NA ESPERA DE UM NOVO PAPA
Depois de longos dias de tratamento pulmonar com questões respiratórias, o Papa Francisco se foi com seus 88 anos, depois de um pontificado de 12 anos onde ele defendeu abrir as portas para os excluídos, mas encontrou resistências de uma ala conservadora e acomodada da igreja. Agora é esperar o esquema político acirrado de uma votação de disputas pelo poder. Logo mais teremos “abemus papa” através da chaminé de fumaça branca. Depois da morte vem a expectativa dos católicos.
Quando foi eleito pelo conclave cardinalício (hoje são 252 votantes), lembro bem que sua primeira fala foi em tom de apelo aos padres e bispos para que saíssem de suas casernas, poltronas e escritórios e fossem ao encontro dos pobres, desvalidos, descriminados e mais necessitados.
Nascido Jorge Mario Bergolio, em 1935, escolheu o nome de Francisco como símbolo de desprendimento. Condenou a ostentação e o luxo dos próprios sacerdotes da Igreja Católica. Começou dando um puxão de orelha naqueles que não largam seu conforto e até sugeriu vender o ouro e bens valiosos da instituição milenar do cristianismo.
A verdade é que não encontrou respaldo dos conservadores que não abrem mão de suas zonas de conforto. Muitos preferiram continuar com seus anéis, crucifixos, báculos, estolas e mitras banhados a ouro, mais parecidos com aquelas figuras medievais da inquisição que detinham o poder do Estado e mandavam em reis e rainhas.
Em Vitória da Conquista, por exemplo, os bispos e arcebispos que aqui dirigiram a arquidiocese só aparecem nas cerimônias religiosas, como Semana Santa, época do Natal, festa da padroeira e outras solenidades festivas das paroquias. Não existem aparições entre os pobres como recomendava o papa.
Fora de seus cerimoniais católicos, eles praticamente não são vistos em eventos sociais, culturais e políticos onde as comunidades e as categorias mais esquecidas do poder público precisam deles como âncoras. Nunca vi um deles num evento cultural defendendo a causa da classe, numa mobilização de professores, num ato político ou numa sessão especial na Câmara de Vereadores.
Esses bispos e arcebispos acham que o lugar deles é só na igreja fazendo suas homilias e pregações apenas para os fiéis, ministrando suas liturgias. Eles entendem que não pertencem ao mundo “profano” lá fora. Têm que cuidar só das coisas de Deus, como se as outras não fossem também Dele.
Quando Cristo andava pela Palestina, ele fazia o contrário e pregava aos seus apóstolos para irem justamente ao encontro das ovelhas desgarradas, dos menosprezados. Ele visitava as casas mais humildes e até comparecia em festas de casamento.
Posso até estar errado, mas a impressão que passa é que a função deles se resume simplesmente e rezar as missas solenes e administrar os bens da igreja que não são poucos. Até hoje quando se vende uma casa em Conquista, paga-se um tal de laudêmio que é imoral e absurdo.
Esse papa que se foi não comungava com isso e até abriu os braços para os gays, LGBTs, para os negros que foram escravizados, para os trabalhadores explorados pelo capitalismo selvagem, para os refugiados, para os povos indígenas e condenava essa hipocrisia dos seus padres, bispos e cardeais. Foi corajoso quando foi firme em punir aqueles que praticaram a pedofilia.
Não estou aqui para dar lição de moral, mas bem que eles poderiam refletir essas questões. Falam de sacrifício para seus fiéis, mas optam pela vida boa, sombra e água fresca. Não estou dizendo que são todos, mas poucos seguem o ensino do seu mestre. Fiquei oito anos no seminário e presenciei muitas coisas erradas, de se pregar uma coisa e fazer outra.
Esse papa quis e teve a intenção de reformar e transformar a igreja, adequando-a aos tempos modernos, mas encontrou barreiras dos conversadores enrustidos e muitos até o chamavam de comunista esquerdista por mandar que tirassem a bunda do sofá e fossem a campo trabalhar. Ele sempre desejou missionários em seu reino e não parasitários.
Suas cartas e encíclicas (quatro), como a Laudato Si (Louvado Sejas) e a Fratelli Tutti (Todos Irmãos) estão aí para serem lidas e cumpridas. Diziam que somos nós o ser humano parte orgânica desta “Casa Comum”. Em sua visão, todos os homens são iguais e abominava as desigualdades sociais.
Não são missivas moralistas, mas de grande força e coragem contra os poderosos mandatários, contra os destruidores do meio ambiente que só pensam em lucrar, contra os gananciosos, contra os tiranos das guerras e contra seu próprio rebanho de pastores que não ouviram seu chamado.
Ele desejou uma igreja moderna e libertária de suas amarras. Condenou os massacres de Israel contra os palestinos e foi até xingado pelo presidente do seu país de origem. Ele foi uma continuação do Papa João XXIII, especialmente no tocante à aproximação da igreja com os fiéis.
Outro grande feito dele foi arrumar as finanças do Banco do Vaticano que estava praticamente falido pela corrupção dos cardeais. Denunciou os corruptos dentro da hierarquia católica. Ele assumiu o comando de uma igreja esclerosada que excomungava os homossexuais.
Depois de morto, chovem falsos elogios daqueles materialistas que repugnavam suas propostas de mudanças, o que dá nojo de se ouvir, mas o que importa é que seu pontificado deixa um grande legado em prol do bem comum. Agora é esperar que seu sucessor seja um iluminado e não dê um passo atrás ou venha apagar essa chama de esperança. Tudo depende de uma votação onde, quer queira ou não, existe num jogo político e conchavos.