(Chico Ribeiro Neto)

Ali passava um rio. Lembro como hoje. Carregado de aventuras, trazendo na enchente bois aflitos, melancias e árvores; e pedaços de barrancos se desmanchando igual sorvete.

Ali passa um rio. Leva lenços e saudades, amor e amizades, a lembrança dos que foram.

A garrafa com farinha no fundo do Rio de Contas, em Ipiaú (BA), para pegar piabas. Meu irmão Cleomar engoliu duas, vivas inteirinhas, para aprender a nadar.

Há alguns anos, no Rio do Antônio, em Caculé (BA), o dono de uma carroça, com água no tornozelo, retirava areia do leito do rio com uma pá. Apontei a máquina fotográfica e ele ainda fez pose.

Ali passa um rio pela memória, com lavadeiras, sorrindo e xingando,  batendo o lençol na pedra para alvejar. Tudo acontecia ali, na beira do rio.

Hoje, as pessoas andam pelo leito seco e lembram: “Foi ali, perto daquela pedra, que eu quase me afoguei um dia”.

Onde só vejo garranchos e pedras ali passava um rio. Hoje, um triste córrego. No fundo de cada roça uma bomba de puxar água suga o que resta. E depois se queixam da seca e o prefeito pede decretação do estado de emergência.

De noite, namorar na beira do rio ou no fundo da igreja. O fundo era o preferido, pois lá Deus enxergava menos.

Ali passava um rio (acho que foi em Alagoinhas), onde o pessoal amarrou a garrafa de cachaça numa raiz que entrava no rio. E misturava com caju. A pinga estava sempre gelada.

Ali passava um rio. Só ver a água descendo já acalmava.

Ali passava um rio. Foi ali que morei. Ali passou uma vida.

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