As suas produções intelectuais foram voltadas para a salvação do seu país, o Zaire, hoje a República Democrática do Congo. Em suas teses filosóficas sempre defendeu que a cultura nacional autêntica era uma mistificação. Quanto ao continente africano, “não existe uma cultura unificada”.

Como monge de formação beneditina, Valentin Mudimbe estudou e lecionou em várias universidades como doutor nos Estados Unidos e na França. Em 1968 formou-se em Sociologia na Universidade de Paris-Nanterre. Na interpretação da acadêmica Regiane Augusto de Mattos, ele é comentado como um dos expoentes africanos no livro “Intelectuais das Áfricas”.

Nos anos 60, de acordo com Regiane, foram para Mudimbe e outros universitários africanos um período de despertar político, no qual o marxismo, e depois o socialismo africano, tornaram-se inspiração, não somente politicamente para os movimentos de independência da África, como para compreender academicamente as sociedades africanas.

Em seu livro “A Invenção de África: gnose, filosofia e a ordem do conhecimento”, publicado em 1988, Mudimbe apresenta a ideia de África como uma invenção epistemológica na área das ciências sociais, defendendo que o conhecimento seria um conhecimento estritamente controlado por procedimentos específicos elaborados por europeus, que ele denomina gnose.

De acordo com Regiane, o intelectual em que ela se refere, não apenas criticou a antropologia clássica e a etnologia europeias, como rejeitou o movimento político cultural Negritude (Aimé Césaire, poeta da Matinica, foi o primeiro a usar esse termo) promovido por intelectuais negros, afirmando que também era uma concepção influenciada por uma episteme ocidental da África, mas representada por africanos e seus descendentes.

Para a intérprete de seus pensamentos, desde o final do século XIX, intelectuais africanos empenharam-se em transformar a visão que imperava na África de um continente formado por sociedades sem história. Após a segunda Guerra Mundial, esses intelectuais escreveram trabalhos em torno da problemática colonial, tendo um papel importante nas lutas de libertação do continente. Nesse âmbito, ganhou destaque, como ramo específico do pan-africanismo, o movimento da Negritude.

O principal teórico do movimento foi Léopold Senghor, mais tarde presidente do Senegal, permanecendo no poder entre 1960 a 1980. O meio de debate e divulgação do movimento das ideias era a revista Présence Africaine, criada em 1947.

No pensamento de Mudimbe, os africanos deveriam criar suas próprias perspectivas através da ruptura, rejeitando as teorias do desenvolvimento contínuo de uma cultura africana, fechada e única. Ele propôs que os intelectuais africanos inventassem suas próprias concepções do conceito de africano.

Para ele, os ocidentais se entendem como vetores de um modelo cultural pretensamente universal. Entretanto, essa universalidade não é construída através de uma experiência real da pluralidade, pois viveram a alteridade de modo marginal ou deformado, partindo da sua própria identidade.

Mudimbe defende a importância da singularidade das experiências históricas. Os africanos teriam a capacidade de gerar suas próprias normas de inteligibilidade e de interpretação, sem a necessidade da utilização de categorias criadas por outras experiências.  Classificou a lógica binária local/global ou singular/universal como uma divisão que não é totalmente absoluta.

Em seus estudos, disse que todos têm o direito de usar o conhecimento sobre o continente para construir uma identidade que pode ser compartilhada. Se para ele, sua própria experiência foi bem-sucedida, a crítica à colonização recai sobre o processo colonial falhar na conciliação entre as tradições africanas e europeias. Assim, a África e os africanos poderiam também ter êxito, se soubessem conciliar o passado colonial às suas próprias experiências históricas.