(Chico Ribeiro Neto)

Encontro um velho amigo da turma dos Aflitos, que lembra logo dos “babas” no largo, da Praia do Unhão e de muitos que se reuniam à noite na esquina da rua Tuiuti com a rua Gabriel Soares, antes da TV chegar a Salvador.

“Cadê Bandeira, Delmar, Paulo Satanás, Habib, Vilela, Banha, Manteiga e Linhaça, Atum, Tristeza, Mondrongo, Pé de Valsa, Bico de Anum, Leonam e Gaguinho?”

Ele me falou de muito mais gente, e o pior é que eu não lembrava o nome dele. Por último, uma pergunta que me fez reviver muita coisa:

“E Eliziário? Você lembra de Eliziário?”

O velho Eliziário morava numa cabanazinha no meio da encosta da Praia do Unhão. Tinha somente a roupa do corpo, comia peixe cru e nadava muito todo dia. Quando eu ia “dar um fora” (era nadar até mais longe, lá de onde se avistava o Elevador Lacerda), muitas vezes via Eliziário boiando, com sua barba branca, olhando de longe para os banhistas, que certamente deveriam pertencer a uma outra tribo. Eliziário, com certeza, deve ter sido o primeiro hippie da Bahia.

Quando começava o “baba” na praia, Eliziário ficava de cócoras, no meio da encosta e na porta do barraco, espiando atento. Não torcia pra ninguém, apreciava aquele jogo de pernas e a bola correndo. Às vezes até devolvia a bola quando caía perto dele. Falava pouco ou quase nada.

Uma vez, com alguns amigos, tentei chegar perto da cabana de Eliziário. Ele estava na porta, olhando mais uma vez para o mar do Unhão, que ia bater em Mar Grande, mas quando viu que a gente se aproximava, entrou rapidamente na choupana, tão rápido como o bicho do búzio. Ele não jogava pedra em ninguém. Pelo contrário: alguns meninos abusados é que jogavam pedra nele. Se o aborrecessem muito, caía n’água e nadava pra bem longe, até que o esquecessem. Saía da água com a velha calça comprida amarrada de cordão. Esfalfado, comia uma pinaúna crua ou um peixinho garrião que pegava de mão no canto da loca.

Às vezes, a gente estava nadando ou boiando e de repente irrompia aquela cabeça de velho com cara de menino. Eliziário mergulhava muito e aparecia onde ninguém esperava. Não sei se ele morreu ou deu um mergulho mais profundo. Ou até, quem sabe, continua a sorrir pras estrelas, com seu jeito de quem nunca ligou pra esse mundo.

(Crônica publicada no jornal A Tarde em 24/3/1993)

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