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:: 27/dez/2021 . 23:57

NÃO GOSTO DE FINAL DE ANO

A televisão anuncia a ceia de Natal com peru, chester, nozes, ameixas, castanhas, lentilhas para dar sorte, produtos importados e vinhos na farta mesa. Os preços subiram, mas isso não faz diferença para a elite. Do outro lado, o pobre deve imaginar que a sua “ceia” é feita de feijão com arroz quando ele é um dos felizardos das doações da cesta básica. O barraco, na maioria, fica lá na encosta da periferia ou no alto do morro, sem nenhum sistema de saneamento. As crianças correm de pés no chão em pleno esgoto a céu aberto.

Nas lojas e shoppings, os movimentos de compras de presentes superam todos os anos, evidenciando um consumismo exagerado. Milhões nem passam por lá porque são malvistos. Alguns meninos e meninas ganham uns brinquedos doados, e assim a cena se repte todos os anos. Alguém diz que a cesta significa também uma esperança, mas que esperança, se não lhe é oferecido a instrução e o emprego? Se não lhe é dado uma alternativa, uma saída?

Por isso que não gosto desse final de ano de Natal tão desigual, e da queima de fogos de artifícios que brilham nos céus, desse estampido dos champanhes, dos comes e bebes luxuosos e dos uísques festejantes. Lá fora, nas marquises e viadutos, os moradores de rua dormem ao relento, e o número deles só faz crescer.

Não gosto desse Natal, nem desse final de ano porque não aguento mais ouvir bordões de amor e paz, de Feliz Natal e Ano Novo, de que as coisas vão melhorar, como se ao amanhecer, em questões de horas, a vida tomasse outra forma. Nisso tudo, existe mais falsidade que sinceridade. Dizem por aí que nesse período a pessoa fica mais sensível, mas no amanhã se volta a ser uma multidão invisível.

O solstício de inverno do hemisfério Norte, quando o sol faz os dias mais longos, virou Natal dos anos 300 da era cristã imperial dos romanos, instituído por Julius I. Era uma antiga festa pagã dos celtas e dos druidas. Era também festa de Mitra, o deus persa da luz e do Hanukkah entre os judeus.

O cristianismo escolheu uma data mais próxima às crenças de todas religiões para atrair mais seguidores, mas queria que esse Natal fosse de todos os irmãos da fome. Assim nasceu o Natal, “natale domini”, e São Francisco criou o presépio de um Deus Menino de olhos azuis, numa manjedoura cercada de animais e dos reis magos.

O Papai Noel veio lá dos gelados países nórdicos com seu trenó que só passava na casa dos ricos, como até hoje. Os pobres miseráveis nem têm acesso a um shopping ou a uma loja de consumo. De um lado, as reuniões do clima onde os reis assinam papéis para reduzir o aquecimento global. Do outro, o incentivo consumista do capital guloso para crescer o tal do PIB (Produto Interno Bruto), cujo bolo nunca é dividido entre os mais pobres. Ainda continua sendo o Natal do esbanjamento para alguns, e frustração para muitos, mesmo com as campanhas de doações.

Esse Natal só me faz lembrar daquele menino retraído ao pé do fogão a lenha, ao lado da mãe cozinhando um feijão sem carne. O pai que vive de bicos foi à rua logo cedo para tentar ganhar uns trocados, para fazer umas comprinhas. Desiludido e sem nada, passou no boteco e encheu a cara de pinga. Chegou tarde à noite revoltado por sua condição social e quebrou tudo.

Na confusão, a polícia passou e levou aquele homem para a cadeia, e lá deram-lhe umas bordoadas. Sem dinheiro e sem emprego, a família foi despejada do casebre porque não pode pagar o aluguel e passou a engrossar a lista dos moradores de rua. O menino daquela triste noite nunca mais gostou desse Natal, nem eu.

Enquanto isso, os bilionários em foguetes potentes festejam passeio no espaço para, das alturas, ver uma parte do universo cheio de estrelas, e lá embaixo a terra azul a navegar com seus oito bilhões de habitantes, dos quais, quase um bilhão vivendo em extrema pobreza. Nela está o Brasil isolado viajando na contramão, detentor de títulos negativos na educação e um dos maiores índices de desigualdade humana e social.

 





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