Carlos González – jornalista

Entre os 181 países que compõem a Assembleia Geral da ONU, o Brasil é o único que mantém um grupo de privilegiados, regiamente remunerados, que atendem pelo nome de vereador, eleitos para um mandato de quatro anos, mas com direito a vitaliciedade. Os legislativos dos 5.570 municípios brasileiros abrigam 58.208 vereadores, cuja maioria, simplesmente, registra sua presença em plenário três dias por semana, contrariando as promessas e juramentos que fizeram de ouvir e atender os anseios do povo que os elegeu.

Num cálculo rápido, as prefeituras – na verdade, o contribuinte – repassam anualmente para as câmaras de vereadores mais de R$ 6 bilhões, para custear salários de assessores (cabos eleitorais, parentes, “laranjas” e “fantasmas”) e servidores efetivos, acrescidos de uma lista de mordomias e “penduricalhos” que beneficiam os chamados “representantes do povo”.

Países que não convivem com os altos índices de desemprego e da fome e com a perda de 608 mil vidas humanas, por omissão do governo federal, se valem dos conselhos municipais, formados por cidadãos, desvinculados dessa sórdida política de “toma lá, dá cá”, e que se sentem gratificados em assessorar e fiscalizar os seus alcaides, e, principalmente, desenvolver projetos em benefício da população.

A Constituição de 1988 estabelece que, de acordo com a população, a área e a remuneração do deputado estadual, os municípios podem eleger de nove a 55 vereadores (São Paulo), com salários brutos entre R$ 5.600 e R$ 21 mil, levando para o seu gabinete de nove a 18 assessores.

Além desses valores, o vereador pode receber gratificações de até 80% do salário, em média R$ 35 mil, verbas indenizatórias (reembolso por gastos no exercício da função) e verbas de gabinete, para cobrir as despesas com os assessores (nesse quesito entra a famigerada “rachadinha”);  aposentadoria especial; carro oficial, combustível e assistência médica-odontológica.

Municípios no Nordeste gastam mais com as câmaras municipais do que conseguem arrecadar. Novo Triunfo, no nordeste baiano, a 560 kms. de Salvador, apontado pelo IBGE como o município mais pobre do país, tem unicamente no modesto comércio sua maior fonte de renda, além dos repasses do estado e da União. Mais de 70% dos seus munícipes vivem das aposentadorias e do Bolsa Família.

A fuga para o Brasil

Na transferência da Corte portuguesa para o Brasil, em 29 de novembro de 1807, fugindo das tropas do imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821), o rei D. João VI (1787-1826) permitiu que um grupo de nobres, que tinha a obrigação de normatizar a vida das comunidades lusitanas, se instalasse numa das 16 embarcações, para uma viagem de 62 dias até o Rio de Janeiro, onde expulsaram os moradores de suas casas logo após o desembarque.

A função do vereador no Brasil começou a normalizar a partir da Independência (1822) e da Constituição de 1824. A promulgação da Carta Magna de 1988 concedeu maior autonomia aos municípios, beneficiando os seus legisladores, que passaram a exercer certa pressão sobre o Executivo.  Em resumo: o prefeito está passível de perder o mandato, caso venha a desagradar a maioria dos vereadores.

A remuneração do vereador das capitais passou a vigorar a partir do meado da década de 60 do século passado. Em 1977, o presidente Ernesto Geisel (1907-1996) estendeu esse benefício aos edis do interior do país. Com o apoio de uma ampla maioria da população, o presidente Getúlio Vargas (1884-1954) fechou as câmaras municipais (de 1930 a 1934 e de 1937 a 1946). Na verdade, as casas legislativas municipais funcionam como as extintas escolas primárias, onde o aluno inicia a preparação para exercer no futuro uma profissão que o engrandecesse e ao seu país.

A ideia fixa de quem se candidata a vereador é a de seguir a carreira política, cuja desaprovação entre os brasileiros chega a 60%. Na ambição de obter uma vaga usam dos nomes e apelidos mais bizarros – em São Leopoldo (RS), Tarzan e Cigana sentam ao lado de Hitler (nome de batismo, eleito pelo DEM com 1.865 votos, que admite desconhecer a doutrina nazista).

Câmara de Conquista

Quem acompanha o noticiário da imprensa local pode avaliar a atuação dos vereadores de Vitória da Conquista no primeiro ano de mandato; se estão cumprindo o que estabelece os artigos 29 a 31 da Constituição de 88, que estabelece as diretrizes dos legislativos municipais. Observamos que, logo após a posse, a prefeita Sheila Lemos procurou ampliar sua base de apoio, cooptando fingidos oposicionistas que se elegeram com um discurso de protesto à administração de Herzem Gusmão (1948-2021), mas, no primeiro aceno da prefeita, “pularam o muro”, em troca, provavelmente, de vantagens, o que significa uma traição ao seu eleitorado.

Sheila pode trabalhar com tranquilidade os próximos três anos, pois conta com uma folgada maioria na Câmara. São 14 dos 21 vereadores, dispostos a lhe dizer “amém”, aprovando todos os projetos – a criação da Taxa do Lixo está na pauta -, sob os olhares complacentes de uma oposição esmagada por bolsonaristas, religiosos fanáticos e os que revelam aversão aos grupos LGBT.

Nas barulhentas sessões, entremeadas com citações bíblicas, “suas excelências” vão continuar a usar o pouco tempo em plenário para indicar avenidas e ruas onde devem ser construídos os odiosos quebra-molas (a cidade é recordista no país), prometer carros-pipa para a zona rural abandonada e propor títulos de cidadania e moções de aplausos e de repúdio.  Há momentos em que o visitante tem a impressão de que se acha num templo evangélico.

A Câmara de Vereadores conquistense, segundo o Portal da Transparência, tem pouco mais de mil servidores, incluindo os 21 edis, seus assessores, funcionários de carreira, estagiários e advogados. Em 12 parcelas de pouco mais de R$ 1,5 milhão a prefeitura repassa este ano quase R$ 19 milhões para o Legislativo.

Por este Brasil afora muitos são os que preferem estagnar na carreira política, passando a fazer parte da “mobília” das casas legislativas, praticando com seus eleitores o lesivo assistencialismo. O recordista é o gaúcho Wilmuth Bergmann, 93 anos e 11 mandatos; Carlos Bolsonaro frequenta há 20 anos a Câmara do Rio. A sra. Lúcia Rocha – sua ficha no TRE consta como profissão “ vereadora” – recebe desde 1992 os votos de um eleitorado fiel.

A vereadora decana de Conquista acha que, aos 69 anos, chegou o momento de passar para o segundo estágio da carreira parlamentar. Pretende ocupar em 2022 uma cadeira na Assembleia Legislativa, e, em 2024, a prefeitura da cidade.  Outros políticos situacionistas têm a mesma aspiração – a prefeita Sheila Lemos sonha com um segundo mandato. A sopa de letrinhas (MDB, DEM e PTB) está fervendo nos porões da política conquistense.

Diante do exposto está implícita uma pergunta que todo brasileiro gostaria de fazer:’ “Para que serve o vereador”?