Zaratustra estava caminhando por suas montanhas e bosques quando passava um singular cortejo de dois reis adornados de coroas e faixas de púrpura. Diante deles ia um jumento carregado. Zaratustra pensou consigo e falou em meia voz: “Que querem esses reis aqui em meu reino, caso raro, dois reis e um asno”!

Essa narrativa está no livro “Assim Falava Zaratustra”, do filósofo alemão Nietzsche, no capítulo “Diálogo com os Reis”. Os dois ouviram alguma coisa na moita e imaginaram ser algum pastor de cabras ou um ermitão. Um deles disse que “a absoluta ausência da sociedade também prejudica os bons costumes”.

No diálogo, o outro replicou que “antes viver com ermitões e pastores do que com nossa plebe dourada, falsa e polida, embora a ela se costume chamar a boa sociedade, a nobreza. Veja aqui que Nietzsche classifica a nobreza de plebe dourada.

Na conversa, um afirmou para o outro que ali tudo é falso e corrompido, a começar pelo sangue, graças a estranhas e malignas enfermidades e a piores curandeiros.

– O melhor para mim e o que hoje prefiro é um camponês sadio, tosco, astuto, tenaz e resistente. Hoje o camponês é o mais nobre, o melhor que temos e a raça dos camponeses deveria reinar. Vivemos, porém, no reinado da plebe, num amontoado. Já não me iludo mais – assinalou um deles.

O outro respondeu: “Amontoado de massas. Ali tudo está misturado: O santo e o bandido, o fidalgo e o judeu e todos animais da arca de Noé”.

– Os bons costumes! Entre nós tudo é falso e corrupto! Já ninguém sabe reverenciar. Disso, justamente, é que nos devemos livrar. São cães domesticados e importunos. Ocupam-se em dourar palmas – exclamou o outro.

– O desgosto que me sufoca é nos termos nós mesmos, reis, tornado falsos e nos cobrirmos e nos disfarçarmos com o fausto passado de nossos ancestrais. Não passamos de medalhas para os mais tolos e os mais astutos e para todos os que hoje traficam com o poder!

Ao ouvir tudo isso, Zaratustra saiu de lá e se apresentou. Ressaltou   ter gostado quando os reis disseram para que servimos ainda nós, os reis. “Aqui estais em meu reino e sob o meu domínio. Talvez aqui possais encontrar pelo caminho o que eu procuro, o homem superior”.

Eles falaram que a espada da palavra de Zaratustra cortava a mais profunda escuridão de seus corações. “Descobristes nossa angústia porque nós vamos em busca do homem superior a nós. Para ele trazemos este jumento”.

Então, Zaratustra resolveu dizer uns versos para os reis: “Nunca o mundo caiu tão baixo – enfatizou. – Roma se tornou prostituta e antro de prostitutas. O César de Roma degenerou em besta. O próprio Deus se tornou judeu. Os reis gostaram do que ele falou.

Em seguida, revelaram que os inimigos de Zaratustra nos mostravam tua imagem num espelho. Vimos a figura de um demônio de riso sarcástico, de modo que nos amedrontaste. Que nos importa seu semblante”!

Ao se dirigirem a Zaratustra, disseram ser preciso ouvir aquele que nos ensina que “deveis amar a paz como meios de novas guerras e a breve paz mais do que a prolongada”!

–  Ó Zaratustra! A estas palavras ferveu em nossos corpos o sangue de nossos pais. …Nossos pais tinham sede de guerras, à semelhança dessas espadas.

Quando os reis falaram da felicidade de seus pais, Zaratustra sentiu vontade de zombar daquele ardor pelas guerras, porque eram reis pacíficos… Zaratustra, então, levou os reis até sua caverna para prosear.