Em tupi, o significado de tapera, aldeia velha em indígena, tem um sentido pejorativo de casa ou habitação destruída, abandonada, em ruínas, mas o distrito da Tapera, em Encruzilhada, na Bahia, possui história com personalidades folclóricas importantes. O lugarejo, de mais de dois mil habitantes, poderia até ser tombado como patrimônio histórico.

Tapera também tem a designação de casa rural ou fazenda, coberta de mato. É ainda casebre que servia de parada para os viajantes e de pouso para tropeiros, talvez seja o termo mais adequado para a nossa Tapera. Presume-se que aquelas terras tenham pertencido ao fundador de Vitória da Conquista, João Gonçalves da Costa. Por falar nisso, é a família Gonçalves a mais evidenciada entre seus moradores.

No Rio Grande do Sul existe um município com seu nome. A história vem da colonização por imigrante italianos e alemães onde os tropeiros que viajavam entre Cruz Alta e Passo Fundo se abrigavam. O município traz um legado de fé e perseverança.

A nossa Tapera de Encruzilhada também traz em sua origem esse testemunho de fé e perseverança, misturado com o profano. De gente simples e alegre, suas terras são férteis e ali plantando tudo dá, como escreveu o escrivão Pero Vaz de Caminha em relação ao nosso Pindorama, Terra de Vera Cruz ou Brasil.

Vamos deixar desse blábláblá e ir direto para Tapera e “Três Quinas”. É o assunto em foco e de fundamental importância para nossa história literária. Para começar, lá ainda existe coronel de patente da Guarda Nacional. Acredite se quiser.

Tem o “Toninho” do mercadinho que sabe da vida de todo mundo porque passa o dia ali escutando todas fofocas, prosas e conversas fiadas. Aliás, ele é ainda dos tempos das cadernetas de anotações de compras de seus fregueses ou consumidores assíduos. Todo mundo paga certinho, salvo algum caloteiro de passagem.

Na realidade, o que mais interessa mesmo é o “Três Quinas”, o maior fã do programa “Camponês”, da Rádio Clube. Alô meu amigo Camponês, dê um alô para nosso querido “Três Quinas” da Tapera! Ele está sempre colado com você com o ouvido no rádio todas manhãs.

É uma figura falante, o mais conhecido, que adora uma cachacinha, o mé, como se diz no popular, e adora falar da sua vida de 64 anos, mas sempre nega que é aposentado. Talvez tenha receio que alguém passe a mão em seu pequeno benefício rural.

Outro fato curioso é que quase ninguém na Tapera sabe a origem da sua alcunha de “Três Quinas”. Como jornalista é bicho que gosta de escarafunchar as coisas, insisti e ele terminou revelando o porquê de lhe chamarem assim, com voz bem mais baixa do que de costume.

– Isso foi coisa de brasileiro malandro, Jirimia. Quando eu tinha doze anos usava uma calça que batia nas canelas. Um tanto tímido e envergonhado sempre ficava em pé numa esquina de rua, de forma que juntando a esquina com as duas pontas das bocas da calça davam a visão de três quinas. Um safado, então, me apelidou de “Três Quinas” e assim ficou conhecido por todos até hoje.

Seu nome verdadeiro é Sinvaldo de Araújo e mais alguma coisa, que foi vítima de bullying quando ainda era um menino, mas não ficou com traumas e nem teve que se tratar com um psicólogo. Bullying hoje é considerado uma agressividade passível de punição que ainda acontece no ambiente escolar.

Além de algumas de suas casas coloniais, a Tapera tem outras figuras que merecem destaque, como Danilo que dificilmente está sóbrio. Tem ainda o famoso bar do Dema, de cinco portas, onde você encontra a turma do baralho e os “perus” que ficam em redor dando seus palpites.

Como em Salvador, tem a “cidade” alta e a baixa onde ocorre o maior movimento, como se fosse ponto de encontro. Em final de semana é aquela zoeira de carros de som no bar do Cacau que se situa próximo da igreja de um pastor evangélico que berra para um punhado de fieis em nome de Deus e do satanás. Mesmo com aquele barulho infernal, os dois conseguem sobreviver e dar seus recados, Cada um ganha suas granas etílicas, ou dízimos religiosos.

Diante daquela agitação toda, o que não acontecia antigamente, para quem está procurando sossego, não recomendo ninguém passar um final de semana num povoado ou distrito nos tempos atuais tecnológicos.

A Tapera me faz lembrar o povoado de Jenipapo, em Jacobina, onde moram minhas irmãs e sobrinhos. Lá também tem seus tipos folclóricos, uma Igreja Católica e um bar ao lado com aqueles carros de som, com músicas de lixo na maior altura. Ah, me veio também a lembrança de Andaraí e a Tabela, em Piritiba!