:: 29/maio/2025 . 23:52
ACABOU A FARINHA
(Chico Ribeiro Neto)
Não há pior notícia num domingo de manhã: “A farinha acabou”. E logo hoje que vai ter ensopado de boi com verduras e bastante caldo! Aí não dá. Os melhores lugares onde comprar farinha boa geralmente fecham aos domingos. Farinha de supermercado não presta.
Não sei comer sem farinha. Boto até no macarrão. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Antigamente, quando se queria chamar alguém de pobre e o bacalhau era muito barato, havia o ditado: “Pra quem é, farinha e bacalhau basta”.
Passar na feira, encher a mão com farinha e jogar na boca ZAP é uma forma de testar a qualidade da farinha. Outros a testam na palma da mão pra ver se está mesmo torrada.
Quando mamãe Cleonice morava em Aracaju, eu levava farinha de Salvador toda vez que ia lá. “A farinha daqui parece uma crueira”, queixava-se ela.
Há uma definição da farinha feita por um nordestino, citado uma vez pelo apresentador Rolando Boldrin: “Farinha presta pra três coisas: aumenta o que tá pouco, engrossa o que tá ralo e esquenta o que tá frio”.
Meu filho Mateus, quando era pequeno, na praia de Piatã, gostava de encher a boca de farofa, olhar pra sua cara e dizer a palavra “fofa”.
Quem não lembra do “mingau de cachorro”? Ninguém come bem sem farinha ou sem um bom molho de pimenta.
Tenha sempre em casa dois quilos de farinha. Quando um acabar, tem outro.
(Veja crônicas anteriores em leiamais.ba.com.br)
O PÔR-DO-SOL, AS CABRAS E O LIXO
Nas cidades grandes existem muitas cenas visíveis que se tornam invisíveis porque os olhos das correrias ficam cegos para o olhar mais apurado da coisa existencial. No entanto, as imagens que brotam das lentes poéticas nos fazem enxergar o invisível para muitos que passam e não observam. É o caso desse pôr-do-sol, das cabras pastando no final da tarde e o lixo dos humanos mal-educados na Avenida Sérgio Vieira de Mello, no Bairro Sobradinho, em Vitória da Conquista, que se localizada na boca do sertão, na saída para Anagé. Se pararmos um pouco e esquecermos os problemas da vida cotidiana por alguns instantes, vamos ouvir também o canto dos pássaros em algum lugar, como nas praças e avenidas arborizadas. Num semáforo ou numa árvore, você pode até descobrir um ninho de passarinho, uma casa de João de Barro e até uma coruja solitária na comieira de uma casa ou de um prédio. Basta uma pequena parada para uma reflexão dos sentidos numa rua ou banco e você vai escutar o silêncio do ronco dos motores e a agitação estressada do povo. Os gritos podem ser só sussurros. O pôr-do-sol e as cabras celebrando suas últimas refeições do dia me fizeram lembrar o cenário roceiro do campo onde o sertanejo faz parte desse conjunto bucólico, menos o lixo que, infelizmente, é uma caraterística das cidades, sobretudo as de médio e grande porte. Nos centros urbanos, a grande maioria nem vê a lua cheia passar, muito menos o luar pratear o terreiro, o quintal e a serra. A poesia e a vida se perdem no progresso, e este é o preço que se paga pela corrida do ouro. Fico com o pôr-do-sol e as cabras. Rejeito o lixo que agride nosso meio ambiente.
CARA DE IDIOTA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
O país exporta
Grãos do agronegócio,
A fome bate na porta,
E eu nem sou sócio.
A violência risca
O sangue na pista,
E me chamam de comunista.
O patrão explora,
O trabalhador implora,
A viola nos consola,
A bandeira é verde-amarela,
E todo mundo passa o tempo
Grudado na tela
Das redes sociais,
Enquanto os ricos
Aumentam seus capitais,
E eu aqui com cara de idiota,
Dando uma de patriota.
Uns numa mansão de jardim,
Outros comendo capim.
Nos semáforos
Os espaços são de aços
De pedintes famintos,
Nas favelas voam balas,
Nos labirintos.
O pobre em seu canto
Ora para seu santo protetor,
E no posto de saúde
Falta o safado doutor;
Na escola jogam pedra
No idealista professor.
A gente é manada do senhor,
E a igualdade tão sonhada,
A elite nos roubou.
O nordestino padece
Na igreja com sua prece,
E eu aqui com cara de idiota
Dando uma de patriota.
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