Carlos Albán González – jornalista

Numa das suas últimas falas impregnadas de ódio, dirigida aos seus fanáticos seguidores, no cercadinho do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que sua vitória nas urnas em outubro “é tão certa como o Flamengo ganhar do Bangu”. Sua declaração foi contestada pela maioria dos 250 mil habitantes de Bangu, um dos bairros mais pobres e populosos do Rio de Janeiro, que abraçam o clube alvirrubro como um valioso patrimônio.

Os moradores do bairro proletário mandaram dizer ao ex-capitão que o mais provável é uma vitória do Bangu, o que vem ocorrendo em jogos decisivos ao longo de mais de 100 anos. Entre 1904 e 2022, o clube da Zona Oeste obteve 344 vitórias contra o Flamengo.

Uma delas, lembram os mais velhos, ocorreu na final do Campeonato Carioca de 1966, vencida pelo Bangu por 3 a 0, placar que poderia ser ampliado, caso o atacante do Flamengo, o possesso Almir Pernambuquinho (assassinado aos 35 anos numa briga de bar, no Rio) não iniciasse uma briga, no começo do segundo tempo, movendo o árbitro a expulsar cinco jogadores do rubro-negro, e encerrando a partida.

Os números não mentem, rebatem os banguenses, aconselhando ao psicopata do Planalto a fazer comparações com o Íbis, de Pernambuco, ou o Atlético Mogi, de São Paulo, que carregam o título de “piores times do mundo”, com uma média de 55 jogos sem vencer.

O negacionista do Planalto, provavelmente. não conhece a história de um dos mais tradicionais e antigos clubes brasileiros. Fundado oficialmente em 17 de abril de 1904, com o nome de Bangu Athletic Club, adotou o vermelho e o branco, as cores de São Jorge, padroeiro do Reino Unido. Seus fundadores foram industriais britânicos, que, junto com o maquinário da Fábrica de Tecidos Bangu, trouxeram bolas de futebol.

Com 103 participações em campeonatos cariocas – o primeiro título foi conquistado em 1933 -, o Bangu, desde a formação do seu primeiro time, provocou a revolta de uma numerosa parcela preconceituosa da sociedade da antiga capital da República, o bolsonarismo de hoje, ao reunir negros e operários.

Pressionado pelo racismo, enraizado nas “viúvas” do escravagismo, doutrina que até hoje tem seus seguidores, os “Mulatinhos Rosados” (singelo apelido dado pelos seus torcedores) se afastaram em 2007 das competições futebolísticas, retornando dez anos depois para sua casa, construída nesse período e recebendo a denominação de Estádio Proletário Guilherme da Silveira, mais conhecido como Moça Bonita, com capacidade para 15 mil pessoas.

O reconhecimento ao primeiro passo para popularizar o futebol no Brasil só ocorreu em 21 de abril de 2001, por iniciativa da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, aprovando, por unanimidade, através da Resolução 788/2001, a concessão ao clube alvirrubro da Medalha Tiradentes, a mais alta condecoração do governo fluminense. Justificou-se a homenagem, “pelo destemor e pioneirismo na luta para superar preconceitos discriminatórios contra atletas, e pelos relevantes serviços prestados pela agremiação à causa pública”.

O Bangu derrubou outra barreira discriminatória, o machismo no futebol, elegendo em 2003 para o cargo de presidente a associada e conselheira Rita de Cássia Trindade.

A melhor fase do Bangu deu-se entre os anos 60 e 80, Apadrinhado pelo “banqueiro” do jogo do bicho Castor de Andrade, o clube fez excursões pela Europa, Estados Unidos e América do Sul, ganhando 13 dos 44 troféus de sua galeria; participou de uma edição da Taça Libertadores da América; venceu o Campeonato Carioca de 66; seus jogadores foram convocados 96 vezes para a Seleção Brasileira. Nas matas brasileiras inexiste o castor, mas o simpático roedor está desenhado como mascote no uniforme do Bangu.

Alguns dos nomes mais consagrados do futebol brasileiro vestiram a camisa alvirrubra, começando por Zizinho (melhor jogador da Copa de 50), Zózimo, Paulo Borges, Gilmar, Domingos e Ademir da Guia, Arturzinho, Mauro Galvão, Aladim e Moacir Bueno. Entre os treinadores deixaram seus conhecimentos em Moça Bonita: Aimoré Moreira, Yustrich, Flávio Costa, Evaristo de Macedo, Didi, Martim Francisco, Carpeggiani e Zagallo.