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O RESGATE DO MÉXICO

Nos anos 1940 e 1950 os filmes musicais de Hollywood misturavam as culturas do México e do Brasil, com Carmem Miranda cercada de rumbeiros dançando imitações de samba. As coreografias e figurinos binacionais (ou tri, porque Cuba também entrava na dança) viravam uma coisa só em um conceito definido como South American Way, como se a América do Sul começasse no rio Grande e incluísse o Caribe. Com o correr do tempo Hollywood e Washington perceberam que havia diferenças fundamentais entre os dois países permeando a identidade latino-americana que os une.

Uma identidade lastreada no mesmo tipo de conformação étnica de ambos (ibérica-indígena-africana), nas suas histórias de colonização e escravidão, nas guerras de independência. Em outro aspecto identificador, o fato de serem os países mais populosos e as maiores economias da América Latina e, também, a amizade que une seus povos. Nas últimas semanas escrevi neste blog sobre países da América Latina e amigos mexicanos me perguntaram por que o Brasil está tão distante do México em um momento em que o México está pedindo socorro, mencionando os apoios brasileiros a Argentina e Cuba.

O México vive um dos piores momentos de sua história de quase meio milênio, resultado de uma corrosiva aliança entre poderes institucionais e o crescente poder do narcotráfico. Uma situação que começou a se desenhar no final da década 1980, na fronteira com os EUA e no contato com distribuidores de drogas estadunidenses. Praticamente todo o território mexicano está contaminado pelo crime, bastando citar a ação do grupo Zetas, braço armado do Cartel do Golfo, o maior de todos, que submeteu as pequenas quadrilhas (sequestradores, traficantes de imigrantes ilegais e de armas, narcotraficantes varejistas, agentes da prostituição, ladrões de carros, punguistas, etc) ao seu comando único.

A violência é inaudita, com métodos que vão da decapitação em massa de adversários e renitentes a massacres de jovens estudantes. O poder do estado é, a cada dia, mais frágil do que o poder do tráfico. É como se fosse uma Nigéria do narcotráfico (falo da Nigéria do Boko Haram, do radicalismo religioso; a propósito, México e Nigéria são países emergentes e repúblicas democráticas).

O grande artista plástico e neólogo mexicano Felipe Ehrenberg, que morou no Brasil como adido cultural (também ator nos filmes Crime delicado e O amor segundo B. Schianberg de Beto Brant) é um desses amigos que esperam uma atitude do Brasil frente à catástrofe do México. Segundo ele, “o miolo do assunto são os novos processos e as novas táticas de desestabilização aos quais o México está sendo submetido e que substituem as invasões armadas”. Entre essas táticas está a monitoração da informação oficial e das redes sociais pelas máfias e, em outro nível, a perfuração eficiente e efetiva dos serviços de segurança por parte dos EUA: “esses serviços e agências de inteligência foram ocupados em 100% em 2011, após o atentado ao Casino Royal em Monterrey”.

Enfim, um caos que tem tudo a ver com a frase do ditador Porfirio Díaz (morto há um século) alçada a dito popular: “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. É essa proximidade que também influencia nas diferenças entre México e Brasil, incluindo a necessidade que os mexicanos sentiram, também há um século, de fazer uma revolução popular e a reforma agrária, caminhos que o Brasil não trilhou. Em tempos recentes o México se aliou ao modelo neoliberal e funcionou como elemento de pressão dos EUA contra o Brasil e outros países latino-americanos que optaram por modelos próprios — e também por relações menos dependentes com os EUA.

Mais de 85% do comércio exterior do México é com os EUA e, como é a parte mais fraca, quando a economia estadunidense cai um pouco a do México cai muito, quando a economia-mater cai muito a do México desaba. É nessa gangorra entre a submissão econômica ao grande vizinho e a desgraceira da junção do narcotráfico com corrupção institucional que vive o belo México de Agustin Lara, Diego Rivera, Frida Kahlo e dos mariachis. Brasil e México se distanciaram politicamente (com as devidas consequências econômicas) quando assumiram suas respectivas presidências o “intervencionista” Lula e o neoliberal Vicente Fox, no início do século. Nos últimos onze anos a economia brasileira cresceu mais de 45% e a mexicana ficou em volta dos 30%. A pobreza absoluta foi reduzida a 15% da população no Brasil e aumentou para 51% no México. A inclusão social bateu recordes no Brasil e diminuiu drasticamente no México.

Como sair dessa enrascada se as causas dela continuam atuantes e tão próximas como antes? Tão próximas que ocuparam 55% do território original mexicano, da terra mexicana. Felipe Ehrenberg acredita que está sendo traçado o desenho de uma guerra civil. Estou de acordo com ele e com os outros amigos mexicanos que pedem socorro ao Brasil, mas não creio que uma ação isolada do gigante sul-americano resulte em alguma coisa: quem deve e tem de acudir o México é toda a América Latina. Resgatá-lo.

Por Orlando Senna

Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.

Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.