AS TIRADAS TIRANAS DA DITADURA
A história das revoluções, levantes, rebeliões e golpes está repleta de citações e tiradas de líderes, chefes, comandantes e tiranos que se tornaram imortais. O golpe civil-militar de 1964 no Brasil que se transformou numa ditadura por mais de 20 anos também teve seus protagonistas que deixaram suas marcas, algumas irônicas e outras divertidas e tristes.
O presidente João Goulart era visto nos círculos militares como um cão leproso. Brizola era o mais afoito e pressionava o cunhado para decretar reforma já. Sob as influências das ideias socialistas, as lideranças de esquerda sacudiram os campos e as cidades. As elites burguesas revidavam. O presidente não sabia se atendia a direita ou acomodava a esquerda em seu ninho.
Semanas antes do Comício da Central do Brasil (13 de março), em meio às agitadas reformas sociais, centenas de mulheres rezadeiras com seus terços em mãos impediram Leonel Brizola de realizar um comício em Belo Horizonte. Encurralado, Brizola escapou do tumulto e, para fugir de vez da ira das senhoras, sequestrou um carro apontando um revólver para o motorista.
No seu jornal “O Panfleto”, Leonel Brizola, eleito deputado federal pela Guanabara, com 270 mil votos, escrevia que não eram rosários que iam combater as reformas anunciadas no dia 13 de março.
No Comício da Central, quando Jango anunciou as reformas pediu ao seu assessor de cerimônia Hércules Corrêa que limitasse o tempo da fala do presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), José Serra.
– Vou te anunciar, você dá boa noite, recebe as palmas e encerra, Serra. Não foi isso o que aconteceu. No discurso Serra chamou o general Amauri Kruel de traidor incestuoso.
O cabo José Anselmo dos Santos, “cabo Anselmo”, discursou para dois mil marinheiros no dia 25 de março, no Sindicato dos Metalúrgicos (Rio de Janeiro). Os manifestantes declararam insurreição. O ministro da Marinha, Silvio Mota pediu para sair. Depois do golpe, o cabo passou dois anos em Cuba. Voltou e foi preso, torturado e cooptado pelo delegado Sérgio Fleury que o apelidou de “Kimble”, do filme “O Fugitivo”. Tempos depois dedurou 73 líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), em Recife, inclusive sua mulher Soledad.
No dia 28 de março, o ex-governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, o general Carlos Luis Guedes, o marechal Odílio Denys já tramavam os detalhes do Golpe.
– Medo, o diabo não tem. Se ele fosse medroso, não chegaria ao que chegamos – comentou o general Olímpio Mourão. Dois dias depois queria prender Magalhães que num manifesto não pedia a saída de João Goulart. O general Guedes ignorou a ordem.
Na véspera do golpe, Tancredo Neves aconselhou Jango a não ir à reunião do Automóvel Clube. Os generais tramavam impedir o evento. Já o general Ernesto Geisel disse: Deixem que se faça a reunião. Agora quanto pior melhor para a nossa causa. Ele, Golbery do Couto e Silva e Castello Branco fizeram a “revolução” por telefone.
Darcy Ribeiro, o chefe da Casa Civil, o homem que tinha mania de ser imperador do Brasil, abriu, no dia 31 de março, duas caixas cheias de metralhadoras e convocou um grupo de deputados para acabar com a raça dos Udenistas.
– Doutor Jango, o senhor vai me desculpar, mas se o povo não for para as ruas, não tem governo – declarou o presidente da CGT (Central Geral dos Trabalhadores) e da CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria) Clodesmidt Riani.
– Estou negociando com o general Kruel. – Nós vamos é para a greve – respondeu o sindicalista. O povo e a Igreja aplaudiram os golpistas.
O general Humberto Alencar Castello Branco, o cearense que sempre rejeitou tomar parte nos golpes (tentou voltar aos quartéis a tropa de Mourão Filho), gostava de poesia e como irônico não era bem visto pelos seus pares. “Fuja dos generais intuitivos e emocionais. A hecatombe nunca anda longe deles”.
Foi, no entanto, o primeiro a criar um aparelho clandestino e obedecia a um tal Coronel “Y”. Mesmo assim, não possuía a senha do movimento como “o bebê nasceu” ou “o trem partiu da estação”. Tinha 63 anos, mas eram 66, pois o pai dele roubou três para garantir gratuidade no Colégio Militar.
Castello recomendou que Carlos Lacerda, o corvo derrubador de governos, que apoiou o movimento militar, deixasse o Palácio Guanabara.
– Os civis também sabem morrer – retrucou. Para o almirante esquerdista Cândido Aragão, mandou um recado: “Covarde incestuoso, deixe seus soldados e venha decidir comigo esta parada, de homem para homem. Quero matá-lo com meu revólver”. Três anos depois estava com Goulart, em Montevidéu, no Uruguai, para armar a Frente Ampla, que nunca aconteceu.
Se rompesse com a ala mais radical, ainda dava para salvar o governo – conversa do general Peri Bevilacqua, chefe do Estado Maior das Forças Armadas com o presidente João Goulart em 31 de março de 1964.
No meio da prosa interrompeu o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, com um bilhete: o general Olímpio Mourão Filho revoltou a 4ª Região Militar de Minas Gerais (Juiz de Fora) e quer sua renúncia. Do outro lado, os generais Castello Branco, “o Sorbonne”, e Costa e Silva, “o Grupier”, que nunca se bicaram, conspiravam.
Pelo telefone, Juscelino Kubitschek pediu a Jango que interrompesse a marcha da insensatez. Já no Palácio das Laranjeiras, o mesmo JK o aconselhou que fizesse duas manifestações públicas: uma dirigida à Nação e outra às Forças Armadas. “Se eu fizer isso dou uma demonstração de medo, e um homem com medo não pode governar”.
– No Brasil, presidente, elege-se pelo povo, mas governa-se com os olhos voltados para as classes armadas – respondeu Juscelino sentado em sua cama.
Como última tentativa, o presidente falou por telefone para o seu compadre general Amauri Kruel, do II Exército: “por que o general não vem ao Rio conferenciar comigo e com os demais comandantes? Creio que arranjaremos as coisas”. O general preferiu passar para a história como traidor e vendido.
Olímpio Mourão, o lobo solitário ou a vaca fardada da “Operação Popeye”, não tinha bala na agulha, mas desceu a Serra de Juiz de Fora às cinco da manhã com seus soldados de papelão e entrou no Rio de Janeiro sem dar um tiro. Manobra de louco! “Era minha manobra”! Previu todo exército ir contra ele como ocorreu em 1932.
Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara, através de um avião resolveu lançar suas chamas planfetárias de apoio ao movimento em Juiz de Fora, enquanto os marinheiros se rebelavam.
O ministro da Aeronáutica, Anísio Botelho sugeriu jogar napalm nos recrutas de Mourão parados no meio do caminho, enquanto o general tirava uma soneca. “Vai queimar gente? De jeito nenhum” – recuou Goulart.
Costa e Silva passou a rasteira e se autodenominou Comandante Supremo da Revolução. Disse que era o general mais velho e, por isso, tinha direito. Mourão teve que engolir tudo, mas, mesmo assim queria o comando do I Exército. Costa e Silva indicou outro nome e Mourão saiu espumando de raiva do Quartel General.
– Começou aí a desgraça do Brasil. Eu tirara a Nação do abismo e empurrara para outro. Se eu conhecesse Costa e Silva, “o Grupier”, como hoje o teria expulsado do Quartel General. Em matéria de política eu sou uma vaca fardada – escreveu Mourão tempos depois para o historiador Hélio Silva.
– Esta revolução vem atrasada em um ano – retrucou o ex-governador de São Paulo, no Palácio dos Campos Elísios, Adhemar de Barros, o rouba, mas faz, cassado dois anos depois do golpe. Na marcha do meio milhão pela liberdade, uma faixa tremulava: ”Verde e Amarelo, sem Foice e Martelo”.
No dia 1º de abril (Dia da Mentira), Jango rumou do Rio de Janeiro (Palácio das Laranjeiras) para Brasília. De lá partiu para Porto Alegre e depois para uma estancia em São Borja. Finalmente, voou para o exílio, no Uruguai. De Brasília, o presidente do Congresso, Auro Moura declarou vacância na presidência. Tancredo Neves tascou: “Canalha! Canalha! Canalha”! Era madrugada do dia 2 de abril. O mesmo Auro e um grupo de deputados armados pegaram o Ranieri Mazzilli e disseram: “Vamos para o Palácio, pois o senhor vai ter de assumir a presidência”. Waldir Pires e Darcy ainda imaginavam resistir.
Acompanhou o presidente neste trajeto penoso o general Argemiro de Assis Brasil, chefe da Casa Militar. Depois da missão cumprida, retornou para Brasília. Perdeu patente e pensão. Morreu em 1980 dizendo que o Exército tinha uma dívida para com ele, só que nunca pagou.
Certa vez o general disse que Jango tinha um bom coração; era um boêmio mulherengo bom de copo, mas só sabia governar uma estância. Foi vice-presidente invisível de 1956 a 1961 que todo governante pediu a Deus.
Alardeavam que o Governo tinha um “dispositivo” para abafar qualquer rebelião. O lendário Cavaleiro da Esperança, Luiz Carlos Prestes, chegou a dizer várias vezes que cabeças seriam cortadas, só que fugiu para Moscou antes do golpe, deixando para trás a mulher grávida Maria, sete filhos e um listão de 74 comunistas que foram indiciados.
O historiador Jacob Gorender relatou em livro vários deslizes e prognósticos calamitosos de Prestes, como seu apoio ao Estado Novo; garantia que seu PCB não seria proibido em 1947; adesão à UDN contra Getúlio em 1954; e em 1964 assegurou a Nikita Kruschev, em Moscou, que no Brasil tinha comunistas até nas Forças Armadas.
Em palestra ao Partido Comunista da União Soviética: Se a reação levantar a cabeça, nós a cortaremos de imediato. Para a Associação Brasileira de Imprensa: Os golpistas terão as cabeças cortadas. No Estádio do Pacaembu, nos 42 anos do PCB, em 29 de março, proferiu a mesma frase. Morreu em 1990 aos 92 anos.
– Dispositivo militar era um exército invisível. O dispositivo que disseram que montei, nunca existiu – confessou o general Assis Brasil 20 anos depois.
Na última hora “do pega pra capar”, os chamados generais do povo e os almirantes vermelhos sumiram de cena. Eram forças invisíveis. Ainda no dia 2 de abril, Brizola defendia resistência à bala. Na casa do general Ladário Telles, comandante do III Exército (Rio Grande do Sul), Jango ouviu dele que tinha muitas armas e homens para acabar com o golpe. “Só preciso que dê ordens”.
– Se for à custa de sangue, prefiro me retirar – respondeu o abatido Goulart.
O general do I Exército, Armando de Moraes Âncora disse que não ia abrir fogo contra os cadetes porque seria um peso que não tiraria mais de cima dos seus ombros. O jornalista do “Correio da Manhã”, Heitor Conny, destacou que o I Exército aderiu aos que se chamavam rebeldes. “Recolho-me ao meu sossego e sinto na boca o gosto azedo da covardia”. Denominou de “Revolução dos Caranguejos”.
Da Câmara, o deputado pelo PSB, Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, incitava: “Quem está nas ruas não é a revolução, é a contrarrevolução. Quem vai salvar o Brasil é o seu povo”. O colega Adauto Cardoso alertou que não anistiaria os promotores da anarquia. Julião ficou trancado no Congresso até o dia 7 de abril e fugiu como carona num taxi de Adauto. Este passou um papel rabiscado para Julião : “Está tudo perdido”.
Consumado o golpe, Castello foi indicado pelo Exército para assumir a presidência da República em votação no Congresso. Aí Tancredo Neves disse para Juscelino: “Eu tenho todos os motivos para votar em Castello e não vou votar. Você tem todos os motivos para não votar e vai”. Quando os militares negaram eleição direta em 1965, Juscelino lamentou: “Cai na armadilha do Castello”.
Tempos depois, numa entrevista em referência ao golpe que derrubou Goulart do governo, Darcy Ribeiro declarou que a culpa foi dos esquerdistas louquinhos que queriam mais caos; queriam sair do caos para o socialismo.
Na imprensa, só o jornal “Última Hora” não celebrou o golpe. O “Correio da Manhã” botou a manchete “FORA!” Uma semana depois, O “Correio” protestava contra a queima de seus exemplares declarando ter sido uma operação com requintes de intolerância e brutalidade de regimes totalitários.
Na marcha da vitória, o arcebispo da Igreja Católica, Dom Jaime Câmara abençoou o movimento dizendo ter contado com o auxílio divino obtido por nossa mãe celestial. O mesmo Dom Jaime abençoou a Passeata dos Cem Mil, em 1968.
Por volta dos anos 80, final do regime, Golbery do Couto, ou “Colt” e Silva deixou o presidente general João Figueiredo, que disse que prendia e arrebentava, mas acobertou os terroristas de farda. O cineasta Glauber Rocha o chamou de “gênio da raça”, enquanto o general Mourão Filho preferiu afirmar que se tratava de um cérebro doentio.
No livro Anatomia das Revoluções, o historiador Crane Brinton cravou que as revoluções começam com esperanças, triunfam sob lideranças moderadas e naufragam no autoritarismo. “A revolução, como saturno, devora os próprios filhos”. Para Hannah Arendt, está fadada ao fracasso toda política de Estado cujo objetivo seja fazer seu adversário desaparecer em silencioso anonimato.
Por que os militares do regime não admitem que os fugitivos, os desaparecidos e suicidas foram barbaramente torturados e assassinados nos porões macabros das casas de terror e nas salas sombrias dos quartéis dos carrascos inquisidores do “Santo Ofício da Ditadura”?