JOGO TUDO NA GAMELA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Minhas contas de luz e água,
Faturas dos cartões de crédito:
Tudo é só débito,
Toda vez como freguês.
O selvagem capital,
Me trata como faquir,
Que toma banho na gamela,
Ainda me cobra,
Conta paga,
Para ir na camela conferir,
E fico a olhar tudo que quitei,
Todo sangue que já dei.
Logo vai chegando,
O outro mês:
Nem sei mais o que gastei:
Jogo tudo na gamela,
Depois nos arquivos,
Como mortos inativos.
Jogo tudo na gamela,
No banho que lá tomei,
Quando criança esperança,
No campo ou na favela,
E quando morro,
Nessa vida de aventura,
Num caixão apertado sem largura,
Só tenho direito a uma vela.
Jogo tudo na gamela,
Essa remela,
Do trabalhador,
Tratado como escravo insano,
Como nos tempos,
Do tráfico africano.