AMOR, ABACATE E JORNAL
(Chico Ribeiro Neto)
Menina de uns 4 anos, braço esquerdo engessado, grita para a mãe: “Mamãe, eu te amo, você me ama?”
A mãe, dona de uma barraquinha em Stella Maris, está cortando cocos e colocando-os no gelo. A menina insiste: “Mamãe, você me ama?” E a mãe, completamente suada da tarefa, responde: “Amo, sim, mas só quando eu tenho tempo”.
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O mundo era outro lá de cima do pé de abacate do quintal da casa da Rua 2 de Julho, 25, em Ipiaú, Bahia. As galinhas ficavam menores e os pintos a gente nem via. Da última galha dava pra ver, por cima do muro, um pedaço do Rio de Contas. “Ê vontade de dar um mergulho!” Dava pra ver o quintal todo de uma vez, e pra cima só tinha o céu. “Desce daí, menino!”
Dava pra ver o quintal do vizinho que todo sábado matava um porco pra vender na feira. Via também o triângulo desenhado no chão para se jogar gude. Tinha a gude “dedeira”, aquela que acertava todas.
Tem que ter um pé de abacate no céu.
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NOTÍCIAS DA VIDA
(de 1985)
O convívio do jornalista com o factual torna-o mais habituado às tragédias, do mundo e dele mesmo. Lidando com o perecível – pois geralmente uma notícia de jornal dura apenas 24 horas – o jornalista costuma editar sua própria vida pautado no princípio de que tudo muda. E então, no meio do sofrimento da perda do amor de ontem é necessário preparar a edição de amanhã.
Também diante da morte este sentimento do perecível toma corpo. Tendo, diariamente, às mãos os mortos dos vietnãs, terremotos e enchentes, ele adquire uma maior aceitação da morte diante do rosto de um amigo morto. Até que sua vida se torne uma edição de ontem.
E o humor também nasce daquele perecível que é a notícia. Impossível imaginar uma Redação de jornal fria e carrancuda. Noticiar os homens e sua vida torna-nos risonhos. De dentro da Redação, este núcleo da notícia do mundo, pequeninos olhos brotam de dentro da máquina de escrever para espiar o que acontece lá fora. E o sorriso é inevitável.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)