O estelionatário, o 171, trapaceiro e vigarista que usa da sua lábia para enganar as pessoas é um criminoso contumaz. Existem aqueles que praticam falsidades ideológicas se passando e exercendo as funções de um profissional que não é, fatos que acontecem, por exemplo, nas áreas da medicina, odontologia e advocacia. O ato em si é um crime com penalidades previstas em lei.

Tem pessoas, no entanto, que agem sem nenhuma maldade, muitas vezes por querer ser o que não é, por puro desejo e admiração. São pessoas geralmente que não tiveram condições e oportunidades de realizar seu sonho, caso do nosso contínuo Damião da redação do jornal “A Tarde”, que terminou virando um folclore. Uns quando bebem ficam ricos e contam mil e umas vantagens mentirosas. São bons de imaginação. Tem gente esnobe que diz ser culta e intelectual.

De estatura baixa, de pouco estudo, Damião era uma figura simples e cômica por suas trapalhadas, trocando as bolas quando se dava uma tarefa para ele fazer. Mesmo assim, era o xodó da redação e dávamos muitas risadas com suas “artes”, mas não fazia e nem desejava mal a ninguém.

– Alô, é da redação do “A Tarde”? Aqui quem fala é o presidente da associação de ambientalistas e quero fazer uma denúncia grave de agressão ao meio-ambiente numa área de preservação.

– Pois não, sou o jornalista doutor Damião, diretor redacional, pode falar. Ele incorporava com segurança o profissional e fazia tão bem o papel ao ponto de não haver desconfiança de quem estava do outro lado.

O cara relatava a ocorrência e marcava com ele uma entrevista presencial (naquele tempo não existia internet). Agradecia a atenção e desligava o fone. O correto era que o contínuo passasse a ligação para o jornalista de plantão, o editor ou o chefe de reportagem.

– Bom dia, ou boa tarde, gostaria de falar pessoalmente com o doutor jornalista Damião sobre uma denúncia que pretendo fazer – se apresentava bem sério o cidadão ao entrar na redação do jornal.

Todo mundo caia na gargalhada, e o mais gaiato gritava lá dos fundos: Dr. Damião é aquele ali, o nosso jornalista das denúncias.

Com as matérias datilografadas nas mãos que ia levar à linotipia para serem impressas, ele saia correndo em disparada e sumia por um determinado tempo, totalmente envergonhado.

– Não, o senhor deve ter se confundido, Damião é o nosso boy e ajudante no processo de elaboração do nosso trabalho jornalístico. Eu sou o jornalista e vou lhe atender – explicava o repórter.

O moço ficava pasmo pela firmeza como foi atendido no telefone e demorava se convencer da realidade. Depois achava até graça de ter sido tão bem enganado e ter acreditado em sua postura.

Todo descabreado, após um certo tempo, Damião retornava e levava aquele “sabão” do chefe que o repreendia para ele não fazer mais aquilo. Muitos passaram a chamá-lo de jornalista. “Jornalista, leva esse material para o diagramador”.

Que nada! Demorava um pouco e olha ele lá outra vez aprontando a presepada e se passando por jornalista. Às vezes ele fazia de conta anotar as informações dos denunciantes e prometia publicar a matéria no outro dia.

Dias depois aparecia o denunciante cobrando a divulgação. Aí começava tudo de novo. Tinha colega que levava o caso para Dr, Jorge Calmon, o diretor-redator, e ele até achava engraçado, mas não demitia Damião porque ele era assim mesmo, um sonhador. Era até divertido e quebrava o clima pesado da redação.

Certa vez aconteceu uma com dona Regina Simões, a maior acionista familiar da empresa, envolvendo Damião, que claro, ela não o conhecia como o contínuo folclore e personagem memorável.

Ela estava em seu gabinete e procurou o periódico do dia em sua mesa para ver alguma coisa a respeito do mercado da Bolsa de Valores. Coisa do seu interesse capital.

Dona Regina, então, saiu no corredor e a primeira pessoa com quem topou foi com Damião com um jornal debaixo do braço. Os dois não se conheciam.

– Meu filho, me empresa aí este jornal para eu ver uma matéria, para tirar umas dúvidas, depois lhe devolvo.

– O jornal é meu e não dou a ninguém – respondeu Damião, de maneira ríspida, dando às costas à dona do jornal e foi embora descendo as escadas.

– Que rapaz desaforado – pensou consigo mesma dona Regina e foi prontamente dar queixa a Dr, Jorge Calmon. Com sua elegância aristocrata de um inglês, ele deu aquela risada marota e explicou quem era Damião. Pediu para ela esquecer aquele episódio de indelicadeza do empregado.

Em 1991 vim para Vitória da Conquista chefiar a Sucursal e nunca mais encontrei com Damião, com quem tinha bom relacionamento, falando sua própria língua.

Certa feita entrei num avião de Lisboa para Salvador e olha quem estava lá! O próprio Damião de carne e osso. Estava vindo de uma excursão religiosa de Jerusalém, em Israel. Foi divertido relembrar aquelas presepadas do nosso contínuo já aposentado.

Esse negócio de querer ser o que não é e se passar por outros não para por aí em nosso mundo de tantas histórias. Conheci o jornalista provisionado Luiz Luzi, um negro alto de cabelo crespo, de etnia angolana ou guineense, se não me engano.

Um grupo de jornalistas estava no aeroporto de Salvador esperando um embaixador africano para entrevistá-lo. Quando a aeronave aterrissou, quem primeiro desceu a escadaria foi Luiz Luzi.

Pela aparência quase idêntica e sua pose de terno e paletó, os repórteres se confundiram e foram logo abordar o falso embaixador. Luiz Luzi não contou conversa e deu uma entrevista na cara de pau. Foi aquela confusão quando apareceu o verdadeiro embaixador.

Sei de um caso de um colega, que não vou citar o nome dele, que deu autógrafos num restaurante cheio de gente, se passando pelo poeta, compositor e cantor Alceu Valença, lá do nosso Recife. Coisa de louco, meu amigo! Se quiser eu conto mais.