“É um pecado organizar uma programação cheia de artistas sem ligação com a nossa história. É preciso manter a nossa identidade. Querem transformar nosso São João em um show de horrores, em um festival de breganejo” – desabafa o forrozeiro Alcymar Monteiro que neste ano está homenageando Luiz Gonzaga e Dominguinhos.

“A programação é cheia de cantores que não têm relação nenhuma com a nossa tradição. Não pode acontecer o que vem acontecendo, os cantores do forró tradicional, xote, baião ficam fora da grade de atrações. Essa responsabilidade é das autoridades públicas, dos prefeitos e secretários de cultura” – outro grito de desabafo do artista Genival Lacerda. Elba Ramalho também entrou no protesto com o sonoro “Devolva o meu São João”.

Com o argumento fajuto e esfarrapado de que é disso que o povo gosta, o que não é verdade, mas uma negação da nossa cultura nordestina, os prefeitos empurram os safadões, sertanojos, os arrochas, os pagodes, as lambadas e até o axé music nos palcos e barracões das festas juninas com altos cachês, muitos dos quais superfaturados.

É uma pena ver uma tradição secular advinda da mistura portuguesa-europeia, da africana e indígena na vestimenta, na comida, nas cantorias, nas bebidas e nos costumes do fogaréu morrendo como a Asa Branca que foge do sertão por causa da seca. Como no canto de Patativa do Assaré, é uma “Triste Partida” que deixa para trás a terra e os pertences mais estimados do nordestino.

O nosso São João do interior foi invadido por uma legião de bárbaros esfomeados por dinheiro, com seus rebolados e bumbuns de fora hipnotizando um povo desprovido de conhecimento e saber cultural que, por isso, é iludido por esses falsos artistas. São uns oportunistas conluiados com os prefeitos que só pensam em capitalizar votos.

Deveria ter uma lei severa de proteção desse patrimônio cultural, obrigando a manutenção de todas as manifestações e expressões juninas. Não se sabe qual maior estrago, se as estiagens que levam rebanhos e lavouras do semiárido, ou se esses aproveitadores que descaracterizam nossas festas juninas.

A escassez não é só da música forró pé de serra, a autêntica, tão defendida por Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Zé Dantas, Dominguinhos e seus seguidores. Hoje na festa, dificilmente você encontra um quentão ou um licor pra tomar. Só saem o uísque, capeta, cerveja e conhaque. Na comida é raro encontrar um milho assado, o cozido ou seus derivados (canjica, pamonha, o bolo de fubá). Os trajes são horríveis e as brincadeiras são outras materializadas no consumismo.

Sou ainda da velha opinião e defendo que o forró não deve ser misturado a outros ritmos, com a alegação de que os tempos se modernizaram e estamos na era da internet, introduzindo instrumentos eletrônicos e danças esquisitas, inclusive com letras pejorativas. Tudo isso só demonstra decadência e pobreza artística.

O mais grave do poder público não é fazer a festa nesta época de crise econômica, política, moral e ética em que atravessa o país, onde a população de muitos municípios sofre com a seca, mas permitir e consentir que a tradição seja desfigurada por cantores bregas que nada têm a ver com o nosso São João, o maior patrimônio cultural nordestino. É um crime o que estão fazendo há anos com a festa. Como disse Elba Ramalho: “Devolva o meu São João”.