OS COMPADRES (MADRES) DO SÃO JOÃO
Poucos se lembram ou sabem – nem me refiro aqui a essa nova geração – como era o São João na roça onde a principal personagem era a fogueira. Sem ela não existia a festa. As comidas típicas extraídas do milho e da mandioca, o foguetório e o forró eram peças complementares, mas importantes para fechar o ritual da cultura popular.
Além dos forrozeiros para o conhecido arrasta-pé no chão batido, que fazia subir aquela poeira das sandálias e alparcatas, a fogueira era a alegria que fazia compadres verdadeiros para o resto da vida, mais do que aqueles que batizavam os filhos de outros amigos na igreja.
– Olá amigo Zezinho, vamos ser compadres de São João? – Indagava todo contente o João de Diná, que consentia com muito prazer e satisfação. E aí Mariazinha, vamos ser comadres? Vamos sim, amiga Joana de Calixto.
Formados os pares, parceiros ou parceiras, lá pela madrugada, quando a fogueira era só brasas, começava-se o ritual, se não me engano, de juntos pularem três vezes com uns dizeres numa espécie de oração em homenagem a João Batista.
Pronto, os compadres e as comadres se saudavam e selavam o compromisso até a morte. Era um juramento forte e sagrado entre amigos e amigas. Essas cenas de amizades sempre ficaram em minha cabeça, desde quando era moleque e adorava a celebração junina.
A criançada também fazia essa “brincadeira” no outro dia quando a fogueira era só cinzas. Nessa era das novas tecnologias, da internet, das redes sociais e dos ritmos bregas estrangeirados, onde o nosso São João foi descaracterizado, nem sei mais se existe essa tradição cultural na roça.
Lembro quando o dia se tornava noite na data de São João e meu pai recebia os convidados com aquele foguetório e abraços. Os homens e as mulheres chegavam logo cedo montados em seus animais, jumentos, cavalos, burros, éguas e mulas. Era aquela saudação festeira. Os que moravam mais próximo vinham a pés entre as trilhas e estradas de chão.
Todos traziam a canjica, a pamonha, o milho assado e cozido, o beiju, o aipim e outras comidas típicas juninas. Ah, não podia faltar também a cachaça (a pinga), o quentão e o licor. Não tinha a cerveja, mesmo porque não existia a energia e a geladeira. Era tudo na base do fifó e do lampião, ou lamparina, isso para quem possuía.
Para animar a festança, sempre aparecia um sanfoneiro, um tocador de zabumba e de triângulo. Além dos casados, compareciam os solteiros e as moças namoradeiras, mas tudo era feito na base do respeito, nada de dança agarradinha de rostos colados. Isso não impedia de surgir um namoro.
– Olha compadre, sua filha está de olho em meu filho, ou vice-versa. Cuidado com sua cabrita porque meu bode está solto. Os pais ficavam de butuca para os apaixonados não caírem no mato e irem às vias de fato.
Se acontecesse isso, a donzela ficava mal falada, e o rapaz era obrigado a se casar, no mais tardar no outro São João. A vigilância dos pais ainda era maior quando surgia na festa aquele tipo baiano que se debandou para São Paulo e vinha só passar o São João em sua terra natal.
O moço chegava com aquele molejo e sotaque paulista estrangeirado, com um papo de paquerador que aprendeu na capital, todo se achando de rico, se fazendo de não conhecer as coisas nordestinas. – Aquele ali é metido a besta só porque foi para São Paulo – cochichava alguém para o outro.
Às vezes, o cabra se fazia de besta e achava as comidas até estranhas. Algumas roceiras caiam na lábia do safado. Ai, meu amigo, o “paulista” estava ferrado na peixeira do pai brabo. Fora isso, tudo era só festa, cantorias, comidas, bebidas e prosas boas até o dia clarear. Como era bom o São João na roça entre os compadres e as comadres!