O PODER DAS PALAVRAS E DAS FALAS
“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal”. Nos filmes policiais, os soldados norte-americanos sempre falam isso para o preso. É uma garantia de não autoincriminação, segundo a qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si.
Aqui no Brasil o militar não quer conversa (qualquer palavra é desacato à “autoridade”) e joga o cara do alto de uma ponte, ou atira a queima roupa pelas costas. Lá também acontecem absurdos como do negro que foi sufocado com o joelho na garganta e ele apenas conseguiu balbuciar alguma palavra de que estava morrendo.
No entanto, não é propriamente desse assunto da violência brutal que quero tratar. O tema específico é sobre o poder da palavra ou das palavras, que vem lá do homem neandertal até chegar ao nosso sapiens que deturpou os conceitos, com línguas que mais parecem uma torre de Babel.
Quem já não disse “palavras são apenas palavras”, mas elas são a arte do bem falar. Umas para o bem, outras enganosas para o mal. O vigarista golpista, na maioria conhecido como bom de lábia, usa a palavra para ludibriar as pessoas.
O poder das palavras com suas frases está nos grandes pensadores, filósofos e políticos. Eu posso construir aqui um pensamento meu e colocar na boca de um desses famosos e, com certeza, terá valor, mas se disser que pertence a mim, não terá mais importância.
A palavra sai da boca, mas ela é formulada a partir da mente e do pensar, muitas vezes branda, lógica e respeitosa. Outra pode ter o efeito de uma faca afiada no calor da raiva, ou sem nexo, sem contexto, equivocada e tendenciosa. Numa discussão, o silêncio não deixa de ser uma palavra valiosa, dependendo da interpretação do opositor.
Cuidado com o que fala ou vai falar! Adverte o mais cauteloso, pois é assim que regem as normas da sociedade moralista, que não admite xingamentos e palavrões, se bem que são admissíveis na hora e nos momentos certos de desabafo e protesto. A palavra já levou muita gente à forca, às prisões e às fogueiras da inquisição. Difícil não falar uma palavra comprometedora diante de uma cruel tortura.
Na literatura, as palavras têm vários gêneros, tanto falada como a escrita. No sentido poético, elas podem ser líricas, telúricas, românticas, épicas, condoreiras, de realismo fantástico, expressionistas e impressionistas, bucólicas, bíblicas, objetivas e subjetivas, metafóricas, parabólicas e por aí vai.
Confesso que nas palavras aprecio muito os ditados populares criados pelos nossos ancestrais, como quem não tem cachorro caça com gato; boa romaria faz quem em casa fica em paz; antes só que mal acompanhado; em terra de cego quem tem um olho é rei; amor é como pirulito, começa doce e termina no palito; falar é fácil, fazer é difícil; a melhor resposta é aquela que não se dá; pão comido não é lembrado; uma mão lava a outra; antes tarde do que nunca; pedra que muito rola não cria limbo; e temos por aí centenas de milhares na boca do povo.
Na real, caramba! Elas podem ser benditas e malditas, vãs jogadas aos ventos e eternas nos tempos produzidas por grandes filósofos, políticos e escritores. Podem ser mentirosas, vaidosas, ambiciosas, gananciosas, falsas como certos “amigos” interesseiros e verdadeiras.
Podem ser de amor, de paz, de tristeza e alegria ou estar no grito de guerra que brota da terra. Elas estão nas ondas do mar, nas florestas, nas águas correntes, nas cachoeiras, nas montanhas uivantes, na nascente e no poente do pôr do sol. Estão no olhar, no aperto de mão, no abraço que pode ser até de tamanduá, na solidão, na saudade doída, no beijo e no coito sexual suave, carinhoso ou selvagem.
– Não acredito em suas palavras e em nada do que você fala. Isso vale para as pessoas que não cumprem o que prometem ou são desprovidas do conhecimento e do saber. Antigamente para os mais velhos da nossa geração, a palavra tinha o maior valor, tanto que se arrancava o fio do bigode ou da barba como fiador infalível. Funcionava como se fosse uma promissória.
Nos tempos atuais, principalmente em termos jurídicos, a palavra por si só não vale nada. O que conta é o “preto no branco”, o que está escrito no documento com reconhecimento de firma no cartório e claro, com carimbo. Palavra é letra que está na canção da bossa nova, no samba, no pagode, na mpb, no sertanejo de raiz ou não, no forró e em tantos outros ritmos musicais.
– A palavra tem que ser bem empregada na gramática e na frase para não ficar confusa e errada, seja substantivo, verbo, artigo, adjetivo, pronome, conjunção, provérbio, advérbio, no sujeito, no objeto direto e indireto, no predicado e assim por diante – advertiu um amigo, meu professor.
– É, completei que no português ela é bem complicada. Na polissemia uma única palavra pode apresentar vários sentidos, como manga, por exemplo, dentre tantas outras. Com escritas diferentes e pronúncias parecidas podem nos confundir como, sessões, secções, seções, ratificar e retificar. Existem as parônimas e as homófonas, como alto e auto, concerto e conserto, sela e cela, assento e acento, iminente e eminente, descrição e discrição, comprimento e cumprimento.