O livro de Laurentino Gomes, “ESCRAVIDÃO” mostra curiosidades do tráfico negreiro, muitas das quais de horror, mas que precisam ser conhecidas por historiadores, estudantes e todos brasileiros sobre o que aconteceu nos quase 350 anos de escravidão no Brasil.

Em prosseguimento aos relatos do autor, vamos destacar alguns deles sobre os sofrimentos dos negros no cativeiro:

No capítulo “Visão do Inferno”, o autor da obra descreve que as caldeiras dos engenhos daquela época ferviam em meio à escuridão da noite brasileira. “As labaredas, frequentemente comparadas ao fogo do inferno, ou à lava incandescente dos vulcões, eram alimentados por escravos – vultos que se movimentavam ao redor de gigantescos tachos de cobre onde borbulhava o caldo de cana a ser depurado para se transformar em açúcar”.

Em sua visão, Laurentino diz que açúcar é sinônimo de escravidão. Quem faz relatos mais macabros ainda é o padre André João Antonil que, em companhia do padre Antônio Vieira, o defensor da escravidão, chegou à Bahia em 1681. Seu livro “Cultura e Opulência do Brasil por suas Dragas e Minas”, foi publicado em Lisboa, em 1711.

Em um trecho do livro, Antonil escreve que, junto à casa da moenda, que chamam casa do engenho, segue-se a casa das fornalhas, bocas verdadeiramente tragadoras de matos, cárcere de fogo e fumo perpétuo e viva imagem dos vulcões Vesúvio e Etna(…)

Prossegue relatando que nos engenhos reais, costumava haver seis fornalhas, e nelas outros tantos escravos assistentes, que chamam metedores de lenha. “O alimento do fogo é a lenha, e só no Brasil, com a imensidão dos matos que tem, podia fartar como fartou por tantos anos, e fartará nos tempos vindouros, a tantas fornalhas, quantas são as que se contam nos engenhos da Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro…”

“Nunca consideramos este tráfico ilícito, Na América, todo escrúpulo é fora de propósito” – Luis Brandão, reitor do colégio jesuíta de Luanda, mas a Igreja produziu um grande santo que foi o padre Pedro Claver, natural de Catalunha, nascido em 26 de junho de 1580. Passou mais de 40 anos de sua vida visitando os navios negreiros que atracavam no porto de Cartagena das Índias, Colômbia. Levava conforto espiritual e material aos cativos.

Os escravos sempre chegavam desidratados e desnutridos, sem condições de se manter em pé. Claver descia aos porões escuros, fétidos, sem ventilação e, durante dias, se dedicava a cuidar dos mais fracos para curar suas feridas, dar comida e agasalhos. Ele fez um voto de ser escravos dos etíopes, aethiopum semper servus. Era nome genérico usado para designar os africanos nessa época. “Pedro Claver é o santo que mais me impressionou depois da própria vida de Cristo” – declarou o papa Leão XIII, ao canonizá-lo em 1888, ano da assinatura da Lei Áurea. Ele hoje é padroeiro da Colômbia.

“Durante cerca de 400 anos, padres, bispos, cardeais e ordens religiosas, não apenas apoiaram como participaram do tráfico de escravos e lucraram com ele” – destacou Laurentino, acrescentando que poucos ergueram suas vozes contra o cativeiro dos africanos.

O começo do século XIX, a Ordem dos Beneditinos tinha mais de mil cativos trabalhando em suas fazendas no Rio de Janeiro e em São Paulo. No Maranhão, os frades do Carmo e das Mercês possuíram escravos até março de 1887.

   O bispo do Congo e Angola recebia um ordenado de 600 mil reis por ano da Coroa Portuguesa, que era pago com direitos de exportação de escravos. O colégio jesuíta de Luanda enviava regularmente cargas de africanos para os colégios de Salvador e Olinda que, por sua vez, os revendia para os senhores de engenhos da Bahia e da Zona da Mata de Pernambuco.

O padre Antônio Vieira atribuía o comércio de escravos a um grande milagre de Nossa Senhora do Rosário porque, segundo ele, tirados da barbárie e do paganismo na África, os cativos teriam a graça de serem salvos pelo catolicismo no Brasil. Não consigo entender essas irmandades de apego a Nossa Senhora do Rosário. Falta de consciência ou conhecimento histórico?

Este é o maior e mais universal milagre de quantos faz cada dia e tem feito por seus devotos a Senhora do Rosário – dizia o padre Vieira em suas homilias para uma irmandade de escravos de um engenho na Bahia, em 1633. No mesmo sermão, afirmava que aos escravos, cabia não apenas aceitar o sofrimento do cativeiro, mas se alegrar com a inestimável oportunidade que tinham de imitar os sofrimentos de Jesus no Calvário. “Em um engenho, sóis imitadores de Cristo Crucificado”.

Até mesmo filósofos e intelectuais respeitados por suas ideias libertárias, caso do britânico John Locke, participaram do tráfico escravo. No caso da Igreja Católica, de acordo com Laurentino, havia uma contradição insolúvel entre suas práticas e os ensinamentos de Jesus Cristo que ela pregava, ou seja, a própria razão da sua existência.