ITAMAR INDICA E COMENTA ARTIGO DE ORLANDO SENNA
Dilma, Marina e o audiovisual
Como se diz aqui na Chapada Diamantina, “eleição e mineração só depois da apuração”. Tudo pode mudar, já que “política é como nuvem”, mas as pesquisas de intenção de voto para a presidência da República apontam Dilma e Marina enfrentando-se em dois turnos. E tecnicamente empatadas em ambos. O próprio Lula disse que estamos vivendo “o mais longo segundo turno da história”. Como essas duas mulheres guerreiras estão planejando a política audiovisual de seus possíveis governos?
Em seu plano de governo Dilma promete basear sua política cultural em três linhas: valorização da cultura nacional e diálogo com outras culturas, democratização dos bens culturais e da comunicação, instalação de um Sistema Nacional do Incentivo ao Esporte e Lazer (com instalação de 800 praças de esporte, cultura e lazer em todo o País).
Basicamente, Dilma se compromete a dar continuidade e desenvolver os programas culturais do governo Lula, assentando-se nos bons resultados obtidos pela extensão a todo território nacional das ações e recursos federais, pela inclusão social através da arte, pelos Pontos de Cultura e Sistema Nacional de Cultura. Enfatiza a implantação plena e o crescimento do Vale Cultura, mecanismo que proporcionará uma “nova geração de consumidores culturais”. Quanto à indústria audiovisual, aposta no programa Brasil de Todas as Telas, que teve grande impulso em 2013 e 2014. Leia-se: a Ancine será ainda mais fortalecida.
Marina insere o assunto no capítulo Educação, Cultura e Ciência, Tecnologia e Inovação de seu plano de governo. Exerce a oposição baixando o pau na atuação cultural do governo Dilma e na Ancine, mas resgata conceitos do Ministério Gilberto Gil, como a permeação da cultura em todas as esferas sociais, e dará continuidade aos Pontos de Cultura e ao programa Cultura Viva. Enfatiza o fomento às indústrias criativas e o fim do “descompasso entre as políticas educacionais e culturais”, que considera “áreas articuladas”.
Promete aumentar o orçamento do Ministério da Cultura, reordenar o aparelho burocrático, otimizar a gestão e programação dos equipamentos culturais públicos, criar fundos para o fomento à inovação artística. A inovação artística praticamente centraliza seu projeto, inclusive na promessa de diminuir o peso da viabilidade comercial como critério para financiamento. Anuncia uma “nova Ancine”, uma reestruturação da agência através da mudança dos mecanismos de composição da diretoria, transparência nos processos internos, mudança nos critérios de seleção de projetos e uma nova Lei Federal de Incentivos Fiscais.
No inicio da semana o Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual e a Motion Picture Association publicaram pesquisa sobre o impacto econômico do segmento cinematográfico no Brasil (apenas uma interface da indústria audiovisual), revelando um faturamento anual de 42,8 bilhões de reais. Os cálculos a partir dessa informação é que o faturamento de todo o setor deve estar chegando aos 3% do PIB e em breve estará entre os maiores da nossa economia. Pela primeira vez li nos jornais e vi na TV economistas e jornalistas econômicos conservadores dizendo que a crescente importância dessa atividade está carecendo de melhor legislação.
A propósito, nem Dilma nem Marina mencionam a regulamentação dos artigos da Constituição de 1988 que tratam da mídia. É um tema de vital importância para o desenvolvimento equilibrado da indústria audiovisual brasileira. Vamos ter um marco regulatório audiovisual, como já temos o da internet? Como eleitor fico coçando a cabeça, tentando adivinhar o que pensam sobre isso Dilma e Marina, nossas destemidas presidenciáveis.
Dilma, Marina e o audiovisual II
As presidenciáveis Dilma e Marina reuniram-se esta semana com artistas e intelectuais para expor e discutir seus programas de governo referentes à cultura, incluindo a atividade audiovisual. Dilma e Lula falaram para mais de mil pessoas em um teatro no Rio. A mídia ressaltou os cem convidados que estavam no palco, como se a reunião fosse apenas com eles e expondo, querendo ou sem querer, um deslize na organização do evento, que ocasionou algum mal estar nos “da platéia” (uns poucos se retiraram, sentindo-se “diferenciados”).
Dilma fez autocrítica ao afirmar que houve uma parada na expansão dos Pontos de Cultura e apresentou uma novidade: a utilização de recursos do pré-sal, antes anunciados com endereço exclusivo para educação e saúde, também para fomento à cultura. Artistas defenderam uma distribuição mais substantiva de recursos fora do eixo Rio-São Paulo. Lula disse não saber se Marta Suplicy continuará como ministra da Cultura no próximo governo, reforçando uma ovação ao ex-ministro Juca Ferreira, candidato explícito ao cargo.
Marina reuniu-se com algumas dezenas de profissionais da cultura em São Paulo, que resumiram as principais reivindicações de cada segmento a partir de 600 propostas coordenadas por Célio Turino, responsável pela área cultural do programa de governo marinista e distribuídas online. Entre elas, políticas públicas consistentes para TVs e rádios comunitárias e reformulação do aparato público do audiovisual (Ancine, incentivos fiscais, Fundo Setorial do Audiovisual). A prioridade, segundo a própria Marina, é aumento de recursos, desburocratização e facilitação ao acesso aos meios, incentivos e financiamentos. A tônica geral, como já havia anunciado, é a convergência, ou “entrelaçamento”, entre educação e cultura.
No Rio, Marina conversou com um pequeno, mas representativo grupo de artistas (Gilberto Gil, Marcos Palmeira, Jorge Mautner, Bia Lessa, Guel Arraes entre outros), repetindo o repertório de São Paulo e destacando a necessidade de planos sólidos de cargos e salários para os servidores do setor e a garantia de não haver contingenciamentos de recursos para ações culturais.
Enquanto isso, a partir de um artigo do presidente da Ancine, Manoel Rangel, o setor audiovisual viveu uma semana de debate pontual e aprofundado, desenvolvido principalmente na internet. Rangel listou informações sobre o grande salto do audiovisual durante os governos petistas: de 3,55 milhões de assinantes de TV em 2002 para 19,1 milhões; de mil e 600 salas de cinema para duas mil e 800; de 91 milhões de ingressos vendidos para 150 milhões. O setor cresceu a uma taxa média anual de 9,3% como resultado das medidas de regulação e fomento, destacando o Fundo Setorial do Audiovisual, a Lei da TV Paga, o programa Cinema Perto de Você e o propósito de consolidação dessa política com o programa Brasil de Todas as Telas (investimento de 1,2 bilhão).
Os produtores e realizadores chamam a atenção para o fato de que o financiamento da atividade está sendo deslocado das leis de incentivo para o Fundo Setorial do Audiovisual e isso provoca uma mudança: a primazia da decisão de quais filmes realizar migra dos produtores para os distribuidores. Isso levaria a uma distorção, já que os distribuidores optam naturalmente, como intermediários, apenas para filmes mais vendáveis, ditos mais “comerciais”. E que nenhum grande país produtor fez ou faz essa opção, já que a convivência entre obras criativas e obras de alto consumo são faces da mesma moeda. Uma não pode existir sem a outra. A solução correta, afirmam, é “empenhar-se em buscar formas de associar criatividade a possibilidades de mercado”.
Todos concordam que a Ancine alcançou grandes conquistas, mas que a inclusão de novas platéias apenas via consumo não gera cidadania, não estimula o espectador consciente e crítico, como se supõe seja a intenção de governos progressistas e de líderes como Dilma e Marina. Além de ameaçar seriamente a existência dos produtores independentes, sem os quais uma cinematografia não avança. Os mecanismos de fomento devem atender de maneira equilibrada aos pequenos e grandes, o que significa mais fomento direto aos primeiros e mais opções de financiamento aos segundos. E que o volume do investimento estatal seja igual para ambos lados da moeda.
Os produtores e realizadores planejam enviar um documento às presidenciáveis chamando a atenção para esses pingos nos is e pedindo providências, em nome da soberania nacional, para impedir que um só filme estrangeiro ocupe simultaneamente 70% das telas brasileiras, como vem acontecendo. Providências que não têm a ver com reserva arbitrária de mercado ou coisa parecida, como dizem as grandes distribuidoras multinacionais, mas sim com o desenvolvimento da economia e o respeito à cultura do Brasil. Já somos bem grandinhos para aceitar essas invasões ao nosso bolso e ao nosso imaginário.
Por Orlando Senna
Comentário de Itamar
Saliento que o avanço observado e divulgado no setor do Cinema e Audiovisual no Brasil, durante os governos de Lula e Dilma, se deve em muito à passagem de Orlando Senna nos cargos de Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação Alguns Dados Biográficos: Itamar e Orlando Senna
Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.
Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.