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:: 14/ago/2021 . 1:57

A OLIMPÍADA DA PANDEMIA

Carlos González – jornalista 

Criados em 1894 pelo francês René de Fredy, o Barão de Coubertin (1863-1937), os Jogos Olímpicos nesses 127 anos foram desestabilizados e manchados por acontecimentos com perfis bélico, terrorista, ideológico e por corrupção. Pela primeira vez o maior evento esportivo do planeta foi ameaçado por um vírus letal, que já havia provocado o adiamento por um ano da XXXII Olimpíada da Era Moderna, realizada entre os dias 23 de julho e 8 de agosto, na populosa cidade de Tóquio, no Japão.

Contrariando a opinião da maioria dos moradores da capital japonesa, as autoridades locais e o Comitê Organizador, pressionados pelas empresas patrocinadoras, realizaram os Jogos, mesmo sem a presença de público, numa decisão similar recente adotada por alguns brasileiros indiferentes à vida humana, capitaneados pelo presidente Bolsonaro, quando da promoção da Copa América. Sob estado de emergência – somente no dia 31 ocorreram 4.058 novos contaminados pela Covid-19 – o Japão recebeu 12.500 atletas de 206 países.

A partir do próximo dia 24 a população de Tóquio vai ser submetida a um novo período de tensão, com a abertura dos Jogos Paralímpicos, que se estenderão  até 5 de setembro, com possibilidade de aumento de infectados  – na última Olimpíada foram 246 casos, incluindo 26 atletas, nenhum brasileiro. O  motivo para preocupação é muito simples: o competidor (deficiente físico ou mental) não tem a mesma estrutura músculo-esquelética e metabólica do atleta profissional.

Esta semana encerrou a quarentena de 14 dias, submetida as 52 membros, sendo 27 atletas, da representação brasileira à Paralimpíada, cuja viagem foi antecipada ao Japão para adaptação ao fuso horário e aos locais das provas. As autoridades sanitárias japonesas determinaram o isolamento depois de detectar dois casos de Covid-19.

Potência olímpica

O 12º lugar (sete medalhas de ouro, seis de prata e oito de bronze) atingido pelo Brasil nos Jogos de Tóquio foi a nossa melhor campanha desde 1920 quando fomos representados por 22 atletas nos Jogos de Antuérpia, na Bélgica, mas ainda estamos distantes do que qualificamos de potência olímpica.  Com 10.950 km de litoral e a maior reserva de água doce (rios e lagoas) do planeta, o Brasil contou apenas com um representante no remo; o basquete (masculino e feminino) não foi a Tóquio. Como justificar o fracasso das duplas de vôlei de um país com mais de 7 mil quilômetros de praias?

A Rede Globo, dona dos direitos exclusivos de transmissão da Olimpíada, tentou mostrar o contrário. Seus narradores e comentaristas, como torcedores arrebatados (o G1 publicou várias fotos de Galvão Bueno fazendo “caras e bocas”)  bem que se esforçaram durante as madrugadas, instalados numa cabine em São Paulo.

O fuso horário foi um dos fatores determinantes do pouco interesse dos brasileiros pelos Jogos. Também não se pode ignorar que o povo vive apreensivo com as atitudes absurdas que chegam de Brasília, idealizadas por um psicopata.

Até o torneio de futebol, nosso esporte mais popular, passou despercebido. O título ganho com ajuda da arbitragem ficou em segundo plano diante da atitude dos jogadores, violando um acordo feito com o COI, relacionado à empresa patrocinadora da delegação brasileira. No pódio, Daniel Alves e seus companheiros exibiram a marca usada pela CBF. A transgressão disciplinar vai parar na Justiça.

Mesmo sendo considerado como emergente no concerto das nações com maior potencial olímpico, o Brasil ainda está muito distante dos Estados Unidos, China, Japão, Rússia, Canadá. Fora das escolas (Fernando Scheffer admitiu que a medalha de bronze ganha em Tóquio foi resultado de preparação numa universidade norte-americana), e dos  clubes sócio-esportivos, o esporte nacional carece da implementação de políticas públicas, tanto do governo federal quanto de estados e municípios; do investimento de empresas privadas, sem priorizar, por exemplo o futebol e o basquete, que têm maior visibilidade na televisão, ou optar por um atleta de ponta.

Dois programas bancados pela União ajudam no treinamento de centenas de atletas que estão nas melhores posições nos rankings de modalidades esportivas, de acordo com as respectivas confederações. O Bolso Atleta, administrado pela Secretaria Especial de Esportes, destina uma verba mensal de 370 a 3.100 reais a jovens candidatos a vagas em Olimpíadas e Mundiais.

O programa do Ministério da Defesa, o PAAR, com recursos de 38 milhões de reais anuais,  incorpora nas Forças Armadas, nos postos de recruta a 3º sargento, com soldo máximo de 4.000 reais, atletas de alto rendimento, com uma única obrigação: o aprimoramento nos locais de treinamento  militar. O Time Brasil em Tóquio contou com 91 militares, entre os quais os medalhista Kahena Kunze (vela), Ana Marcela e Fernando Scheffer (natação), Hebert Conceição e Beatriz Ferrreira (boxe), Alison dos Santos e Abner Teixeira (atletismo) e Daniel Cargnin.

O COB premiou os medalhistas individuais com 250, 150 e 100 mil reais. Nos esportes coletivos, o futebol recebeu 750 mil e o vôlei feminino 300 mil reais.

A conclusão a que chegamos é que o Brasil esportivo trabalha a médio prazo, sem lançar a vista para o futuro, na esperança de quer suja um atleta-exceção, como a skatista paraense Raissa Leal

O Nordeste, particularmente a Bahia, comemora, com todos os méritos, as medalhas conquistadas por seus filhos em Tóquio.  São chamados de “atletas exceção”, como os alunos do mestre Luís Dórea, que há mais de 40 anos forma campeões em sua academia no bairro periférico da Cidade Nova, em Salvador. De lá saíram Popó e Robson Conceição, e agora Hebert Conceição, medalha de ouro em Tóquio.   No mesmo bairro, Raimundo Ferreira ensinava a arte do boxe a um grupo de garotos, sendo observado por sua filha Bia, que, com o passar do tempo tornou-se aluna do seu pai, e hoje, no seu currículo são mais de 100 lutas, muitas delas fora do país. A medalha de prata na Olimpíada a tornou conhecida dos seus conterrâneos.

 

 

 

 

“INTELECTUAIS DAS ÁFRICAS” (Final)

Este livro conta com a participação do professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) Itamar Aguiar.

“África tem uma História”. Esta frase está no volume I de “História Geral da África”, de Joseph Ki-Zerbo. Era fins da década de 1970.

Silvio de Almeida Carvalho Filho e Washington Santos Nascimento, organizadores da obra, nos oferecem um apanhado geral sobre as ideias dos grandes intelectuais da África que interpretaram os conceitos do Pan-Africanismo e da Negritude do continente pré-colonial e pós-colônia.

Frantz Fanon foi um dos primeiros pensadores desse povo que por séculos viveu sob o jugo dos dominadores – assinalam.

Para elaborar o livro “Intelectuais da África”, por intermédio dos autores convidados, Silvio e Washington adotaram o significado de intelectual como indivíduo que reflete, teoriza, projeta e produz sobre as sociedades, imaginando novas formações sociais, políticas e econômicas.

Os intelectuais foram hábeis na arte de representar, seja na escrita, no cinema ou na música, como Fela Kuti, Sembène, Soyinka, Fatema e outros – escreveram.

O termo intelectuais, de acordo com os expositores do assunto, tem sua origem em fins do século XIX, na França, por conta do caso Dreyfuss, condenado injustamente por traição à pátria.

Como dizem os autores do capitulo da obra, os estudos sobre os intelectuais entraram em descrédito após a década de 1920. No entanto, o papel deles na França foi fortalecido durante a guerra da Argélia (1954-1961). Eles interferiram na história, em especial Jean Paul Sartre.

Textos de Anta Diop, Senghor e Fanon eram divulgados no bojo do Pan-Africanismo ou da Negritude, como forma de resistência à argumentação de que a África não tinha história, e seu pensamento era atrasado e selvagem – acusam os acadêmicos.

Silvio e Washington afirmaram que o surgimento dos intelectuais está ligado a três origens, como o universo (ancestral), o isolamento e a escolarização europeia. Esses processos se misturaram e se divergem em algumas regiões – afirmaram.

Formados no período do colonialismo europeu, um traço comum entre eles foi o engajamento frente a todos os problemas nacionalistas, nas lutas pela a emancipação e nos direitos das mulheres, contribuindo para a transição de descolonização do conhecimento.

Nos textos do livro, existem fortes influências de matrizes pré-coloniais. Esses pensadores, conforme apontam, foram tragados pelo Pan-Africanismo e a Negritude. Como estrangeiro, Fanon escreveu sobre os efeitos do colonialismo na África e participou da luta pela independência da Argélia. Essa intelectualidade viveu o processo do fim da colonização, da descolonização e da emergência dos novos Estados.

O Pan e a Negritude foram dois importantes movimentos de resistência político-ideológico. O primeiro foi na questão da ancestralidade que levaria a um sentimento racional gerador da solidariedade entre os povos.

A Negritude tratou da questão específica do orgulho de ser negro e adoção da sua cultura. Esse movimento surgiu em fins da década de 30 no poema lírico “Diário de um Retorno ao País Natal, do antilhano da Martinina Aimé Césare. Senghor desenvolveu essas ideias em diferentes obras, servindo de base para outros intelectuais.

O orgulho da África, a luta, não contra o sistema, mas seus abusos, foram marcas do Pan, segundo Silvio e Washington. Somente depois do Congresso Pan-Africano (1945) e da invasão da Etiópia por Mussoline, em 1935, a luta pela independência entra na agenda dos intelectuais – relatam.

Tudo isso contribuiu para a obra cinematográfica do senegalês Sembène. A partir daí, formou-se uma rede de solidariedade contra o colonialismo. Dentro dessa ideia de coparticipação, o pan-africanista Amílcar Cabral, líder da independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau, na década de 60, postulava que a libertação na África não poderia caminhar apenas na linha da independência de cada colônia, mas de toda África.

Esse Pan-Africanismo passou a estimular a unificação de toda a África em um único Estado, mas esbarrou nas divergências e nos sentimentos de soberania de cada território. Nkrunah, líder de Gana (1957 -1966) foi um dos difusores da ideia. O Pan também foi prejudicado pela xenofobia entre os estrangeiros africanos, pelas distâncias geográficas, pela a esquerda e direita, pelas prioridades econômicas e interesses de cada governo.

“Os dirigentes africanos se dividiram em dois grupos, os que queriam uma união política forte e os que desejavam uma confederação com soberania. A ideia caminhou para uma união entre os estados independentes, visando combater o imperialismo. Dessa forma, surgiu em 1963, a Organização da União Africana (OUA).”

Sobre este ângulo, a escritora nigeriana Adichie faz um de seus personagens lembrar de que o negro é uma criação branca, impregnada de autoritarismo e corrupção. Com as bandeiras do combate ao racismo e da negritude, o Pan obteve a simpatia de vários intelectuais africanos. Os dois se caracterizaram por sua face racial, de provar a não inferioridade da raça negra.

Adichie em seu livro Meio Sol Amarelo (2006) fez uma personagem sustentar que os negros foram e são emparelhados pela mesma opressão branca. Porém, a crítica à branquitude teve suas reservas nas falas de Pepetela, Soyinka e Mia Couto. O próprio Soyinka propôs uma valorização das culturas do continente, sem a negação de qualquer porte. Pepetela e Mia também não defenderam uma idealização da raça negra, se colocando abertos às misturas das culturas, não acreditando numa raiz pura e intocada.

Um Rio Chamado Tempo e Uma Casa Chamada Terra, Mia narra numa conversa entre família onde um membro se espanta que nela haja tantos mulatos. “Nesse mundo, todos somos mulatos”. “Ao longo dos séculos, as culturas africanas sempre se aproveitaram de traços culturais entre si e de outras fora do continente.”

Na década de 60, o músico Fela-Kuti propôs uma arte voltada para a solidariedade negra. Tanto Amílcar Cabral, Sembène e Adichie rejeitaram a ideia homogeneizante de uma única identidade africana, Admitiram a existência de uma pluralidade cultural. Adichie fez um personagem sua declarar que o negro era em grande parte uma criação branca.

Para Mbembe, o importante não é a volta ao passado, mas a autocriação e a auto explicação realizadas pelos africanos em cada lugar da sua história através de seus instrumentos, como a religião, a música, a literatura e das artes em geral.

“Em linhas gerais, os intelectuais africanos procuraram exercer influencias sobre a opinião pública em relação a fatos, como o colonialismo, a descolonização ou os Estados e as questões sociais emergentes no pós-independência, interpretando as realidades do continente”.

Os autores desse capítulo citam a nigeriana Adichie que questiona a subalternização das mulheres africanas, testemunhas das injustiças que, diante das quais, as mulheres se calavam. Ressaltam também a luta de Soyinka contra as ditaduras nigerianas, sendo preso durante a guerra da Biafra (1967-1970).

“Alguns desses intelectuais participaram de governos, como Senghor que foi presidente do Senegal (1960-1980) e Pepetela vice-ministro da Educação angolana (1976-1982). “Tiveram de lidar frequentemente no mundo ocidental com um desconhecimento ou uma visão estereotipada dos problemas africanos. Levantaram questões embaraçosas para o colonialismo ou para os regimes autoritários ou sociedades conservadoras em África. Lutaram contra diversas formas de poder, suas estruturas estatais autoritárias no período colonial e nos pós-independência”.

“Uns engendraram no campo político e outros, como Pepetela, na literatura após deixar a cena político-partidária. Enfim, lutaram pela promoção da liberdade dos africanos e pelo conhecimento crítico das realidades vivenciadas pela África. Muitos acreditaram que a independência era o início do processo de emancipação, chegando alguns, a pensarem realidades novas, às vezes, utópicas, enquanto outros acharam que era a sua conclusão”.

“Em geral, permaneceram críticos do poder, marginais ou exilados, não sendo cooptados por governos e empresas. Poucos renegaram essa vocação. Muitos, ao assumirem governos, abandonaram a posição extremamente crítica mais fácil aos intelectuais de oposição, tendo de justificar regimes ao lado dos quais passaram a assumir a liderança ou a defesa, traindo, consequentemente, companheiros”.

“Muitos, após a independência, com o assumir de regimes autoritários e corruptos, passaram a denunciar que todas as dificuldades atuais da África, tais como ditaduras, guerras, genocídios, machismo, fanatismo e poluição não podiam ser só atribuídas à colonização. Entre estes, “podemos apontar Soyinka, Pepetela e Fatema Mernissi”.

 

 





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