:: abr/2025
O SARAU DOS QUINZE ANOS
Logo mais, entre junho/julho, o nosso “Sarau A Estrada” estará celebrando 15 anos de existência, o mais longevo de Vitória da Conquista que resistiu a diversas dificuldades, inclusive durante a pandemia de 2020 a 2022 quando realizamos encontros virtuais e a produção de vídeos que renderam duas edições documentais memoráveis. Antes disso, porém, temos um evento marcado com os amigos frequentadores e demais visitantes neste sábado (dia 12/04/25), no Espaço Cultural A Estrada, cumprindo a nossa programação bimensal, com o tema (carro-chefe do sarau) sobre “A Coluna Prestes e Seus Desdobramentos”, que abrirá nossos trabalhos depois dos informes e homenagens. O palestrante será nosso companheiro historiador, Eduardo Moraes, membro da comissão, e a cantoria ficará por conta do músico, poeta e compositor Manno Di Souza (voz e violão). Tudo indica que vamos ter mais apresentações com a presença de outros músicos. Além dos cancioneiros e violeiros, haverá declamação de poemas autorais e a contação de causos e estórias. Toda organização está sendo feita pela comissão composta por Cleu Flor, Dal Farias, Alex Baducha e Eduardo Moraes, a qual promete novidades nos comes e bebes. Tudo começou há 15 anos num bate-papo festivo e descontraído numa noite de inverno entre Jeremias Macário, Manno Di Souza e José Carlos D´Almeida, os primeiros fundadores, com o nome de “Vinho Vinil”. O propósito era só tomar vinho e ouvir vinis, mas o grupo foi crescendo e tomou outras proporções. De lá para cá realizamos vários projetos, como um CD autoral, vídeos e até uma apresentação pública no Teatro Carlos Jheovah. Pelo seu reconhecimento cultural, o Sarau A Estrada foi premiado no ano passado com o troféu Glauber Rocha, indicação do Conselho Municipal de Cultura e entrega solene pela Câmara Municipal de Vereadores.
EU GOSTARIA
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Alô, poetas cancioneiros!
De viagens passageiras,
Desse sarau, estradeiros!
Está é uma canção que faço
No compasso do coração,
Em noites etílicas e bíblicas,
Que ficam em nossos anais
Nesses debates intelectuais.
Eu gostaria,
Que não houvessem
Mais barreiras nas fronteiras,
Que todos fossem livres,
Para expressar seu pensamento,
Num mundo de paz e harmonia,
Sem escravos nessas caravelas,
Nem ódio nas paralelas,
Adorar o pôr-do-sol,
O alvorecer do dia,
Com amor e alegria.
Eu gostaria
Que banissem a guerra,
Nesta tão castigada terra,
Sem mais os preconceitos,
Que cada um respeitasse os conceitos,
Com apertos de mãos,
Como diferentes irmãos.
Eu gostaria,
Que abrissem todas telas,
Das coloridas aquarelas,
Apagassem todas as mazelas,
Que não queimassem nossas florestas,
Tudo fosse só festas,
Aparassem todas arestas,
Mas esse sonho é uma quimera,
Não passa de uma utopia,
De filosofia e poesia,
Numa noite florida de primavera.
A PECHINCHA E OS GENÉRICOS
Duas coisas que me deixam encabulado são esses negócios de pechincha e remédios genéricos. A origem da palavra pechincha é obscura e incerta, mas avalio que tenha surgido a partir das trocas de mercadorias desde as primeiras civilizações nas feiras livres entre as aldeias.
Por falar em feiras livres (compre três pimentões e leve quatro), acredito que sejam os lugares apropriados, no âmbito econômico, destinados à classe mais pobre, onde se praticam mais a pechincha, além das prestações de serviços. É aquela história: O preço é este, mas tem conversa.
No comércio em geral, um dos setores onde não existe a pechincha e o de supermercado. A empresa faz o seu tabelamento etiquetado e o cliente não tem essa de pechinchar quando passa no caixa, mesmo quando existem as tais promoções enganosas.
Sabemos que a pechincha é uma maneira mais fácil de negociar um produto entre um vendedor e comprador ou consumidor, de forma que ambas as partes saiam ganhando e satisfeitas. Só não entendo que o cara pede um preço determinado, mas vai logo avisando que tem pechincha.
Ora, se tem a pechincha, é claro que o comprador vai querer porque ninguém é besta nos tempos atuais de abrir mão de adquirir aquele bem por um custo mais baixo! Nesse caso, o vendedor anuncia seu preço, mesmo sabendo que, de antemão, vai receber menos.
Não é um paradoxo? Existe gente que não pechincha, mesmo não sendo endinheirada. Conheci uma amiga que foi completamente lesada em Salvador. Uma baiana, em frente ao Elevador Lacerda, lhe pediu 60 reais numa fitinha do Senhor do Bonfim, e ela prontamente deu, sem ao menos questionar. Nem pechinchou.
Nesse negócio da pechincha, uma cultura enraizada entre os brasileiros, principalmente nas feiras, só posso entender que é uma técnica de venda para atrair o comprador. Muitas vezes, o camelô ou ambulante de bugigangas de ruas pede um valor e termina aceitando a compra pela metade ou menos da metade do estabelecido.
A pechincha também é chamada de “dar uma chorada”, mas tem negociante que é duro na queda. No entanto, quando a pessoa está com a “corda no pescoço”, “na forca”, endividada ou arruinada financeiramente, como se fala no popular, ela se sujeita a vender seu objeto, bem móvel ou imóvel a um preço “baratinho”, com imenso prejuízo.
Os astutos, aproveitadores e oportunistas caem dentro, sem dor e compaixão, e deixa o outro numa situação financeira ainda pior do que estava antes. É a lei do mais forte, aí não é mais pechincha, é uma exploração impiedosa de quem tem o capital na mão.
E a questão dos medicamentos genéricos onde os preços chegam a ser mais baixos até numa percentagem de 80 a 90%? Se o farmacêutico garante que o remédio contém a mesma fórmula do chamado original, por que, então, não colocar todos genéricos?
O termo genérico, por já ser pejorativo, gera certa desconfiança da população. Será que tem o mesmo efeito? No mercado, essa coisa de remédio genérico ainda não foi totalmente esclarecida. Por que uns são genéricos e outros não?
Certamente porque alguns laboratórios nacionais não têm a permissão, nem a patente do fabricante estrangeiro para fazer o genérico. Por que em algumas farmácias você consegue o genérico e em outras não? É um esquema que não dá para entender. Você confia totalmente no genérico?
O SOM DA MADRUGADA
Se você dorme mais tarde, lendo, escrevendo ou fazendo algum trabalho intelectual, já parou para observar o som do silêncio da madrugada, mesmo que seja numa cidade grande agitada? Se nunca fez, experimente e vai descobrir muitas coisas interessantes. A madrugada é um laboratório de experiências.
Lá fora você pode até ouvir o farfalhar das árvores no balanço do vento, o latido do cachorro mais distante na rua ou a voz de um vizinho, o trânsito menos barulhento dos carros, um chiado vindo de longe, a pisada de algum solitário e, o mais poético, são os pingos da chuva calma, sem raios e trovões, nem tempestades!
Ao som da madrugada se escuta até o zunido de uma bala saindo do cano de uma arma. Nesse caso, o tema vira assassinato na madrugada. É um bom enredo literário de romance policial que dá até filme. O pior são as discussões agressivas entre homem e mulher que, às vezes, terminam em morte. Os dramas familiares! Os indivíduos da madrugada são testemunhas das violências.
É na madrugada, depois da meia noite, que se ouve batidas estranhas de fantasmas e “almas penadas” em casas mal-assombradas. Qualquer estalo é motivo de pânico ou medo de ser um ladrão ou coisa de outro mundo. Você fica mais atento a tudo que se move ao seu redor.
– Vejo outras coisas mais interessantes e picantes – disse um amigo meu que também vive da insônia e o chamam de corujão da meia noite. Conheci muitos que não conseguem dormir e já se habituaram com isso. Pode ser esquisito, mas é um requisito peculiar e privilegiado.
Ele me reportou, com seu tom jocoso e sarcástico, sobre a vida de um casal que mora um pouco abaixo do seu apartamento e tem noites certas de fazer sexo com aquele escândalo erótico. Naqueles tempos bicudos, só maiores de 18 anos podiam saber disso.
– Bicho, a mulher morena baixinha é uma histérico e, na hora do vamos ver, grita alto, geme e pede sempre mais e mais. É uma gulosa! Não para, não para – repete a mulher em tom exagerado como se estivesse sozinha num acampamento desértico.
– Aquilo me deixa doido! – Já sei, não precisa falar. Tem palavras que não são convenientes citar aqui, senão moralistas vão me levar para a inquisição. Você que está acompanhando esse papo deve estar imaginando os termos de amor, amor, amor, vai mais!
– É uma loucura, cara, também escuto esse tipo de coisa e me lembro de um casal com esse estilo tarado de transar quando morava em Salvador num prédio de apartamento. Batia o silêncio da madrugada e aí o pau comia. Outros são bem mais discretos na cama.
– Certos animais também têm esse comportamento selvagem dos humanos. Quem já não ouviu uma transa de gatos no telhado! Um negócio de louco! A Gata solta miados e sons estridentes. Eu que diga aqui em minha casa. É tanto barulho que me atrevo a interferir, mesmo sabendo que não tenho esse direito de empatar o amor ou a f… de ninguém.
Posso até ser processado e preso pelos defensores dos direitos animais por importunação e constrangimento ao amor (os humanos não ficam fora), mas é demais e não consigo suportar os chiados que me atrapalham esse tipo de som da madrugada.
Se os sons do silêncio da madrugada urbana chamam a atenção e lhe dão mais inspiração para escrever, filosofar consigo mesmo, refletir e poetar, agora pense como não é no campo, principalmente em noite de lua cheia que prateia o terreiro do seu chão. Lembrei dos uivos dos lobos, coiotes e até do lobisomem.
Lá você curte mais o vento bater na comieira da casa, o casco do cavalo, do burro ou da mula na estrada com seu cavaleiro, no galope cadenciado, o ranger dos galhos das grandes árvores na mata, e o sertanejo percebe de longe quando alguém se aproxima da sua casa.
Posso dizer que é um som mais poético porque já vivi por muito tempo na zona rural, inclusive naqueles tempos que não havia energia elétrica e nem televisão, quando muito um rádio cheio de ruídos. Meu pai sentia até quando um animal se aproximava do nosso rancho. São coisas do homem do campo.
TEMPOS DIFÍCEIS PARA OS JORNALISTAS NA COMEMORAÇÃO DESSE SETE DE ABRIL
Para comemorar a data, de 7 a 11 de abril, o Sindicato dos Jornalistas-Sinjorba e a Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj estão realizando a Semana do Jornalista, com uma vasta programação de reivindicações, como o diploma obrigatório e a criação do piso salarial nacional. Uma comitiva está em Brasília para uma série de encontros com os três poderes. A mobilização é denominada de “Ocupa Brasília”.
Lembro quando comecei a dar os primeiros passos na profissão como revisor, no início de 1973, ano da minha graduação como bacharel em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Eram tempos difíceis em pleno cerco da ditadura civil-militar, anos de chumbo contra a liberdade de expressão quando os homens da farda faziam o papel de cão de guarda para censurar os veículos de comunicação, especialmente o jornal impresso onde atuava.
Apesar de toda mordaça, os jornalistas eram mais combativos e participativos e tudo faziam para driblar a opressão dos generais. Os sindicatos, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e as associações brasileiras de jornalismo (ABIs) eram mais fortes e unidas. Naquela época, nem se falava de “fake news”, que passaram a brotar com a chegada da internet e, consequentemente, das redes sociais, o chamado jornalismo virtual onde grande parte da atividade foi banalizada, e a maioria perdeu a responsabilidade maior de informar.
Nada contra a evolução tecnológica onde a notícia é mais veloz que uma bala e pode ser mortal se for infundada. Passados mais de 50 anos, onde cada um se acha jornalista (não precisa ser diplomado), o neoliberalismo de mercado estreitou os espaços da profissão, e poucos que optaram pela área e passaram a frequentar as escolas seguem a carreira. Caiu o nível de formação e aumentou o noticiário de matérias infundadas, mal apuradas pela falta de uma maior investigação.
Quando aqui cheguei, em 1991 fui o primeiro jornalista formado da cidade e logo passei a assumir a diretoria regional do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), chegando a vice-presidente. Atualmente, como graduado sou o decano e, durante essa longa caminhada, já enfrentei muitos desafios. Continuo escrevendo porque é o alimento da minha alma e, se tivesse que recomeçar, seria novamente jornalista.
DIA DO JORNALISTA
Toda essa abertura, em forma de “nariz de cera”, é para lembrar do 7 de abril, Dia do Jornalista (quinta-feira), infelizmente pouco comemorado. Mesmo no período duro do regime militar, existia mais união e celebração com aqueles memoráveis encontros, dos quais muito ajudei a realizar. É dia de reflexão e luta por mais espaço e reconhecimento do diploma, bem como contra a violência contra os profissionais, da qual fui uma vítima.
Vamos dar uma pequena pausa nesse comentário para focar propriamente no Dia do Jornalista, pouco lembrado pela própria classe (casa de ferreiro, espeto de pau). O dia foi criado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e foi estabelecido por alguns motivos, como numa reunião de coletiva de imprensa. Uns dos motivos é que no dia 7 de abril de 1908, foi criada a própria ABI. Idealizada pelo jornalista Gustavo Lacerda, a associação situa-se no Rio de Janeiro, e é um centro de ação que tem como objetivo assegurar os direitos à classe.
Também no dia 16 de fevereiro foi comemorado o “Dia do Repórter”, que está ligado a um episódio da nossa história do Brasil. A data foi designada em homenagem ao jornalista e médico Giovanni Battista Líbero Badaró, morto no dia 22 de novembro de 1830. Ele participou de diversas lutas a favor da Independência do Brasil. Era proprietário do jornal “Observador Constitucional” e um dos principais motivadores da liberdade de imprensa, hoje tão vilipendiada, bem como a nossa Carta Magna.
Libero Badaró teve uma morte misteriosa, mas, segundo a história, inimigos políticos atentaram contra a sua vida. O falecimento dele causou descontentamento à população e culminou na abdicação do trono de Dom Pedro I, justamente no 7 de abril de 1831.
Só para reportar a história, a primeira faculdade de Jornalismo foi criada em 1912, na Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos. A faculdade foi fundada por meio da doação de dinheiro do jornalista Joseph Pulitzer, que ajudou a tornar a imprensa conhecida como o quarto poder e que dá nome ao principal prêmio concedido a jornalistas premiados.
No Brasil, a primeira escola de jornalismo foi criada em 1947. Atualmente, a instituição chama-se Faculdade Gásper Liberó e localiza-se no prédio da antiga Gazeta, na Avenida Paulista.
TEORIA E PRÁTICA
Quando adentrei na redação era um dos poucos graduados pela Faculdade de Jornalismo da Ufba. Existiam os antigos jornalistas provisionados no Ministério do Trabalho. Na década de 70, o diploma passou a ser exigido e isso criou uma animosidade entre os chamados velhos e novos. Dizia-se que jornalismo era uma vocação, uma forma de dom que se aprendia no dia a dia da notícia, o que não deixava de ser uma verdade, mas a formação teórica com a prática fortalece mais a profissão e dar mais credibilidade.
A briga gerou uma disputa de ações na justiça para derrubar a obrigatoriedade do diploma, isso, se não me engano, entre as décadas de 80 e 90. A ação caiu nas mãos do Supremo Tribuna Federal, em 2009. Recordo que um dos ministros, contrário ao diploma, fez uma leviana comparação entre a culinária e o jornalismo, dizendo que a pessoa para cozinhar não precisava ter diploma. Aquilo foi de uma insanidade sem tamanho.
As faculdades continuaram emitindo os atestados profissionais, como a própria Facom, da Ufba, a Uesb que começou seu curso em 1998 (fui um dos incentivadores e ajudei na sua estruturação) e tantas outras particulares. Mesmo com a não obrigatoriedade do diploma, vejo que as empresas dão mais preferência aos formados, valorizando a formação escolar e o conhecimento.
Para marcar a data, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), os sindicatos dos jornalistas do Brasil e profissionais da área costumam fazer reflexões importantes sobre a carreira, o mercado de trabalho, os salários e o futuro da profissão.
O curso de Jornalismo é ministrado nas principais universidades do país durante quatro anos ou oito períodos. Os estudantes têm aulas teóricas, como teoria da comunicação, história da imprensa, ética e legislação, história da arte, práticas, como telejornalismo, jornalismo impresso e webjornalismo.
O jornalista é o profissional que informa fatos à sociedade, um contador e fazedor de histórias, com responsabilidade perante a opinião pública. Ele pode atuar em meios de comunicação, como rádio, TV, jornal, revista e internet. Também é comum que jornalistas trabalhem como assessores de comunicação e imprensa e, mais recentemente, em mídias digitais, tais como redes sociais e blogs.
TEMPOS DIFICEIS E O ESTRESSE
De acordo com pesquisa entre cerca de sete mil profissionais no Brasil, 66,2% dos jornalistas se sentem estressados. Dos entrevistados, 34,1% foram diagnosticados clinicamente com lesões por esforços repetitivos; 40,6% sofreram assédio moral no trabalho; 11,1% assédio sexual. A categoria é formada por maioria de mulheres (58%), inclusive negras. Esses dados carecem de atualização.
É esse, mais ou menos, o perfil do jornalista brasileiro. Da amostragem, 44,2% disseram que seus esforços no trabalho não são reconhecidos. Os dados ainda confirmam que houve uma redução do volume de vínculos empregatícios pela CLT, bem como, 24% prestam serviços de freelancers, MEI, pessoa jurídica ou sem contrato. De toda classe, 42,2% trabalham mais que oito horas por dia. O estudo da Fenaj (Rede de Estudos sobre Trabalho e Identidade dos Jornalistas), de agosto a outubro de 2021, conseguiu coletar mais de sete mil respostas, sendo 6.594 válidas.
UM GRANDE ATIVISTA CULTURAL
Sempre tenho repetido aqui por várias vezes que Vitória da Conquista tem sido uma cidade ingrata quando se trata de reconhecer personalidades que contribuíram com a cidade, prestando seus serviços, especialmente na área da cultura. A impressão é que Conquista esquece facilmente das pessoas que ajudaram a construir sua história.
Mais um grande ativista cultural nos deixou neste domingo para segunda-feira sem o devido reconhecimento desta sociedade e até mesmo dos fazedores de arte e cultura. Trata-se de Massimo Ricardo de Benedictis, nascido em Poções, em 1939, com passagem por Salvador, Rio de Janeiro e se fixando aqui em Conquista.
Estive em seu velório, no Salão do Pax Nacional e em seu enterro no cemitério Parque da Cidade no final da tarde de ontem (dia 07/04/2025). Senti a ausência de representação da Câmara Municipal de Vereadores e do próprio poder executivo, como da Secretaria de Cultura, bem como de membros de entidades culturais. Nem falo de empresários porque já é uma categoria que está se lixando para a cultura.
Quando cheguei em 1991 para chefiar a Sucursal do Jornal A Tarde aqui encontrei o Ricardo Benedictis, como eu o chamava, militando na imprensa escrita e atuando em projetos culturais através da realização de eventos, se não me engano como coordenador de Cultura no governo de Pedral.
Lembro muito bem de Ricardo como diretor do Centro de Cultura e também como presidente da Academia Conquistense de Letras da qual ainda sou membro (ausente nos últimos anos) pela sua indicação, defendendo a obra de Graciliano Ramos.
Um dos seus maiores legados para a posteridade foi a criação do Festival de Inverno da Bahia, realizado por vários anos no Centro de Cultura. Além da música, que era o carro-chefe e que revelou muitos artistas locais, da Bahia e até de outros estados, o chamado FIB abrangia diversas linguagens, como teatro, literatura (participei de coletâneas), dança e artes plásticas.
Ao lado dos amigos Nápolis, Mozart Tanajura, Carlos Jheovha, Ezequias, dentre outros, Ricardo movimentava a cidade promovendo a nossa cultura e divulgando o nome de Conquista lá fora. O jornalismo também era também sua paixão quando lançou diversos periódicos, com suas matérias, comentários e artigos.
Por onde passou, Benedictis fez muito mais pela nossa cultura como um resistente, muitas vezes sem o apoio do poder público, sobretudo em Vitória da Conquista onde, talvez, tenha ficado por mais tempo. Portanto, por tudo que fez em prol do setor merecia e merece uma consideração à altura do seu feito.
Por sermos polêmicos por natureza, tínhamos nossas divergências de ideias e políticas, mas estávamos sempre discutindo as questões culturais de Vitória da Conquista. Como jornalista, fui também um crítico do seu trabalho em certas ocasiões, mas nunca fomos inimigos.
Em certos pontos a gente concordava que era a falta de maior presença do poder público, inclusive no sentido de ajudar os artistas a realizar seus trabalhos. Outro ponto era a necessidade de uma união de todos ativistas culturais visando fortalecer cada vez mais a nossa cultura. Achávamos que um dos males era o individualismo e a maneira torta de cada um se sentir o dono da cultura.
Por várias vezes realizamos aqui em nosso Espaço Cultural A Estrada, onde é palco do nosso sarau de quinze anos, tardes sabáticas memoráveis de cantorias e bate-papos acalorados com seu filho Ricardinho, Luciano e outros amigos. Como todos sabem, Ricardo era músico, compositor, poeta, jornalista e um grande ativista cultural que vai ficar em nossa lembrança.
A QUESTÃO SOCIAL, A I GUERRA E A DECADÊNCIA NA INGLATERRA
No livro “Um Pouco de Ar, Por Favor”, o famoso escritor George Orwell, conta a história de George Bowling desde os tempos de criança e sua obsessão pela pesca; os hábitos das pessoas mais pobres e seus problemas sociais nos idos dos anos 1909 a 1918. É uma narrativa na primeira pessoa feita por George numa pequena cidade inglesa.
Nessa época, ele mostra uma Inglaterra em decadência com grandes desigualdades sociais onde muitas empresas comerciais estavam entrando em falência. Apesar da vida corriqueira, pacata e monótona da classe média e carregada de preconceitos, o autor da obra prende o leitor com seus mínimos detalhes.
Ainda jovem, entre 16 a 17 anos, o narrador se alista e participa da I Guerra Mundial (1914-1918), lutando na França contra a Alemanha. George Boelling mostra os horrores da guerra e as sujeiras nos campos e nas trincheiras das batalhas. São cenas de degradação humana, atos de estupro, inclusive de freiras.
Em toda sua narrativa, George está sempre falando de pesca, mas volta também sua atenção para a descoberta da leitura aos 10 ou 11 anos, de maneira voluntária. “Nessa idade é como descobrir um novo mundo”. Sempre me apaixono pelo best-seller do momento (Os Bons Companheiros, Lanceiros da Índia e O Castelo do Homem sem Alma).
Quando jovem ele se tornou membro do Clube do Livro da Esquerda. “Li as coisas que queria ler e tirei mais proveito delas do que jamais tirei das coisas que me ensinaram na escola”. Descreve também os semanários para meninos que circulavam naqueles tempos dos idos de 1900.
Como ocorre no Brasil de hoje e em outros países do mesmo nível desenvolvimentista, o escritor relata a situação do narrador da prosa que teve logo cedo de deixar a escola para trabalhar para ajudar sua família que tinha uma loja entrando em falência.
Num de seus diálogos de juventude, George Orwell destaca que “Algum dia, de uma forma ou de outra, haveria dinheiro suficiente para eu “me estabelecer” sozinho. Era assim que as pessoas se sentiam naquela época. Isso foi antes da guerra, lembre-se, e antes das crises e do desemprego”. Ele relata os tempos da grande concorrência comercial, mas enfatiza que havia lugar para todos.
Sobre a vida jovem, diz que “em alguma parte conhecida da cidade, os meninos caminhavam para cima e para baixo em pares, observando as meninas, e as meninas caminhavam para baixo e para cima em pares, fingindo não notar os meninos. E logo algum tipo de contato era estabelecido e, em vez de dois, estavam andando em quatro, todos os quatro totalmente mudos”.
Quanto a primavera de 1914, George, o narrador, ressalta que a vida era mais dura. “As pessoas em geral trabalhavam mais, viveram com menos conforto e morreram de forma mais dolorosa. O que era chamada de pobreza “respeitável” era ainda pior. Você via coisas horríveis acontecendo. Pequenos negócios falindo, comerciantes sólidos indo aos poucos à bancarrota, pessoas morrendo de câncer e doenças hepáticas…”
“Meninas arruinadas para o resto da vida por um bebê ilegítimo. As casas não tinham banheiro, você quebrava o gelo da sua bacia nas manhãs de inverno, as ruas de trás fediam como o diabo no tempo quente, e o cemitério ficava cheio no meio da cidade, de modo que você nunca passava um dia sem se lembrar de como teria que morrer”.
No que diz respeito à crença religiosa, o escritor assinala, através de seu personagem principal, que quase todo mundo ia à igreja, pelo menos no interior. As pessoas acreditavam em uma vida após a morte. “Mas nunca conheci alguém que me desse a impressão de realmente acreditar em uma vida futura. Acho que, no máximo, as pessoas acreditam nesse tipo de coisa da mesma forma que as crianças acreditam no Papai Noel. É fácil morrer se as coisas com que você se preocupa vão sobreviver. Você teve sua vida, está ficando cansado, é hora de ir para baixo da terra”.
Ao falar da guerra, ele indaga: “Você se lembra daqueles hospitais de campanha em tempos de guerra? As longas filas de cabana de madeira, que pareciam galinheiros, presas bem no topo daquelas colinas geladas bestiais – a Costa Sul, as pessoas costumavam chamar assim, o que me fez imaginar como seria a Costa Norte – onde o vento parece soprar de todas as direções ao mesmo tempo”.
“Qualquer um que fosse forte o suficiente costumava vagar por quilômetros nas colinas na esperança de encontrar garotas. Nunca havia suficiente para todos. Um garoto de rosto rosado, de cerca de oito anos, caminhou até um grupo de homens feridos sentados na grama, abriu um pacote de Woodbines e prontamente entregou um cigarro a cada homem, era exatamente como alimentar os macacos no zoológico”.
BODE E VACA CURTIAM ADOIDADO
(Chico Ribeiro Neto)
Zé da Baixa gosta de contar uns casos difíceis de acreditar, mas fáceis de fazer rir. Quando toma umas duas, então, Zé se solta, e tome-lhe história. Conta todas com aquele jeito sério do bom culhudeiro, pois mentiroso é palavra pequena pra ele.
De bode, então, ele é cheio de casos. Outro dia, na Barraca de Isidro, falava-se de roubo de animais quando Zé tomou a palavra pra contar como é que se rouba bode na terra dele: “Você joga um algodão com éter, e o bicho vem doido. Cheira, fica tonto, e aí você pega ele com a maior facilidade e coloca dentro da camionete”.
“Vai ver”, comentou um dos frequentadores de Seu Isidro, “que ele gostava mesmo era do cheirinho da loló, muito usado no Carnaval”. Zé completou na hora – pois mentiroso sempre está acrescentando – dizendo que o bode cheirava loló mesmo, pois fora criado no quintalzinho de uma prostituta na Ladeira da Montanha e que, no Carnaval, não tinha quem segurasse o bicho. Teve um dia que seguiu o trio elétrico de Dodô e Osmar da Praça Castro Alves até o Campo Grande e voltou descansando num afoxé. No Campo Grande teve até confusão, pois queriam pegar ele pra churrasquinho.
Se o bode do interior cheirava éter, viciado que era dos tempos da capital, o que acontecia com os outros bichos? Mais animado ainda – pois mentiroso, quando a plateia aumenta, o tamanho da culhuda também cresce -, Zé da Baixa passou a falar da vaca de Zé Paulino, viciada em maconha. Trocava qualquer capim colonião por umas folhas da erva maldita.
A vaca, que se chamava “Fumacinha”, chegou até a ser usada pela Polícia Federal numa das batidas em Juazeiro e no sertão de Pernambuco. “Era só soltar a bicha que ela ia certinha na plantação de maconha. Todo mundo preso, a plantação queimada, mas antes se tirava uns molhezinhos para acalmar “Fumacinha”, que já tinha dois bezerros começando a enjoar do colonião, esse capim que não tá com nada”.
Ele dizia, também, que a tal vaca chegou a passar uns tempos em Arembepe, na década de 70, e não podia ver barraca de hippie armada que encostava, já fuçando pela janelinha algum cheiro conhecido. Foi dessa época o colar de pedras peruanas que segura seu sininho até hoje. Também o coraçãozinho de prata, que usa na pata direita.
Segundo Zé da Baixa, tem vaqueiro que costuma notar, de noite, um foguinho aceso no curral. Quando vai ver, é “Fumacinha” acendendo um incenso e mugindo umas canções dos Hare Krishna. Outro vaqueiro mais velho atesta que ela chorou de fazer dó no dia em que John Lennon foi assassinado e que só não foi, agora, pro show de Paul McCartney, no Rio, porque o único caminhão disponível já tinha sido fretado pelo bode da loló, que levou amigos e cabritas.
Zé confessa que não sabe o que levou “Fumacinha” a isso. Se foi a falta de pasto ou a desilusão amorosa com o touro “Carambola”, aquele que passou a se chamar “Caramba” depois de um salto mal dado por cima da cerca de arame farpado, onde ficaram as bolas.
Outros acham que foi um macaco que andou pela cidade tempos atrás, que tinha um embornal de onde saía o diabo. Dizem que esse macaco mora hoje na Colômbia.
(Crônica publicada no jornal A Tarde em 12/5/1990)
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
SUAS ESCULTURAS SÃO IMPACTANTES
Um misto de religiosidade e de protesto em defesa da natureza, num barroco que lembra as obras do “Aleijadinho”, Antônio Francisco Lisboa, que nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto (Minas Gerais), no século XVIII. Na verdade, o artista mineiro lhe serviu de inspiração e lhe deu régua e compasso em suas andanças pelas cidades históricas daquele estado onde “Aleijadinho” deixou suas marcas eternas, como legado para a posteridade.
Estou falando de Jota Vieira, um escultor baiano de Carinhanha, que está expondo seus trabalhos na Casa Memorial Regis Pacheco, com mais de 30 peças. Suas esculturas são impactantes (ele tem um olhar também para as questões sociais) que deixam o visitante deslumbrado ao ver sua sensibilidade expressa em seus traços nas fortes imagens da Santa Ceia, de Nossa Senhora da Conceição, do Sagrado Coração de Jesus, dentre outras esculturas de cunho religioso.
Como o uso da madeira (cedro e umburana, principalmente) e da argila, Jota Vieira apresenta personagens da nossa cultura, como do pescador, além de figuras afros, no caso do negro escravo acorrentado e sendo castigado pelo patrão. Com troncos de madeira reaproveitáveis, Jota Vieira chama a atenção quando utiliza as duas faces de suas peças com esculturas distintas. Numa delas, o artista faz seu protesto contra a ação agressiva do homem ao meio ambiente. Sua arte é religiosa e de denúncia quando mostra numa de suas esculturas a imagem de um Tuiuiú, ave símbolo do Pantanal, sapecado pelo fogo.
De família pobre, Viera começou a fazer suas esculturas desde menino com seus carrinhos de brinquedo. Ainda jovem foi gari e pedreiro, mas tinha um dom divino adormecido em sua alma, tanto que só veio mesmo a se profissionalizar a partir de 2006. Sua exposição já percorreu várias cidades, inclusive Salvador, e é digna de uma apresentação internacional.
Como todo artista neste país, que luta sozinho para compartilhar seu talento com os outros e sobreviver, Jota Vieira precisa de apoio dos poderes públicos e dos empresários para divulgar suas obras pelo Brasil e pelo mundo a fora. Uma das iniciativas seria a impressão de um catálogo sobre suas esculturas, sua trajetória de vida e sua técnica diferenciada de esculpir, com tanta precisão e realismo. Não deixem de visitar e apreciar a exposição de Jota Vieira.
EM MINHAS CEIAS
Autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário
Por que os poetas,
Não mais protestam
Contra a injustiça social,
O depravado capital,
Só querem falar de amor,
De sofrência e flor,
Acham que agruras,
São palavras feias,
Como em minhas ceias.
Em minhas ceias,
Consome-se a fome,
Tem pirão d´ água,
Feijão aguado,
Paçoca de Ouricuri
Carne seca e mocotó,
Com farofa de morotó.
Minhas ceias,
São feitas de teias,
Do sangue da guerra,
Do fogo que sai,
Das entranhas dessa terra,
Sem cheiro de alecrim,
Nem lírio e jasmim.
Nas ceias desses poetas,
Só ouço o canto do Bem-te-Vi,
Toda vida é doce e bela.
Como se fosse uma aquarela.
Minhas ceias são diferentes,
Falo dessas gentes,
Das luas cheias e minguantes,
Dos pobres retirantes,
Que vivem nas correntes
Como se fossem dementes.
Minhas ceias
Têm lágrimas
De penitenciárias e cadeias.
Minhas ceias
Nascem do sertão forte,
Da luta e da morte;
Brotam das minhas veias,
Minhas ceias,
Não existem sereias,
Saindo do mar
Tem poluição do ar.