abertas que ainda tem multidões que vão às ruas e praças defender intervenção militar e tentar um golpe de Estado. Oxalá esse filme nos sirva de lição para que ditadura nunca mais no Brasil.