A princípio não se deve comemorar a morte de nenhum ser humano, mas não concordo com bajulações depois que a pessoa se vai para o outro além. Tem gente que passa na vida e não deixa rastros, uns são controversos e polêmicos, outros deixam bondade e generosidade, tem os malfeitores e ainda aqueles que se eternizam em suas obras culturais, seja na música, na literatura, no teatro e demais linguagens artísticas.

No caso particular, estou me referindo ao falecimento do economista Delfim Neto, com 96 asnos, que o conheci pessoalmente nas minhas lidas jornalísticas como repórter de economia do jornal A Tarde nos anos 70, 80 e início dos 90 quando vim para chefiar a Sucursal de Vitória da Conquista, precisamente em abril de 1991.

Pois bem, o Delfim já morreu e não pode mais se defender, mas acho uma cara de pau declarar numa entrevista ao jornalista Pedro Bial que não sabia da existência de uma ditadura no Brasil, e mais, que nunca falou que “devemos primeiro crescer o bolo para depois dividir”, como forma de distribuição de renda para os brasileiros.

Que ele era polêmico e controverso não existem dúvidas quanto a isso, mas negar a existência de uma ditadura naqueles anos de chumbo é subestimar demais a inteligência dos outros, principalmente partindo de um homem tão inteligente como era, que fazia parte do staff de ministros nos governos militares de Costa e Silva, Médici e João Figueiredo.

O mais incrível é que Delfim foi um, entre outros do governo de Costa e Silva, que assinou o AI-5 naquele fatídico 13 de dezembro de 1968, que eliminava por completo todos direitos humanos, fechava o Congresso Nacional e proibia, na base da força, a liberdade de expressão. Naquela época, o fato de duas pessoas conversando já era considerado como reunião, e uma reunião era conspiração passível de prisão.

Com toda sua inteligência sagaz e astuta, ele assinou um decreto sem ler ou um papel em branco? Como ministro de vários governos não sabia o que estava acontecendo? Naqueles anos, até um adolescente de 14 ou 15 anos sabia que o Brasil vivia uma ditadura civil-militar-burguesa. O argumento de que não se comentava isso entre os ministros beira a uma inocência incalculável, e até um analfabeto não acredita nesse sofismo singular.

Quanto a “vamos fazer crescer o bolo da economia para depois dividir”, eu sou testemunha viva da sua voz quando cobria suas palestras a empresários em hotéis de luxo em Salvador e em entrevistas coletivas jornalísticas. Com isso, engordou os cofres das empresas e deixou o povo mais pobre, sobretudo o trabalhador que não tinha direito de protestar (os sindicatos eram amordaçados) e era explorado. Nós jornalistas tomamos muitas cotoveladas de seus seguranças.

Com todo esse papo, Delfim Neto, o mais jovem dos ministros, foi o grande mentor da miragem do milagre brasileiro de crescimento de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) e sustentáculo do regime.  Foi a época dos petrodólares árabes que entraram no Brasil e deixou o país endividado na crise do petróleo nos anos 1978/79.

Como jornalista, cobri e acompanhei de perto todos aqueles fatos. Tudo não passava de uma farsa e maquiagem de dados, enquanto nos porões da ditadura centenas de presos políticos eram torturados, mortos e desaparecidos. Dá para acreditar que ele não sabia que exista ditadura? Essa é mais uma face do que foi o regime.

Os grandes contratos de obras, como a Rodovia Transamazônica fracassada, que massacrou nossos índios, linhas férreas, ponte Rio -Niteroi, Hidrelétrica Itaipu e tantas outras eram dados aos amigos dos generais, muitos deles colaboradores do regime, que encheram as burras de dinheiro e contribuíram para aumentar mais ainda a concentração de renda. Aliás, ainda convivemos com a herança daqueles tempos. Não nos faça de bestas e idiotas!