Carlos González – jornalista

O povo de Vitória da Conquista terá a oportunidade, no próximo dia 6, de manifestar seu agradecimento a um filho adotivo desta cidade: o jornalista e escritor Jeremias Macário de Oliveira, dando-lhe uma cadeira, mais do que justa, na Câmara de Vereadores, que necessita, com urgência, passar por um processo de purificação espiritual. Vamos só lembrar o “saltar de muro” e a corrida até o gabinete do prefeito. Começava a adesão ao partido do prefeito de plantão, ocorrida em todas as eleições. Uma prática comum nos 5.570 municípios brasileiros

Senti-me na obrigação de lembrar aos conquistenses mais velhos, e contar aos mais jovens, o papel exercido por Jeré, como é chamado por amigos e colegas, entre aqueles que deram sua contribuição para que Conquista – na verdade, toda a região Sudoeste foi beneficiada – se tornasse, economicamente, no terceiro município do Estado.

Sentei diante do notebook, mesmo atravessando um processo de recuperação de um acidente doméstico, que me causou uma diplopia (visão dupla). Passou pela minha cabeça a ideia de dar uma pequena ajuda a um baiano sertanejo que, aos 77 anos, ainda pretende dar sua contribuição à cidade que o recebeu de braços abertos. Trocou o conforto do recém-inaugurado prédio de “A Tarde”, no bairro classe “A” do Caminho das Árvores, em Salvador, pelos contratempos que iria encontrar no pouco explorado Sudoeste Baiano.

Por iniciativa de um jovem gerente financeiro e administrativo, o visionário Arthur de Almeida Couto Filho, a direção de “A Tarde” decidiu levar a notícia ao interior baiano. Sucursais do jornal foram abertas em Vitória da Conquista, Juazeiro, Feira de Santana e Ilhéus. Os leitores – muitos deles se tornaram assinantes – aguardavam ansiosamente a chegada do jornal. Aos domingos, as bancas vendiam cerca de 100 exemplares. Atualmente, somente os assinantes recebem, nos finais das tardes, “o vetusto vespertino da Praça Castro Alves”.

Testemunhei, por mais de três décadas, os “anos dourados” de “A Tarde”. Jeremias era o companheiro de Redação e dos papos nas mesas dos bares após o fechamento do jornal. Seu “forte” era a economia, haja vista que chefiou as assessorias de comunicação da Federação das Indústrias, Secretaria da Indústria e Comércio, Sebrae e Promoexport. Convidado por Arthur Couto veio chefiar a Sucursal da empresa jornalística dos Simões, onde permaneceu por mais de 30 anos, deixando um legado de benefícios para toda a região.

Filho de Piritiba, no sertão norte-centro da Bahia, onde passou a infância, estudou e ajudou o pai como feirante, Jeremias logo se adaptou aos costumes de Vitória da Conquista. Além da área redacional, a Sucursal era responsável pela venda de assinaturas, a publicidade e a distribuição dos exemplares. Os repórteres não se limitavam a cobrir as pautas que vinham de Salvador. Frequentemente, percorriam estradas poeirentas e esburacadas, em busca de uma interessante notícia da região. Esse esforço deu à equipe vários prêmios em concursos jornalísticos promovidos pela Associação Baiana de Imprensa (ABI) e por entidades econômicas estaduais.

Aposentado, Jeremias continuou morando em Conquista, dedicando-se, de corpo e alma, à valorização da cultura local. Inicialmente, reservou uma dependência de sua casa, no bairro Felícia, onde criou o “Espaço Cultural “A Estrada”, com um acervo, atualmente, de mais de 5.000 itens, incluindo 1.500 livros, uma autêntica biblioteca, além de CDs, DVDs, discos de vinil, revistas e chapéus; um blog publica diariamente comentários sobre os mais variados temas. Há 14 anos, esse espaço, onde se respira cultura, promove mensalmente o “Sarau Colaborativo “A Estrada”, reunindo intelectuais, professores, jornalistas, artistas e pessoas interessadas em impedir a morte da cultura local.

O jornalista piritibano tem cinco livros publicados. Um minucioso trabalho de pesquisa, “Conquista Cassada, cerco e fuzil na cidade do frio” deve ser lido por todo conquistense e distribuído nas escolas públicas. Trata-se de um minucioso trabalho de pesquisa. Narra a invasão da cidade por soldados armados, em maio de 64, com o objetivo de destituir e prender o prefeito eleito José Pedral Sampaio e dezenas de pessoas.

O jornalista piritibano presidiu, de 2021 a 2023, o Conselho Municipal de Cultura. Acreditava ele, que, no cargo, tiraria a cultura da UTI. Basicamente, pediu à prefeita Sheila Lemos e aos vereadores da situação, um plano para o setor; uma secretaria exclusiva, desmembrada do esporte, lazer e turismo; e recuperação de prédios e monumentos históricos, como o Teatro Carlos Jehová, a Casa Glauber Rocha e o Cine-Teatro Madrigal.   Só faltaram lhe responder que “cultura não dá voto”.

Jeremias é um lutador. Cidadão comum, ele batalhou décadas pelo que acreditava. Investido da função de membro do poder legislativo, apoiado pelo seu eleitor, ele deixará seu nome marcado na cultura e no esporte, independente do prefeito que for eleito no domingo.