Senhora prefeita, meu profundo sentimento de tristeza pela terceirização elitizada do nosso São João que, em definitivo, acaba com o tradicional forró, forrobodó ou arrasta-pé nordestino, é bem mais forte do que as palavras de revolta e indignação.

Pelo menos a senhora vai ficar na história de Vitória da Conquista como a prefeita que privatizou a nossa sagrada festa junina, com camarote ao estilo carnavalesco do axé, do arrocha e do sertanejo. Só faltou, senhora prefeita, colocar trio elétrico e blocos com a venda de abadás.

A senhora pode até atrair essa nossa juventude entorpecida por anos de alienação cultural, essa grande massa que não tem qualquer filtro do que seja qualidade musical para separar o joio do trigo, mas essa sua decisão simboliza uma tragédia para a nossa cidade.

Seu feito, senhora prefeita, poderia ficar mais completo se trocasse o nome de “Arraiá da Conquista” para “CarnaConquista”. Como cidadão conquistense – e aqui quero honrar o título que recebi da Câmara de Vereadores –  sinto-me envergonhado e minha alma padece porque a nossa cultura, que é vida, foi apunhalada e sangra em seu leito de morte.

Repito aqui, senhora prefeita, o comentário do professor Elton Becker, no Programa Conquista de Todos, da Brasil FM:

“Não se engane, o que vemos não é um simples aprimoramento, mas uma destruição planejada da autenticidade junina. A cultura, antes ferramenta de emancipação e expressão coletiva, é agora domesticada por editais dirigidos e pela supremacia do camarote. O calor da fogueira, a dança espontânea, a voz do artista local que emerge da base, tudo é sufocado em nome de um modelo que visa apenas o lucro e o controle. O São de Conquista virou um laboratório de controle simbólico”.

Como se não bastasse o fechamento dos nossos equipamentos culturais – Teatro Carlos Jheovah, Cine Madrigal e Casa Glauber Rocha – que há anos estão sendo destruídos pelo tempo, essa sua atitude, senhora prefeita, contra o nosso tradicional festejo junino, é como se fosse uma pá de cal no túmulo da nossa cultura.

O nosso autêntico forró pé de serra da sanfona, do zabumba e do triângulo, cantado por Gonzagão, Dominguinhos e tantos outros, que já foi venerado e cultuado com letras de raízes da terra nordestina, entra hoje no palco como uma alma penada ou uma assombração. Os protagonistas de hoje são os cantores de ritmos rebolados de altos cachês, tipos safadões.

Minha voz, senhora prefeita, pode ser ranzinza e solitária, mas nunca serei omisso quando a nossa cultural popular centenária e milenar é ferida por esses falcões do capital que iludem o nosso povo traído, enganado e explorado que paga com alto custo suas apresentações dantescas, exóticas e eróticas.

Respeite a história e a memória da nossa tradição cultural, senhora prefeita, que aproveita da conivência de seus aliados, como da Câmara de Vereadores, para transformar o nosso festejo junino da dança, das comidas, das cantorias forrozeiras, num lixo, sob o argumento de que é disso que o povo gosta.

Infelizmente, os movimentos culturais, os artistas, os intelectuais dessa cidade pouco reagem e sempre prevalece o barulho do silêncio, como do Ministério Público que, como muitos dizem, tem quer ser provocado, quando não deveria ser assim. Sei, senhora prefeita, que pouco importa minha fala, mas fica aqui registrada minha carta de protesto.