Uma está sempre superando a outra, numa cadeia de banalização que nos deixa envergonhados de sermos brasileiros. Estou falando das barbaridades praticadas pelos seres humanos que se acham civilizados porque têm um celular na mão para manipular cegamente as mentiras nas redes sociais, de uma internet que tornou o planeta mais imbecil.

Não existem palavras mais duras e ásperas para descrever o quadro de uns brutamontes com um porrete na mão socando um congolês até à morte numa praia do Rio de Janeiro. As imagens correram mundo para nos cravar a pecha de selvagens que se acentuou nos últimos três anos com um capitão-presidente que destila ódio, xenofobia, homofobia, racismo e diz que quanto mais armas nas mãos, mais segurança.

Não tenho nenhuma vergonha de afirmar que, diante de tanta barbárie, tenho hoje vergonha de ser brasileiro. Esse, na verdade, não é o meu pais do homem cordial descrito pelo pensador Buarque de Holanda, em “Raízes”. Cordial vem do latim cord, coração, que está sujeito a emoções sentimentais boas e ruins, mas atingimos o ponto crítico da barbárie.

Essa barbárie brasileira não está somente no bastão daqueles indivíduos que despejaram toda sua raiva numa pessoa indefesa caída no chão. É como se eles estivessem descarregando todos problemas sociais e injustiças de um país num único ser que também é vítima dessas mazelas. Aquela cena macabra representa uma carga de rancor e frustração armazenados no íntimo de cada um.

Os algozes são também dignos de pena e vítimas de um sistema bruto que há séculos impera neste país. Não estou aqui fazendo o papel de advogado de defesa de uma barbaridade, mas apenas retratando a nossa realidade. A própria indiferença já é uma barbaridade.

A indiferença dessa sociedade selvagem que diz que “bandido bom é bandido morto”, que ignora a morte de Marielle Franco, do homem negro que foi alvejado pelo sargento por aparentar ser um bandido, de tantos travestis e homossexuais espancados e mortos, é também uma barbaridade.

A indiferença quanto as falas preconceituosas e genocidas negacionistas que negligenciam a pandemia da Covid e ainda atrasa o processo de vacinação, é também uma barbaridade e prova de que não somos nada civilizados.

São bárbaros os que acham que deixar de vacinar é um ato de liberdade individual, uma simples questão de opção. São bárbaros também aqueles que negam a ciência e disseminam fake news. A falta de indignação contra a barbárie é em si uma barbaridade. Estamos ainda muito longe de alcançarmos a tão propalada civilidade. Não é a tecnologia que nos dá isso.