:: 4/abr/2025 . 22:08
A QUESTÃO SOCIAL, A I GUERRA E A DECADÊNCIA NA INGLATERRA
No livro “Um Pouco de Ar, Por Favor”, o famoso escritor George Orwell, conta a história de George Bowling desde os tempos de criança e sua obsessão pela pesca; os hábitos das pessoas mais pobres e seus problemas sociais nos idos dos anos 1909 a 1918. É uma narrativa na primeira pessoa feita por George numa pequena cidade inglesa.
Nessa época, ele mostra uma Inglaterra em decadência com grandes desigualdades sociais onde muitas empresas comerciais estavam entrando em falência. Apesar da vida corriqueira, pacata e monótona da classe média e carregada de preconceitos, o autor da obra prende o leitor com seus mínimos detalhes.
Ainda jovem, entre 16 a 17 anos, o narrador se alista e participa da I Guerra Mundial (1914-1918), lutando na França contra a Alemanha. George Boelling mostra os horrores da guerra e as sujeiras nos campos e nas trincheiras das batalhas. São cenas de degradação humana, atos de estupro, inclusive de freiras.
Em toda sua narrativa, George está sempre falando de pesca, mas volta também sua atenção para a descoberta da leitura aos 10 ou 11 anos, de maneira voluntária. “Nessa idade é como descobrir um novo mundo”. Sempre me apaixono pelo best-seller do momento (Os Bons Companheiros, Lanceiros da Índia e O Castelo do Homem sem Alma).
Quando jovem ele se tornou membro do Clube do Livro da Esquerda. “Li as coisas que queria ler e tirei mais proveito delas do que jamais tirei das coisas que me ensinaram na escola”. Descreve também os semanários para meninos que circulavam naqueles tempos dos idos de 1900.
Como ocorre no Brasil de hoje e em outros países do mesmo nível desenvolvimentista, o escritor relata a situação do narrador da prosa que teve logo cedo de deixar a escola para trabalhar para ajudar sua família que tinha uma loja entrando em falência.
Num de seus diálogos de juventude, George Orwell destaca que “Algum dia, de uma forma ou de outra, haveria dinheiro suficiente para eu “me estabelecer” sozinho. Era assim que as pessoas se sentiam naquela época. Isso foi antes da guerra, lembre-se, e antes das crises e do desemprego”. Ele relata os tempos da grande concorrência comercial, mas enfatiza que havia lugar para todos.
Sobre a vida jovem, diz que “em alguma parte conhecida da cidade, os meninos caminhavam para cima e para baixo em pares, observando as meninas, e as meninas caminhavam para baixo e para cima em pares, fingindo não notar os meninos. E logo algum tipo de contato era estabelecido e, em vez de dois, estavam andando em quatro, todos os quatro totalmente mudos”.
Quanto a primavera de 1914, George, o narrador, ressalta que a vida era mais dura. “As pessoas em geral trabalhavam mais, viveram com menos conforto e morreram de forma mais dolorosa. O que era chamada de pobreza “respeitável” era ainda pior. Você via coisas horríveis acontecendo. Pequenos negócios falindo, comerciantes sólidos indo aos poucos à bancarrota, pessoas morrendo de câncer e doenças hepáticas…”
“Meninas arruinadas para o resto da vida por um bebê ilegítimo. As casas não tinham banheiro, você quebrava o gelo da sua bacia nas manhãs de inverno, as ruas de trás fediam como o diabo no tempo quente, e o cemitério ficava cheio no meio da cidade, de modo que você nunca passava um dia sem se lembrar de como teria que morrer”.
No que diz respeito à crença religiosa, o escritor assinala, através de seu personagem principal, que quase todo mundo ia à igreja, pelo menos no interior. As pessoas acreditavam em uma vida após a morte. “Mas nunca conheci alguém que me desse a impressão de realmente acreditar em uma vida futura. Acho que, no máximo, as pessoas acreditam nesse tipo de coisa da mesma forma que as crianças acreditam no Papai Noel. É fácil morrer se as coisas com que você se preocupa vão sobreviver. Você teve sua vida, está ficando cansado, é hora de ir para baixo da terra”.
Ao falar da guerra, ele indaga: “Você se lembra daqueles hospitais de campanha em tempos de guerra? As longas filas de cabana de madeira, que pareciam galinheiros, presas bem no topo daquelas colinas geladas bestiais – a Costa Sul, as pessoas costumavam chamar assim, o que me fez imaginar como seria a Costa Norte – onde o vento parece soprar de todas as direções ao mesmo tempo”.
“Qualquer um que fosse forte o suficiente costumava vagar por quilômetros nas colinas na esperança de encontrar garotas. Nunca havia suficiente para todos. Um garoto de rosto rosado, de cerca de oito anos, caminhou até um grupo de homens feridos sentados na grama, abriu um pacote de Woodbines e prontamente entregou um cigarro a cada homem, era exatamente como alimentar os macacos no zoológico”.
BODE E VACA CURTIAM ADOIDADO
(Chico Ribeiro Neto)
Zé da Baixa gosta de contar uns casos difíceis de acreditar, mas fáceis de fazer rir. Quando toma umas duas, então, Zé se solta, e tome-lhe história. Conta todas com aquele jeito sério do bom culhudeiro, pois mentiroso é palavra pequena pra ele.
De bode, então, ele é cheio de casos. Outro dia, na Barraca de Isidro, falava-se de roubo de animais quando Zé tomou a palavra pra contar como é que se rouba bode na terra dele: “Você joga um algodão com éter, e o bicho vem doido. Cheira, fica tonto, e aí você pega ele com a maior facilidade e coloca dentro da camionete”.
“Vai ver”, comentou um dos frequentadores de Seu Isidro, “que ele gostava mesmo era do cheirinho da loló, muito usado no Carnaval”. Zé completou na hora – pois mentiroso sempre está acrescentando – dizendo que o bode cheirava loló mesmo, pois fora criado no quintalzinho de uma prostituta na Ladeira da Montanha e que, no Carnaval, não tinha quem segurasse o bicho. Teve um dia que seguiu o trio elétrico de Dodô e Osmar da Praça Castro Alves até o Campo Grande e voltou descansando num afoxé. No Campo Grande teve até confusão, pois queriam pegar ele pra churrasquinho.
Se o bode do interior cheirava éter, viciado que era dos tempos da capital, o que acontecia com os outros bichos? Mais animado ainda – pois mentiroso, quando a plateia aumenta, o tamanho da culhuda também cresce -, Zé da Baixa passou a falar da vaca de Zé Paulino, viciada em maconha. Trocava qualquer capim colonião por umas folhas da erva maldita.
A vaca, que se chamava “Fumacinha”, chegou até a ser usada pela Polícia Federal numa das batidas em Juazeiro e no sertão de Pernambuco. “Era só soltar a bicha que ela ia certinha na plantação de maconha. Todo mundo preso, a plantação queimada, mas antes se tirava uns molhezinhos para acalmar “Fumacinha”, que já tinha dois bezerros começando a enjoar do colonião, esse capim que não tá com nada”.
Ele dizia, também, que a tal vaca chegou a passar uns tempos em Arembepe, na década de 70, e não podia ver barraca de hippie armada que encostava, já fuçando pela janelinha algum cheiro conhecido. Foi dessa época o colar de pedras peruanas que segura seu sininho até hoje. Também o coraçãozinho de prata, que usa na pata direita.
Segundo Zé da Baixa, tem vaqueiro que costuma notar, de noite, um foguinho aceso no curral. Quando vai ver, é “Fumacinha” acendendo um incenso e mugindo umas canções dos Hare Krishna. Outro vaqueiro mais velho atesta que ela chorou de fazer dó no dia em que John Lennon foi assassinado e que só não foi, agora, pro show de Paul McCartney, no Rio, porque o único caminhão disponível já tinha sido fretado pelo bode da loló, que levou amigos e cabritas.
Zé confessa que não sabe o que levou “Fumacinha” a isso. Se foi a falta de pasto ou a desilusão amorosa com o touro “Carambola”, aquele que passou a se chamar “Caramba” depois de um salto mal dado por cima da cerca de arame farpado, onde ficaram as bolas.
Outros acham que foi um macaco que andou pela cidade tempos atrás, que tinha um embornal de onde saía o diabo. Dizem que esse macaco mora hoje na Colômbia.
(Crônica publicada no jornal A Tarde em 12/5/1990)
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
SUAS ESCULTURAS SÃO IMPACTANTES
Um misto de religiosidade e de protesto em defesa da natureza, num barroco que lembra as obras do “Aleijadinho”, Antônio Francisco Lisboa, que nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto (Minas Gerais), no século XVIII. Na verdade, o artista mineiro lhe serviu de inspiração e lhe deu régua e compasso em suas andanças pelas cidades históricas daquele estado onde “Aleijadinho” deixou suas marcas eternas, como legado para a posteridade.
Estou falando de Jota Vieira, um escultor baiano de Carinhanha, que está expondo seus trabalhos na Casa Memorial Regis Pacheco, com mais de 30 peças. Suas esculturas são impactantes (ele tem um olhar também para as questões sociais) que deixam o visitante deslumbrado ao ver sua sensibilidade expressa em seus traços nas fortes imagens da Santa Ceia, de Nossa Senhora da Conceição, do Sagrado Coração de Jesus, dentre outras esculturas de cunho religioso.
Como o uso da madeira (cedro e umburana, principalmente) e da argila, Jota Vieira apresenta personagens da nossa cultura, como do pescador, além de figuras afros, no caso do negro escravo acorrentado e sendo castigado pelo patrão. Com troncos de madeira reaproveitáveis, Jota Vieira chama a atenção quando utiliza as duas faces de suas peças com esculturas distintas. Numa delas, o artista faz seu protesto contra a ação agressiva do homem ao meio ambiente. Sua arte é religiosa e de denúncia quando mostra numa de suas esculturas a imagem de um Tuiuiú, ave símbolo do Pantanal, sapecado pelo fogo.
De família pobre, Viera começou a fazer suas esculturas desde menino com seus carrinhos de brinquedo. Ainda jovem foi gari e pedreiro, mas tinha um dom divino adormecido em sua alma, tanto que só veio mesmo a se profissionalizar a partir de 2006. Sua exposição já percorreu várias cidades, inclusive Salvador, e é digna de uma apresentação internacional.
Como todo artista neste país, que luta sozinho para compartilhar seu talento com os outros e sobreviver, Jota Vieira precisa de apoio dos poderes públicos e dos empresários para divulgar suas obras pelo Brasil e pelo mundo a fora. Uma das iniciativas seria a impressão de um catálogo sobre suas esculturas, sua trajetória de vida e sua técnica diferenciada de esculpir, com tanta precisão e realismo. Não deixem de visitar e apreciar a exposição de Jota Vieira.
EM MINHAS CEIAS
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Por que os poetas,
Não mais protestam
Contra a injustiça social,
O depravado capital,
Só querem falar de amor,
De sofrência e flor,
Acham que agruras,
São palavras feias,
Como em minhas ceias.
Em minhas ceias,
Consome-se a fome,
Tem pirão d´ água,
Feijão aguado,
Paçoca de Ouricuri
Carne seca e mocotó,
Com farofa de morotó.
Minhas ceias,
São feitas de teias,
Do sangue da guerra,
Do fogo que sai,
Das entranhas dessa terra,
Sem cheiro de alecrim,
Nem lírio e jasmim.
Nas ceias desses poetas,
Só ouço o canto do Bem-te-Vi,
Toda vida é doce e bela.
Como se fosse uma aquarela.
Minhas ceias são diferentes,
Falo dessas gentes,
Das luas cheias e minguantes,
Dos pobres retirantes,
Que vivem nas correntes
Como se fossem dementes.
Minhas ceias
Têm lágrimas
De penitenciárias e cadeias.
Minhas ceias
Nascem do sertão forte,
Da luta e da morte;
Brotam das minhas veias,
Minhas ceias,
Não existem sereias,
Saindo do mar
Tem poluição do ar.
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