Depois das chuvas e os estragos físicos e humanos, o sofrimento das vítimas tende a se agravar. É como uma grande ressaca depois de uma bebedeira. O socorro de alimentos, vestuário e objetos de uso pessoal feito através de doações serve de alívio nos primeiros dias, mas aí entra a burocracia que impede a recuperação de prejuízos e danos materiais para quem tinha pequenos negócios como meio de sobrevivência.

A mídia faz a cobertura jornalística dos fatos que acontecem no dia-a-dia, muitas vezes até com certa dose de sensacionalismo, mas esquece de pautar matérias para averiguar se as famílias foram mesmo atendidas como prometeram os governantes. Dentro de mais um mês, ninguém fala mais nisso e nem retorna aos mesmos lugares das catástrofes e das tragédias.

Infelizmente, essa prática é um dos maiores defeitos da nossa imprensa, inclusive a nível internacional. Em nosso Brasil, ainda com maior gravidade   por causa do fantasma da burocracia que deixa muita gente para trás quando tenta recorrer ao recurso do governo para erguer sua casa, seu comércio ou adquirir utensílios valiosos que foram destruídos.

Quando se vai bater à porta da verba anunciada, o processo é sempre emperrado nas exigências de papéis e provas de que a família perdeu seus pertences. Essa medida de liberação do FGTS para o trabalhador é sempre praxe nessas ocasiões, só que milhares não dispõem desse dinheiro porque são desempregados e informais.  Se for o caso de auxílio, tem que ter o Cadastro Único, e aí muita gente fica de fora do programa.

A Bahia, o estado mais afetado, como cerca de 100 mil desabrigados e quase 700 mil afetados pelos temporais, vai ficar com uma merreca dos 80 milhões de reais do governo federal destinados para o Nordeste. Essa conversa de que é só no início, não convence. Os prejuízos são incalculáveis, e o Governo do Estado não tem condições de arcar com tudo, como conserto das estradas.

Outro fato que a nossa mídia deixa de questionar são as festas de final de ano que muitos prefeitos vão realizar. Além de ser um tremendo desrespeito diante da situação calamitosa, tem o lado da contradição com a tão decantada solidariedade do povo brasileiro, que confunde doação de cestas básicas com sentimento humano.

A prefeitura de Salvador está anunciando shows pirotécnicos em 20 pontos da capital, sem contar os gastos com músicos e cantores. O município de Porto Seguro, no sul, região mais castigada pelas chuvas, vai realizar a maior queima de fogos de artifícios de todos os tempos. Vivemos no país das contradições e dos absurdos, principalmente na Bahia, cujo cenário atual é de terra arrasada pelas enchentes.

Todo esse dinheiro que está sendo investido nas festas de final de ano não poderia ser revertido para as milhares de famílias que hoje estão sem nada e vivendo em abrigos improvisados, expostos a todo tipo de doenças, inclusive da Covid-19 e da gripe influenza? Cadê o sentido de solidariedade? Tudo isso não passa de um grande paradoxo, pouco comentado pelos veículos de comunicação, porque eles também lucram com as festividades.