Às vezes temos a impressão que ingerimos um pesado alucinógeno que faz a cabeça ferver como num pesadelo em meio a escombros e monstros alucinados de chifres a nos perseguir. Corremos desesperadamente entre labirintos para fugir dos horrores, e as saídas que imaginamos se fecham.

Em algum ponto da agonia de morte, acordamos suados de tanto esforço para nos salvar. Somos uma massa de desumanizados, embora se fale muito em solidariedade e se arrecade cestas básicas para os famintos. Temos um Natal de mesas cheias para poucos, e vazias para uma grande maioria. As festas de fogos coloridos nos finais de ano não me encantam mais. Sou mais os foguetórios de São João, quando alguém se casa ou nasce uma criança.

Quando ainda menino, meu pai dizia para não ficar na roça no cabo da enxada porque aquilo era o maior atraso para o homem. Passados muitos anos, cá estou na grande cidade agitada, de multidões apressadas que se cruzam indiferentes na luta pela sobrevivência. Olho para o alto e só vejo edifícios. A minha selva de árvores é de pedras num céu sombrio de nuvens raras e sem cores. Com as luzes incandescentes dos postes que deslizam no asfalto e fios embaralhados, não vejo mais a lua dos enamorados. Meu sonho virou um pesadelo.

Cada um tem algum problema para resolver porque as faturas e os boletos das contas chegam todo final de mês para pagar. O telefone sempre toca do outro lado de algum call center oferecendo um produto. Aquela musiquinha chata nos irrita. Fico estressado e desligo. A grande maioria virou freguês cativo do sistema que não perdoa quem sair das regras emanadas lá do alto do grande escalão das castas.

O cérebro arde quando a inflação aparece nos letreiros das prateleiras dos supermercados e das feiras. Os números sobem nas bombas de combustíveis, milhões vagam desempregados, um homem de terno com um livro na mão prega o fanatismo na praça e condena aqueles que ele considera de infiéis, pagãos e depravados. Acelero meus passos entre camelôs que gritam para vender suas mercadorias, e nas sinaleiras a fome pede comida.

Meu pai também comentava que no final dos tempos (acho que se referia ao juízo final), o mundo ia virar um formigueiro de um movimento acelerado de pessoas indo e voltando. Uma mulher caiu na calçada, mas ninguém viu. Os letreiros me convidam para entrar. Às vezes fixo o olhar na labuta do vaivém das formigas em meu quintal, e logo lembro dos dizeres do meu pai.

Basta um toque no buraco para elas se espalharem perdidas e nervosas. Até se atacam como no chamado feromônio, mas depois com o tempo se acalmam e voltam ao ritmo de antes para a entrada e saída da toca. Refazem os estragos, e o formigueiro volta a funcionar. São incansáveis trabalhadoras que cortam nossas lavouras, mas a natureza sabe o que faz.

O planeta já deve ter cerca de oito bilhões dessas formigas humanas gigantes e, mesmo com bombardeios, pestes, venenos de agrotóxicos e escassez de alimentos para os mais fracos, o número só faz crescer. O que será quando tiver 15 ou 20 bilhões em terras quase desérticas? A profecia do meu pai estará se concretizando. A paisagem poderá se tornar árida na terra dos homens predadores.

Do pesadelo alucinógeno e dos formigueiros das cidades grandes, a vida é real quando se acorda com as ruas e avenidas cheias de neurônios enlouquecidos que cada vez mais se odeiam nas redes sociais. Cada um cuida de si, e o outro é um concorrente que precisa ser expelido. Vale o levar vantagem em tudo, não importam os métodos. Os fins justificam os meios.

Não seria melhor ter ficado na roça no cabo da enxada, ouvindo o cantarolar livre dos pássaros, ou tomando café no bule torrado no pilão numa conversa animada de compadres noite a dentro até o galo cantar, sem pensar no existencialismo e outras filosofias do tipo, ser ou não ser? Quem quer saber do Eu Profundo, ou do saber humanista? Mergulhar em si só se for numa piscina, no rio ou no mar.

Moro hoje isolado num pedaço gigante de uma terra chamada de Brasil onde se vive um pesadelo coletivo de intolerâncias, instigadas por um tamanduá faminto sugador de sonhos e esperanças. Parece que todos foram contaminados pela droga da destruição onde optaram pela separação e a divisão entre nós e eles. Nos chamam de terráqueos bárbaros como cães raivosos. Nos olham de longe como se fossem ferozes e contagiosos.