DEIXEI ESCAPAR UM “FURO” MUNDIAL
(Chico Ribeiro Neto)
Chefe de Reportagem ouve de tudo. Já ouvi muita loucura e mentira do público quando exerci esse cargo no jornal A Tarde por alguns anos, a partir de 1988.
Junto à baiana de acarajé costuma-se falar de tudo: do calor, da política e do sexo. Redação de jornal é também um grande tabuleiro.
Uma vez, não sei como ela passou pela portaria, mas uma mulher chegou até a minha mesa e disparou:
– Quero botar no jornal que eu transei com Jorge Amado.
– O quê?
– É isso mesmo. Quero que o senhor escreva aí que eu fiz amor com Jorge Amado.
– Mas eu não posso publicar isso.
– Não pode por que? Preciso botar isso no jornal (e começou a ficar agitada. Segundo ela, não foi assédio, foi relação consensual, mas ela queria divulgar. Vi que ela não girava bem e precisava achar um jeito de dispensá-la. “Para um maluco, só outro”, diziam os antigos).
– Senhora, tudo bem. Agora eu vou ter que ouvir Jorge Amado sobre isso.
– Não precisa, não.
– Precisa, sim. No jornalismo a gente tem sempre que ouvir os dois lados. Mas tem outra coisa.
– O que é?
– A senhora transou com o autor de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, um homem conhecido no mundo todo. Isso não é pra qualquer mulher. Deve ter sido um momento muito íntimo, muito bom, e por que é que todo mundo precisa ficar sabendo disso? Há coisas tão especiais que merecem ficar reservadas lá no fundo do coração, só pra nós, coisa muito preciosa. Acho que isso devia ficar só pra senhora. (E a nervosa amante acabou se convencendo).
– Pois é, pensando bem, acho que o senhor tem razão. (E foi embora, para meu alívio).
Quando vale uma boa ideia? Difícil precisar. Veja essa outra ligação que recebi:
– É do jornal A Tarde?
– É, sim.
– Quanto vocês pagam por uma boa ideia?
– Depende. Você manda sua ideia, a gente analisa e, se o jornal gostar, compra.
– Aonde!!! Depois o jornal fica com a minha ideia e não me paga. (Desligou).
Nesse tempo, chefe de Reportagem tinha que trabalhar de manhã e voltar às 18 horas para identificar as fotos e ver outras providências. O jornal ainda não tinha o Editor de Fotografia. Um dia, o negócio pegou – em jornal só se sabe a hora em que você entra – e precisei ficar até 22 horas. Comecei a fechar as gavetas quando o telefone tocou e entrou uma voz em portunhol:
– Boa noite, é do jornal A Tarde?
– É, sim.
– Eu tenho um projeto que pode mudar os destinos do mundo. O senhor pode ouvir?
Morrendo de sono, doido pra ir pra casa e ainda ter que ouvir essa proposta de mudança mundial, respondi:
– Não, amigo, não temos interesse no assunto. O senhor pode ligar pra Tribuna da Bahia.
– Que absurdo! Que loucura! Minha ideia pode mudar o mundo e o senhor não quer escutá-la?!!!
– Não temos interesse, ligue pra Tribuna. (O cara bateu o telefone fixo na minha cara. Fui pra casa com a sensação de que deixei escapar um “furo” mundial).
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)