“NÓS NÃO SABÍAMOS O QUE QUERÍAMOS, MAS SABÍAMOS O QUE NÃO QUERÍAMOS” – Mário Raul Morais de Andrade, a respeito da Semana de Arte Moderna de 1922. Existia um caráter revolucionário na década de 20, com uma série de transformações políticas e sociais. No dizer de Menotti del Picchia, “houve quem cantasse como galo e latisse como cachorro”. “O que urge fazer: Enforcar o último rei com as tripas do último frade”- charge em “A Lanterna”.

“Eu insulto o burguês!… Eu insulto as aristocracias cautelosas… Morte à gordura… Morte ao burguês mensal… Mas nós morremos de fome! … Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio”… – trechos do poema “ODE AO BURGUÊS”, de Mário de Andrade.

“Estou farto do lirismo comedido/do lirismo bem comportado/do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de acordo com o senhor diretor…/ Abaixo os puristas…/ Quero antes o lirismo dos loucos/ O lirismo dos bêbados/ O lirismo difícil e pungente dos bêbados/ O lirismo dos clowns de Shakespeare/ – Não quero mais saber do lirismo que não é libertação” – “POÉTICA”, de Manuel Bandeira.

Em “OS SAPOS”, o mesmo Bandeira diz: “Eu ronco que aterra/ Berra o sapo-boi:/- “Meu pai foi à guerra”/ “Não foi”/ – “Foi”/ – “Não foi”. O sapo tanoeiro,/Parnasiano aguado, diz: “Meu cancioneiro/ É bem martelado… Urra o sapo-boi:/ “Meu pai foi rei”/ –  “Foi!” – “Não foi”…  Poema lido durante o evento.

Além da Semana, foram registrados outros fatos importante da nossa história, como a fundação do Partido Comunista Brasileiro, a Revolta do Forte de Copacabana e o Bicentenário da Independência do Brasil.

CURIOSIDADES DA SEMANA: Vila-Lobos fez um concerto de casaca e chinelos. Mário de Andrade realizou uma breve palestra nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo sob vaias e xingamentos. Na política, existia entre os participantes uma mistura de esquerda e direita, como de Plínio Salgado que mais tarde se tornou líder do integralismo fascista. Mesmo sob protestos contra os organizadores, a pianista Guiomar de Morais fez sua apresentação. Monteiro Lobato classificou os quadros de Anita Malfatti de caricaturas, de obras distorcidas, sem muita importância para seu talento.

RUMO A UMA SEMANA DE MUITO BARULHO

Onze anos antes, em 1911, circulou o semanário “O Piralho” (português macarrônico), de Oswald (Di Cavalcante era o desenhista), com um tom humorístico, que funcionou até 1917.

Em 1912, Oswald retornou da Europa com as ideias futuristas de Fillipo Tommaso Marinetti. Nesse ano, escreveu o poema “Último Passeio de um Tuberculoso pela Cidade de Bonde” – versos livres de escárnio ao passado.

Em 1913, o europeu Lasar Segal realizou a primeira mostra expressionista no Brasil, sem sucesso por causa das críticas dos conservadores. Monteiro Lobato já achava aquilo horrível.

Em 1914 aconteceu a primeira exposição de Anita Malfatti quando da sua volta dos estudos na Alemanha, na Escola de Belas Artes de Berlim. Ela também esteve nos Estados Unidos. No ano seguinte ocorreu o modernismo, em Portugal, a partir da revista “Orpheu”.

Em 1916, o sempre irrequieto Oswald escreve “Memórias Sentimentais de João Miramar”. No ano seguinte, o mesmo conhece Mário de Andrade, no Conservatório Dramático e Musical, em São Paulo, onde ele proferiu um discurso, condenando as antigas estruturas. Oswald trabalhava como repórter no “Jornal do Comércio” e quando terminou o pronunciamento, disputou no tapa a cópia do escrito com outro colega do “O Estado de São Paulo”. Oswald   levou a melhor.

Nesse mesmo ano, Mário publicou o livro “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema”, em que descrevia os horrores da I Guerra Mundial. Menotti del Picchia lança o poema “Juca Mulato” e Guilherme de Almeida “Nós”. Numa transição de estilos, Manuel Bandeira divulga seu livro “As Cinzas das Horas”. Cassiano Ricardo, “A Frauta de Pã”. Di Cavalcante realiza, em São Paulo, sua exposição de caricaturas.

Em 1917, em 12 de dezembro, Anita Malfatti inaugura, em São Paulo, sua exposição de 53 trabalhos, inclusive com suas famosas telas do “Homem Amarelo”, “A Estudante Russa” e o “Japonês”, as quais criaram grande polêmica no meio artístico, tanto que o jornal “O Estado de São Paulo” publicou em sua edição de 20 de dezembro, o artigo “Paranóia ou Manifestação”?, assinado por Monteiro Lobato. Foi o mais importante evento cultural do ano.

Lobato chama a mostra de extravagâncias de Picasso. Diz que Anita possui qualidades e talento, mas que suas obras são distorcidas pela teoria da arte moderna. No texto classificou seu trabalho de caricatura, numa mistura de futurismo, impressionismo e cubismo. Na verdade, ele cometeu um equívoco entre o expressionismo e o impressionismo.

Seu comentário provocou um escândalo no meio artístico e fez com que Mário, Oswald, Di Cavalcante, Guilherme, Menotti e outros formassem um grupo coeso em defesa de Anita Malfatti.

Em 1918, Guilherme de Almeida escreve “Messidor” e Manuel Bandeira aparece com “Carnaval”, muito aceito pelo público.

Em 1920, o grupo descobre um jovem escultor de Roma, Victor Brecheret, que apresentou a maquete do “Monumento às Bandeiras”. Segundo Mário, ele foi o criador do estado de espírito dos modernistas.

Em 1921, o grupo mais unido ideologicamente lançou, em 9 de janeiro, o “Manifesto do Trianon” em homenagem a Menotti del Picchia quando lançou o livro “As Máscaras”. Na ocasião, Oswald aproveitou para criticar os passadistas e defender a arte moderna, chamada de futurista. Conclamou o pessoal para novas lutas.

Em agosto, Mário faz sete artigos “Mestres do Passado”, chamando os parnasianos de malditos pela forma como escrevia. Em novembro ocorreu a exposição “Fantoches da Meia Noite”, de Di Cavalcante, e nela conhece Graça Aranha que retornava da Europa. Na conversa entre os dois nasce a ideia da Semana da Arte Moderna de 1922.

Nas edições de 29 de janeiro de 1922, o “ O Correio” e “O Estado de São Paulo” noticiam a organização do evento. O historiador do modernismo, Mário da Silva Brito chega a citar que a iniciativa do movimento se deveu a Graça Aranha.

OS ESPETÁCULOS E AS DIVERGÊNCIAS

Muitos outros jornais divulgaram o evento, anunciando que o primeiro espetáculo da Semana de Arte Moderna estava previsto para 13 de fevereiro. Graça Aranha se incumbiu de proferir a conferência “A Emoção Estética na Arte Moderna” onde fala de paisagens invertidas e interpretações desvairadas. De acordo com críticos, a palestra de Graça foi confusa e declaratória, cujo público pouco entendeu.

Nesse dia, as pinturas e esculturas expostas provocaram espanto e repúdio do público visitante, no Teatro Municipal de São Paulo. Os artistas mais visados foram Victor Brecheret e Anita Malfatti, mas houve irritação também contra a literatura.

Ainda nesse espetáculo houve apresentações de música de Ernani Braga que fez uma sátira a Chopin. Por causa disso, a pianista Guiomar Novaes protestou contra os organizadores. Na mesma noitada houve uma palestra de Ronald de Carvalho sobre “A Pintura e a Escultura Moderna no Brasil”, três solos de piano de Ernani Braga, três danças africanas de Vila-Lobos e poesias de Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida. Nesse clima de irreverência, ocorreram protestos contra a Semana.

No segundo espetáculo, muita algazarra no dia 15 de fevereiro. Mesmo com uma carta de repúdio ao evento, publicada em “O Estado de São Paulo”, a pianista Guiomar Novaes fez sua apresentação. Menotti del Picchia falou sobre “Arte e Estética”, com ilustração de textos de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Plínio Salgado que anos mais tarde aderiu ao ver-amarelismo integralista. A cada apresentação, muitas vaias e latidos. Ronald de Carvalho leu o poema “Sapos”, de Manuel Bandeira, numa crítica ao estilo parnasiano.

Muitas vaias, latidos e xingamentos nas apresentações, mas, mesmo assim, Mário de Andrade, das escadarias do teatro, fez um discurso e leu trechos de “A Escrava que Não é Isaura”. Numa breve palestra, destacou a expressão das artes plásticas, justificando as criações dos pintores futuristas.

Vinte anos mais tarde, em 1942, na Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, Mário confessa em entrevista que foi muita coragem fazer aquele pronunciamento nas escadarias do teatro porque só recebeu ofensas e protestos. No entanto, destaca que o movimento não foi apenas artístico, como também político e social.

Menotti comentou que os conservadores iam enforcar os modernistas com vaias. “Nossa estética é de reação. Aceitamos o termo guerra por ser um desafio. Abomino a escola de Marinetti com seu dogmatismo e liturgia. No Brasil não há razão lógica e social para o futurismo ortodoxo”. Em um trecho do seu discurso, exalta o novo. “Queremos idealismo, luz, ar, e que o rufo de um automóvel espante da poesia o último deus homérico que ficou anacronicamente a dormir…” Disse que o grupo pretendia fazer uma arte genuinamente brasileira. No entanto, houve reação quando revelou a prosa e a poesia modernas declamadas pelos seus autores.

No dia 17 ocorreu o terceiro espetáculo da Semana, com músicas de Vila-Lobos em trajes de casaca e chinelos. Houve pouca lotação de público. Mais vaias pela sua irreverência, mas ele explicou que o uso dos chinelos foi porque estava com um calo nos pés.

Durante o evento, Oswald leu “Os Condenados” e Agenor Barbosa foi aplaudido com “os Pássaros de Aço”. Nem todos escritores tiveram coragem de enfrentar o barulhento palco do Teatro Municipal.

Com foco na realidade brasileira, finalmente foi realizada a Semana que renovava a mentalidade nacional e brigava pela autonomia artística e literária. A Semana foi patrocinada pelo setor financeiro, com maior cobertura do “Correio Paulistano”.

REAÇÕES DOS JORNAIS

Sobre as atividades, a “Folha da Noite”, de São Paulo, em sua edição do dia 16/02, trouxe uma matéria classificando a Semana de mal, um fracasso, atraso mental e uma droga. Antes disso, no dia 30 de janeiro, A Gazeta já noticiava sobre o evento como um sarau futurista de escândalo artístico e revolucionário. Tratava a arte nova como extravagância e criticava Marinetti.

O movimento teve seu lado político de ataque à aristocracia. Di Cavalcanti disse ter sugerido a Semana a Paulo Prado, comentando que seria um escândalo. Mário de Andrade defendia a livre métrica e a rima, pois, segundo ele, a preocupação com essas regras prejudica a naturalidade de liberdade do lirismo objetivado.

Não foram só contestações, no dia 18/02, “O Correio” fez um comentário criticando os indivíduos que simplesmente ladravam e cacarejavam. Elogiou aqueles que aplaudiram com calor os libertadores da arte.

O jornal “O Estado de São Paulo”, numa matéria sobre a Semana, em sua edição do dia 29 de janeiro, fez menção a Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, Álvaro Carvalho, Oswald, Menotti, Renato Almeida, Luis Aranha, Mário Raul de Morais Andrade, Ribeiro Couto, Agenor Barbosa, Moacir de Abreu, Rodrigues de Almeida, Afonso Schmidt (adepto do grupo Zumbi) e Sérgio Milliet que participaram do evento.

Nessa lista faltaram Cândido Motta Filho, Armando Pamplona (cineasta), Plínio Salgado, Rubens Borba de Morais, Tacito de Almeida e outros. Os nomes de Rodrigues e Moacir desapareceram no decorrer das campanhas polêmicas.

O PAU BRASIL, ANTROPOFAGIA E DESDOBRAMENTOS

Após a Semana foram surgindo outros acontecimentos relacionados ao evento. Em 18 de março, Oswald publicou no jornal “Correio da Manhã” vários artigos que resultaram no livro “Pau Brasil”, ilustrado pela artista Tarsila do Amaral. Propunha uma literatura vinculada à realidade brasileira (redescoberta do Brasil). Pregava o uso da língua sem arcaísmos e erudição, como falamos e somos.

Em 15 de maio, ele lançou a revista “Klaxon” (buzina externa dos automóveis) para propagar seu movimento antropofágico, com ideias inovadoras e atuais.

Nesse ano de 22 foram registrados fatos importantes da nossa história, como a Fundação do Partido Comunista Brasileiro (congresso de 25 a 27 de março de 1922), revolta militar do Forte de Copacabana, que depois gerou o tenentismo, em São Paulo (durou um mês) e se comemorou o Bicentenário da Independência do Brasil.

O historiador Nelson Werneck Sodré, em “História da Literatura Brasileira” narra que dentro do movimento houve muitos atos na disputa pelo poder político, como as manifestações da classe média.

Um mês depois da Semana, em primeiro de março, se deu a escolha na presidência da República para o sucessor de Epitácio Pessoa. A vitória foi de Artur Bernardes contra Nilo Peçanha. Bernardes decretou estado de sítio, censura à imprensa e intervenções nos estados. Mesmo assim, houve a marcha revolucionária dos militares que exigiam o fim da corrupção.

Mário, que sempre foi de direita, pequeno burguês, ingressou no Partido Democrático, em 1926. Ele conta que naquela época, após o movimento festeiro da Semana, tudo começou a estourar em intrigas entre casais de artistas, amigos e família.

O movimento, segundo Mário, teve o caráter anárquico, moderno, original, de consciência nacional e polêmico, mas também o sentido destruidor quando se partiu para o radicalismo. Tinha muito a ver com os tempos atuais.

Os revoltosos do tenentismo, entre 1923/24, vão para o interior onde se encontram com as tropas vindas do Rio Grande do Sul, comandadas por Luis Carlos Prestes que formou a Coluna de mil homens e percorreu 24 mil quilômetros, se internando depois na Bolívia.

Nessa onda de tendências, em 1924, na esteira do Pau Brasil e do antropofagismo de Oswald, apareceu o surrealismo com André Breton (1896 – 1970), que foi um participante do Dadaísmo de vanguarda no entre guerras. Era mais próximo do expressionismo, na busca da liberdade, do inconsciente na arte. Prevalece a não razão, com a exaltação à criança e o selvagem que existem dentro de nós. Foi uma ruptura com Breton, e optava-se pelo revolucionário marxista.

De 1922 a 1930 (rompimento de todas estruturas do passado), e até 1945, viveu-se um período áureo da fase moderna, tanto que Mário descreve como oito anos de orgias intelectuais que a história artística do país vivenciou.

MANIFESTOS PELOS ESTADOS

Ainda no rastro da Semana surgiu uma onda de manifestos pelos estados no período de 1925 a 1930. O Nordeste, por exemplo, criou o Centro Regionalista (edição de uma revista), em Recife, por volta de 1926. Grandes escritores, como José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Américo, Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto são incluídos por críticos literários como regionalistas.

Em Minas Gerais, em 27 de janeiro de 1928 foi editada a revista “Verde Cataguazes”, com cinco edições. No rio de Janeiro, (1924), a revista “Estética”. Em São Paulo, em 1926, a “Terra Roxa e outras Terras” onde Mário Raul de Morais Andrade (1893 – 1945), formado em piano no Conservatório Musical de São Paulo, professor e diretor do Departamento Cultural de São Paulo, era um dos colaboradores.

Nesse tempo, Oswald cria o “Manifesto Antropofágico” através da Revista de Antropofagia em duas fases, a primeira com 10 edições, entre maio de 1928 e fevereiro de 1929 (direção de Antônio Machado). Na segunda etapa, a revista circulou nas páginas do “Diário de São Paulo”, com 16 números, de março a agosto do mesmo ano, com Geraldo Ferraz.

A primeira revista foi uma miscelânea ideológica de Oswald, Alcântara Machado e Mário de Andrade. Nela foi publicado o primeiro capítulo do livro “Macunaíma”. No terceiro número apareceu o poema “No Meio do Caminho, de Carlos Drummond, incluindo ainda artigos de Plínio e desenhos de Tarsila, na língua tupi e poesias de Guilherme de Almeida. Na segunda fase da revista houve uma ruptura com Mário.

Ficaram na linha antropofágica, Oswald, Raul Bopp, Geraldo Ferraz, Tarsila e Patrícia Galvão, a Pagu. Dou outro lado, Mário, Alcântara, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Menotti e Plínio Salgado. Os antropofágicos foram taxados de Preguiçosos no Mapa Mundi do Brasil.

Numa nova etapa do “Pau Brasil”, o movimento visava valorizar o índio e defender a nossa língua fosse falada pelo povo, bem como que nossa história fosse repensada. A origem do Pau Brasil surgiu da tela de Tarsila do Amaral, presenteada ao marido Oswald em seu aniversário de 1928. Oswald e Raul Bopp batizaram o quadro de Abaporu – homem que come, na linguagem indígena.

A intenção era dar uma resposta ao “verde-amarelismo” do “Grupo Anta” de Plínio Salgado que lançou as sementes do nacionalismo ufanista e fascista juntamente com Menotti, Guilherme e Cassiano Ricardo. Se debatiam o nacionalismo crítico das esquerdas contra o ufanismo exagerado de extrema direita, xenófoba e chauvinista. Oswald, Mário, Manuel Bandeira, Antônio de Alcântara Machado, Menotti, Cassiano, Guilherme de Almeida e Plínio àquela altura não se entendiam mais.

Era o verde-amarelismo ufanista e integralista de Plínio contra o nacionalismo afrancesado de Oswald que atacava os adversários em sua coluna “Feira das Quintas”, no “Jornal do Comércio”

Na verdade, foi um período fértil em manifestos e lançamento de revistas, mas em 1929 houve a quebradeira da Bolsa de Valores, último ano da Velha República, com a Revolução de 30.