– Por que nos últimos anos tem surgido tantas doenças esquisitas entre crianças, especialmente nas ricas, coisa que era raro há 50 ou 60 anos? É diabetes, câncer, obesidade, pressão alta, problemas no coração, sem falar em outras enfermidades, exóticas e crônicas! Comentou o amigo Alberto dia desses num papo meio macabro.

– É compadre, deve ser a industrialização desses alimentos enlatados e com embalagens de visual atraente, cheios de substâncias químicas conservantes, comidas de papel daqueles filmes norte-americanos, só porcaria. Antigamente não havia muito disso. A maior parte dos produtos era comprado nas feiras da agricultura familiar.

– Outra coisa é que criança rica, criada pelas babás, nascida em berço de ouro, vive como se fosse numa bolha, não pode pisar os pés no chão, e os pais, na corrida do ouro, pouco dão atenção. As mães só pensam no trabalho e nem amamentam suas crias. Criança rica hoje tem até depressão, estrese e problemas psiquiátricos. Coisa de doido!

– É, deve ser isso mesmo – concordou o amigo. Agora, veja bem a diferença das ricas em relação às crianças pobres, principalmente as sertanejas nordestinas do agreste brasileiro, lá dos cafundós onde o judas bateu as botas!  Quando nascem, com poucos dias, os pais dão logo é caldo de mocotó, de feijão, buchada, pirão de rabada e bode, coisa com sustança!

– Esqueceu de falar compadre que esses meninos e meninas, com um ano de idade, já estão por aí nos terreiros e nos matos, de pés descalços, na poeira, na lama e tomando chuva na cara. São criados com anticorpos e dificilmente pegam uma gripe.

– Lembro que fui um desses na roça. Com quatro e cinco anos já estava trabalhando. Tive sarampo, catapora, papeira, tosse braba e logo ficava bom com banho de ervas e chás de plantas medicinais. Se ficava doente, triste melancólico e banzo, chamavam uma rezadeira e tirava o mal olhado. “Este menino está de mal olhado comadre”!

– Naqueles lugarejos e povoados nem existiam postos de saúde. A gente crescia sem vacina, sem nunca ver um médico e era nascido de parteira. Os tempos hoje mudaram, compadre Alberto. Qualquer coisa é receita ali, receita acolá e nada de remédio natural, só drogas!

– A maior doença hoje da criança pobre (sempre existiu), seja da zona urbana e rural, é a desnutrição, a danada da fome. Essa é terrível e nunca vai deixar de existir nesse Brasil de políticos safados. As cestas básicas do Bolsa Família enchem o bucho é com feijão com arroz e um pedaço de carne quando acha. Dificilmente comem industrializados. Nada de iogurte, presunto e outros conservantes. É raro um Danoninho e tem que ser dividido por três ou quatro!

– No campo entra o cuscuz, o aipim, o beiju, milho cozido, assado, fubá e a velha buchada com mocotó. Quando bate a seca, aí o bicho pega. Mesmo assim são mais fortes e resistentes do que esses moleques da cidade, que até matam a fome com droga e cola de sapateiro. Os pais são mais violentos e se enterram na cachaça para curar as mágoas.

– Como um assunto puxo outro e estamos falando de doenças, viu como se faz tanta publicidade de protetor solar? A mídia mais parece garota propaganda das fábricas de cosméticos, entrevistando dermatologistas que até ganham com isso. Tem filtro que custa até mais de 100 reais – disse o amigo Alberto.

– Oh, compadre, não estamos numa suíça baiana? Podiam até propor uma lei na Câmara de Vereadores para mudar o nome de Vitória da Conquista para Suíça Baiana, ficaria chique. Pelo menos carimbava de vez o ridículo! Mas, isso é outro assunto, meu camarada!

– O pobre que ganha um salário mínimo pode comprar isso? Claro que não! A linguagem deles (médicos e mídia) é para classe média, de média a alta. Não se pode tomar um sol que aí já vem o câncer de pele. Isso é terrorismo! Cadê a vitamina B ou C que os raios solares emitem? É muita frescuragem. Que se danem os dermatologistas!

– Novamente entra nesse caso o sertanejo nordestino que toma um sol de rachar o cano, de mais de quarenta graus e quase não se vê câncer de pele nesses cabras da peste. Têm casco de jacaré e tartaruga. Leva pedra, pau, toma porrada no lombo e pega no pesado do dia a dia. Por acaso, esse pessoal tem grana para comprar esses protetores caros?  Afirmou o compadre Alberto.

– Eu mesmo, meu amigo, já tomei muito sol quando menino na roça. Não uso esses tais de protetores. Me dão nojo e alergia. Sou bruto mesmo, tipo casca grossa! A pele fica toda melada! Nem esse tal de repelente! Tô fora dessa! Minha pele é a prova de mosquito e muriçoca. O couro é duro e tenho o corpo fechado pelo meu pai de santo. Podem me esculhambar e até me chamar de ignorante. Nem tô aí, compadre Alberto, para esse lero-lero!