Carlos González – jornalista

O geólogo aposentado Aymar Santos, 84, anda sem destino certo pelas ruas de Botafogo, onde mora no Rio de Janeiro. Suas mãos rugosas seguram um punhado de papéis (desenhos técnicos e mapeamento do subsolo do Recôncavo Baiano). Às poucas pessoas que lhe dão atenção conta como foi seu período de trabalho insalubre nas turmas de prospecção de petróleo, nas décadas de 60 e 70. E conclui sua narrativa lamentando que a Petrobras, a qual dedicou parte de sua juventude, venha sendo arruinada pelos últimos governantes do país.

Lendo recente comentário de meu amigo e colega Jeremias Macário neste mesmo espaço, decidi expressar minha solidariedade a Aymar (ex-colega no extinto Instituto Normal da Bahia), fazendo uma modesta explanação sobre os fatos que lhe deixam indignado, sentimento que é compartilhado por anônimos aposentados, que, no passado, se orgulhavam de serem chamados de petroleiros.

Na cabeça, capacete com o emblema e o nome da empresa; veste inteiriça azul de tecido resistente, com manchas de óleo. Esses trabalhadores eram vistos com frequência nas ruas de Alagoinhas, Catu, Pojuca, Madre de Deus, e nas cidades do Recôncavo, onde os poços de petróleo estavam sendo abertos.

Representavam um orgulho para as populações e uma fonte de renda para os municípios; seus altos salários, deixados no comércio, contribuíram para o desenvolvimento da economia da região, onde há ainda indícios em São Francisco do Conde, no Recôncavo, que mantém o quarto maior PIB do estado, abaixo somente de Salvador, Camaçari e Feira de Santana.

RLAM e “Ruivinha”

A emocionante história do ouro negro no Brasil tem um capítulo especial dedicado à Refinaria Landulpho Alves de Almeida (RLAM), a primeira construída no país, cuja produção e refino do petróleo começaram em setembro de 1950. Aquela construção erguida numa das margens do Rio Mataripe, em São Francisco do Conde, levou o brasileiro a acreditar que o seu país muito breve seria autossuficiente em petróleo, cujos derivados estaríamos exportando.

Foi só um sonho. O segundo lar dos velhos petroleiros da área de refino foi vendido em julho do ano passado pelo governo Bolsonaro a um grupo árabe, iniciando um programa de privatização de outras refinarias. Além do preço de venda (US$ 1,65 bi), abaixo do valor do mercado, segundo estudos técnicos, A Federação Única dos Petroleiros (FUP) identificou outras irregularidades, denunciadas às esferas judiciais e ao TCU. A entidade classista prevê que as privatizações vão provocar novos aumentos de preços no gás de cozinha, no óleo diesel e na gasolina.

Em fevereiro do ano passado, na ânsia de trocar, a todo momento, o pessoal do primeiro escalão do seu governo, Jair Bolsonaro contribuiu diretamente para a desvalorização da Petrobras em cerca de R$ 100 bilhões,  interferindo na estatal, inclusive mudando seu comando.

Avaliada em R$ 382,9 bi – suas ações caíram 25% -, a empresa numa semana desabou para R$ 282 bi, prejudicando a União (acionista majoritário), derrubando a Bolsa de Valores, afugentando investidores, elevando o dólar e a inflação. Primeira estatal em valor de mercado, a Vale do Rio Doce ampliou a distância que a separa da Petrobras.

Nesse antipatriótico processo de destruição da Petrobras, Bolsonaro deu sequência ao “trabalho” iniciado em 2014 pelos seus antecessores. Considerado como um dos maiores esquemas de corrupção do mundo, o Petrolão envolveu os presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, além de políticos, empreiteiros, diretores da estatal e ministros.

A arquitetura criminosa, demolida pela Polícia Federal e investigada pela Operação Lava-Jato, causou na Petrobras um rombo de R$ 42 bilhões – a recuperação do dinheiro roubado não chega a R$ 10 bi – funcionava da seguinte forma: a estatal, por meio de seus cinco diretores, entregava às empreiteiras obras de grande porte, superfaturadas, como a construção das refinarias de Recife (orçada em US$ 2,3 bi, custou US$ 20,1 bi), Itaipava (RJ) e Araucaria (PR). Os beneficiados tinham a obrigação de alimentar os cofres dos partidos políticos ligados ao governo.

Ministra de Minas e Energia de Lula e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, Dilma foi convocada pelo TCU para explicar a compra da refinaria sucateada de Pasadena, nos EUA, apelidada de “Ruivinha”, por causa da ferrugem em grande parte de suas instalações. A ex-presidente alegou que não teve acesso às informações necessárias, contrárias à aquisição da unidade americana; e foi’ inocentada. Pasadena foi comprada em 2006 por US$ 1,2 bi e vendida em 2019 por US$ 467 mi.

Num país onde cadeia só existe para quem rouba para matar a fome, toda a quadrilha que se beneficiou do dinheiro público, com exceção de três ou quatro membros, está vivendo em imóveis de luxo, longe dos olhares curiosos, principalmente da imprensa. A maioria cumpre prisão domiciliar, com ou sem tornozeleira eletrônica, com dinheiro em contas no exterior; outros pagaram uma irrisória indenização e estão livres; outros trouxeram de volta o famigerado “dedurismo” da ditadura e, sem necessidade de tortura, “entregaram” os companheiros, em troca da liberdade; outros contam os dias para prescrição dos processos. E assim vamos vivendo de amor…, como cantava a saudosa Elza Soares.