Poema inédito de autoria do jornalista e escritor Jeremias Macário

Seu vigário, a sua benção,

Vim aqui me confessar,

Contra o Senhor Deus blasfemei,

Pensei muitas vezes em me matar,

Nesse solo do meu sertão,

Só tenho levado pancada e reio,

Confesso, seu vigário,

Que nem Nele mais creio.

 

Seu vigário, sou da terra lavrador,

A minha mulher perdi no parto,

Nem o menino mirrado vingou,

Sempre roguei pela chuva da vez,

Carreguei cruz e pedra em procissão,

Com toda fé, como ensina a religião,

E nesse ano, seu vigário,

Perdi tudo e a minha última rez,

Toda noite choro em meu quarto,

Nunca a ninguém desejei mal,

Dessa vida miserável, estou farto,

Seu doutor me prometeu água,

E só me mandou mais castigo e sal.

 

Seu vigário, no confessionário,

Ouviu todo seu triste lamento,

Viu em sua velhice o seu tempo,

Lá fora só batia o seco vento,

E disse, filho você não pecou,

Quem pecou foi o vosso patrão,

Que nos rouba e nos engana,

Como lobo e a hiena da savana,

De todos nós fez pano de chão,

E da sua velha surrada batina,

De tanta teologia e língua latina,

Da filosofia extraiu todo senso,

Dela tirou o amarrotado lenço,

E suas lágrimas caindo enxugou,

Abençoou o penado nordestino,

Aquele homem sofrido e franzino.