Fotos do jornalista Jeremias Macário

O sertanejo ainda esperançoso e crente em não desistir da luta, porque, antes de tudo, é um forte, como dizia Euclides da Cunha, mete a mão na terra e removendo-a entre os dedos, com a voz embargada, diz, meu filho, essa aqui já está morta pelo sal. Não serve mais para plantar. Ao seu redor ainda tem algum pedaço que com a chuva ainda produz alguma coisa acanhada de milho, feijão, abóbora e o andu.

A seca secular, ou mesmo milenar, de muitas histórias de fome, de meninos mirrados de pés no chão, dos natimortos e dos retirantes para o sul, narrada e decantada pela imprensa, trovadores, repentistas e cancioneiros ainda persiste nas promessas dos governantes políticos desde o Brasil Colonial e Imperial. Sempre se pregou que é possível conviver com ela, mas tudo se esbarra nos projetos e políticas públicas de melhoria da vida desse homem, os quais nunca se concretizaram.

Autores em seus romances, poetas e cantadores, como Raquel de Queiroz, em “O 13”, Graciliano Ramos, em “Vidas Secas”, Ariano Suassuna com seu “Auto da Compadecida”, João Cabral de Mello Neto, em “Vida Severina”, Zé Ramalho, Geraldo Vandré, Elomar, Xangai, Glauber Rocha com seu cinema de cangaço e tantos outros retrataram essa árida sisuda do inclemente rei Sol que impede as sementes de germinarem ou queima o pasto e a lavoura.

O nordestino acredita em mudar seu destino, mas só recebe esmolas e alguns carros-pipas para matar a sua sede e a dos seus animais. Continua trabalhando na terra cansada que está virando deserto e sal. Para piorar, as carvoarias dos gananciosos escravizam seu povo e deixam um rastro de destruição na caatinga.  Ao invés de água e ajuda para o plantio de sua subsistência, recebe sal e amargura. Uns ficam, mas muitos já foram embora para outras paragens.

Ao longo dos tempos, de mais de 500 anos, as secas cruentas, cada uma pior que outra, estão registradas em livros, manchetes de jornais e reportagens de TV. Além das estiagens de rachar a terra, os nordestinos ainda foram vítimas dos coronéis que tomaram e invadiram suas propriedades com seus jagunços de fuzis nas mãos. As volantes e o cangaço praticaram suas violências, roubando e estuprando suas famílias.

Na maior parte do tempo, a paisagem é cinzenta entre os engaços e bagaços de espinhos das juremas. Quando batem as águas, o colorido faz renovar as almas, mas é por pouco tempo. Logo entra outra temporada de aridez anunciando a desertificação do Nordeste. A caça que ainda enganava o estômago por uns tempos, não existe mais. Nem se ouve mais o canto da juriti, da nambu no final da tarde e nem o piar da perdiz. Só o sereno fino faz o orvalho da manhã. É um aviso de que mais cedo ou mais tarde o sertanejo, com lágrimas nos olhos, tem que bater em retirada do seu torrão.

As narrações são as mesmas quase todos os anos, como agora na Bahia onde mais de 100 municípios (mais de um milhão de pessoas) vivem em estado de emergência, mesmo os que se situam próximos do Rio São Francisco, o “Velho Chico”, outro castigado pela destruição humana, que pode desaparecer ou virar sal (sua foz já é salgada). Nas estradas poeirentas ainda corta algum carro-pipa – a indústria da seca e do voto – que coloca um pouco d´água em uma ou outra cisterna vazia, mas só poucos são contemplados.

A transposição do São Francisco foi mais uma ilusão perdida no horizonte da política enganosa. A corrupção corroeu boa parte das obras em rachaduras e ferrugens. Os canais correm solitários na sequidão, e a poucos quilômetros dali, como em Remanso, só se vê lata d´água na cabeça, ou crianças e mulheres tocando jumentos com carotes e em carroças para tentar pegar o precioso líquido em algum lugar distante.

 Como uma piada cínica de mau gosto, o Governo da Bahia anuncia mais um projeto de transposição do “Velho Chico” até a Bacia do Rio Paraguaçu, outro em estado terminal, passando por São José do Jacuípe e outros municípios. É mais um daqueles programas para inglês ver. Há muitos anos já ouvi falar nessa água do Salitre (Juazeiro) até São José do Jacuípe. Agora resolveram dar mais uma riscada no mapa de papel amarrotado e sujo de mentiras.

Os homens da tecnologia e da política prometem que a obra estará concluída em dez anos. Talvez meu neto de um ano nem chegue a ver esse canal chegar até a Barragem Pedra do Cavalo. Aqui em Vitória da Conquista, há mais de 15 anos estão para construir uma barragem para abastecer em definitivo a cidade. Ainda tem gente que acredita nessa lorota eleitoral.

Por falar no Paraguaçu, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) vai reduzir em 50% os volumes outorgados em toda sua bacia, mantendo apenas as licenças para o consumo humano. A Barragem Pedra do Cavalo está com 28% da sua capacidade de armazenamento contra mais de 50% em outubro do ano passado.

O Rio Utinga, um dos afluentes do Paraguaçu (nasce em Barra da Estiva e corta 86 municípios), está mais seco outra vez e num cenário bem pior que nos outros anos. “A situação está difícil para nós. Na roça perdemos tudo e os bichos estão berrando de sede” – lamenta um morador do povoado São José, na zona rural de Lençóis. O vaqueiro é outro personagem nordestino em plena extinção. Não existe mais gado para tocar. Nem as cabras estão resistindo, e as pessoas estão brigando pela distribuição da água da Barragem Zabumbão, como em Paramirim e outros municípios vizinhos.

Enquanto isso, misturada a pedregulhos, a terra nua está cada vez mais salinizada. Ainda existem alguns oásis que florescem, mas não mais com aquela cor viçosa e fértil de outrora. É o prenúncio da desertificação do nosso Nordeste que pode se tornar num Saara brasileiro para o trânsito de camelos transportando turistas de outras terras.