A MEMÓRIA DO MUNDO NA IMPRESSÃO DE GUTENBERG E A EVOLUÇÃO VIRTUAL
Como escreveu a autora do livro “Em Busca da Bíblia Perdida de Gutenberg”, Margaret Leslie Davis, “a palavra impressa mecanicamente criou a memória do mundo, como alguns estudiosos explicaram, ajudando a acender o Renascimento, a Reforma Protestante e séculos de revolução na ciência, na política e na indústria”.
Ainda de acordo com ela, Gutenberg e sua Bíblia representam a personificação dos primeiros momentos em que tantas possibilidades humanas puderam ser exploradas, multiplicadas e desenvolvidas. Para o historiador John Man, a invenção de Gutenberg preparou o terreno de onde emergiu a história moderna, a ciência, a literatura popular, o início do Estado-nação, muito de tudo aquilo com que definimos a modernidade.
No final do século XV, mais de 130 outras edições da Bíblia foram impressas e distribuídas por todo mundo. Cerca de 240 cidades europeias instalaram gráficas, que se estima que tenham imprimido cerca de 28 mil diferentes edições de inúmeras obras, produzindo um total de 10 milhões de livros.
A cidade alemã de Mainz celebra o impressor como um revolucionário tecnológico ao organizar o evento “2000: o ano de Gutenberg, marcando o 600º aniversário de seu nascimento”, com exposições em museus, apresentações em multimídia, festivais e um catálogo de 227 páginas: Gutenberg Man of the Millennium: from a Secret Enterprise to the First Media Revolution (Gutenberg, o homem do milênio: De uma empresa secreta à primeira revolução na mídia).
A revista Life nomeou Johannes Gutenberg impressor independente que reformulou o avanço humano, como Homem do Milênio, em 2000, e colocando a impressão de suas Bíblias no topo de sua lista dos fatos mais importantes dos últimos mil anos. Gutenberg foi um misterioso gênio-herói oprimido.
Segundo a Life, ele idealizou o primeiro sistema de tipo móvel ocidental que funcionou e permaneceu inalterado nos 350 anos seguintes. Não recebeu nada de glória. Sua ideia o levou à falência no ano em que a Bíblia foi publicada, e um credor assumiu o negócio.
A verdade é que Gutenberg transformou a cultura humana. O alcance do que se seguiu é tão vasto que parece místico e precisa ter uma história de origem para servir de referência. A escritora Margaret destaca que a ambição de anunciar uma nova tecnologia de impressão com uma obra de 1.200 páginas é de tirar o fôlego, uma abertura para uma avalanche de mudanças.
A mais cobiçada de todas as Bíblias foi a de Número 45 que por séculos viajou pelo ocidente e foi parar no Japão, adquirido pelo conglomerado Maruzen num leilão que custou U$5,4 milhões, isso por volta de 1987, tornando-se o livro mais caro do mundo.
Um jornal importante japonês aplaudiu a aquisição da obra de tipos móveis mais antigo da história, mas sem mencionar a impressão na Ásia antes de Gutenberg. Em 770, a imperatriz do Japão, Shôtoku marcou o fim de uma guerra civil com a impressão e a distribuição de um milhão de pequenos pergaminhos com preces budistas.
O tipo móvel foi uma invenção chinesa do século XI, aprimorada na Coréia, em 1230, antes de encontrar as condições que permitiriam sua evolução na Europa, durante a época de Gutenberg, por volta de 1450/56.
Em 1996, a empresa Maruzen transferiu o livro 45 para a Universidade de Keio, uma das instituições privadas mais bem conceituada da Ásia, fundada pelo modernista Yukichi Fukuzawa, o primeiro japonês a ter visto uma Bíblia de Gutenberg, na Biblioteca Imperial, em São Petersburgo, em 1862.
O professor da Kio, Toshiyuki Takamiya, maior autoridade em manuscritos medievais, foi o primeiro a estimular a passagem da impressão de Gutenberg para o mundo virtual no século XXI. Ele liderou o projeto HUMI (humanities Media Interface) para digitalizar o acervo da Universidade Keio.
O projeto selecionou o Número 45, com seu tema inaugural, a primeira Bíblia de Gutenberg que navegou pela internet. O trabalho meticuloso produziu uma revolução digital. O número 45 foi ao ar pela internet em janeiro de 1998 e, pela primeira vez, os expectadores puderam ver as páginas de uma Bíblia de Gutenberg em suas telas. Esse projeto foi revolucionário no final dos anos 1990.
Depois de concluído seu intento, o professor Takamiya fez seu pronunciamento de que livros raros digitalizados, incluindo a Bíblia de Gutenberg, nunca se tornarão relíquias esquecidas da sabedoria ancestral. Eles ganharão vida toda vez que alguém tiver acesso a eles.
Em janeiro de 2001, o especialista em impressões de Gutenberg Paul Needham e Blaise Aguera, um jovem matemático computacional, anunciaram uma nova teoria descritiva sobre como Gutenberg criou seu tipo. Diziam que o impressor havia usado um processo de montagem refinada, evoluindo um sistema de “matriz de punção”.
Explicaram que letras individuais teriam sido esculpidas em pontas de hastes de aço e perfuradas em folhas de cobre para criar moldes resistentes (matriz) que poderiam ser preenchidos com uma liga de chumbo para criar um tipo de peça. Uma punção pode ter sido usada para criar vários moldes, dos quais poderiam sair uma quantidade infinita de letras idênticas.
Um artesão habilidoso levaria um dia para esculpir uma letra em aço, então o processo seria mais econômico se uma pequena coleção de punções fosse usada de forma repetida. Os estudiosos perceberam tantas diferenças que estimaram haver 204 punções diferentes.
O especialista Needham observou que esse tipo de sistema complexo, denominado de tipografia cuneiforme, era conhecido por ser usado por artesões europeus no início do século XV, incluindo os ourives. Os moldes de metal atribuídos por Gutenberg podem ter sido inventados por outra pessoa, talvez duas décadas depois de Gutenberg começar a imprimir as Bíblias.
Aguera y Arcas, que mais tarde chefiou o grupo pioneiro de inteligência artificial no Google, afirmou que as descobertas mostram que o desenvolvimento da impressão avançou em várias pequenas etapas ao invés de grandes saltos.