:: 28/jan/2025 . 22:45
AS “VIÚVAS DAS SECAS”
Quando estava na ativa e com todo gás de repórter, fiz muitas coberturas jornalísticas sobre as secas mais inclementes e prolongadas por esse sertão da Bahia. Como se diz no popular, comi muita poeira no sol escaldante, principalmente aqui na região sudoeste com meu parceiro fotógrafo Zé Silva.
Nas entrevistas, ouvi muitos lamentos, choros e lágrimas, casos de fome, gente sendo escravizada nas carvoarias, pessoas perdidas nas cidades pedindo esmolas, filhos desgarrados, meninas que se prostituíam cedo pelo dinheiro e até eram vendidas pelos pais. Por aqueles lados de Iuiu escutei uma história de um homem que negociou a mulher na feira por uns sacos de farinha.
Mesmo diante das adversidades, o sertanejo nordestino é forte e nunca perde a fé e a esperança de dias melhores, sempre mirando os céus na espera das chuvas para lançar as sementes na terra molhada, mas ele sabe que lá na frente vai enfrentar outra batalha.
No entanto, um fato, dentre tantos outros, me chamou a atenção que foi descobrir o sofrimento diário das chamadas “viúvas das secas”, aquelas mulheres cujos maridos partiam no pau-de-arara para São Paulo e elas ficavam sozinhas em casa com uma renga de filhos pequenos para cuidar e alimentar.
Naquela época não existia o Bolsa Família, poucas doações e elas tinham que se virar para não deixar as crianças morrerem de fome. Uma vez cheguei num lugar onde elas estavam arrancando raízes de umbuzeiros para cozinhar. Não temos nada em casa para comer hoje, seu doutor, e isso dá sustança – disse uma delas.
Para essas pessoas vítimas das grandes estiagens, achamos por bem denominá-las de “viúvas das secas”. Os maridos partiam e demoravam de dar notícias e enviar algum dinheirinho pelos Correios. Tudo era na base das cartas ou através das cabines de telefones públicos, coisas raras nos municípios. Em suas faces abatidas e corpos alquebrados pelo tempo corriam suas lágrimas de ver um filho no canto de barriga vazia pedir uma bolacha.
– É seu moço, o senhor mesmo está vendo a situação de penúria e ninguém nos acode, só Deus para nos ajudar. Há dias que não temos nada em casa, só uns punhados de farinha para fazer um pirão d´água – clamava dona Josefa com cinco filhos esqueléticos para criar. Há meses o marido foi para São Paulo porque não encontrava mais serviço por essas bandas. Tem tempo que não dá notícias.
O pior de tudo é que existiam aqueles cabras safados que iam para São Paulo e lá se enrabichavam com outra mulher, deixando a família abandonada a ver navios, se acabando na extrema pobreza do sertão, caso de dona Maria das Dores, que ainda acreditava em sua volta. Outros morriam por lá mesmo nas esquinas brabas da vida.
– Aquele desgraçado tem mais de um ano que saiu daqui prometendo trabalhar, juntar um dinheiro e depois retornar. Nunca mais nos deu uma notícia e até soube por parentes que arranjou uma amante por lá. Aquele traste dos diabos já não prestava mesmo – desabafou em tom de raiva dona Vicência, ao lado da sua comadre que também foi alvo do mesmo destino. Uma sempre ajudava a outra nos momentos difíceis de privações.
E dona Joana que foi obrigada a entregar uma menina nova por uns trocados para um caminhoneiro num posto de gasolina! Aliás, os postos eram os pontos onde mais se encontravam crianças pedindo esmolas e candangos com filhos remelentos nos braços, chorando de fome.
Pois é, escutei por anos muitas histórias de cortar o coração por este meu Nordeste árido do chão ressecado e rachado, onde só se via plantações queimadas pelas secas, fome e sede, gado berrando nas cacimbas, carcaças de animais mortos, latas d´água nas cabeças e carros-pipas cortando estradas poeirentas. Sempre vinha à minha mente a obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. Em muitos ranchos, uma “baleia” encolhida no terreiro que nem levantava para latir.
Nos últimos anos até que as coisas melhoram mais a partir de alguns programas de assistência social dos governos, mas permanece o cenário da chamada indústria da seca, com o emprego de carros-pipas e outros esquemas escusos para ganhar votos em tempos de eleições.
Ainda existem as “viúvas das secas” e aquelas que são largadas pelos seus maridos que caem no mundo e nunca mais voltam. No sertão é assim, quando chove bem tudo fica colorido e da terra brota a fartura, mas quando vem a estiagem e a paisagem fica cinzenta, o sertanejo pena para sobreviver.
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