ESTÃO ACABANDO COM O SÃO JOÃO
Reza a história da Igreja Católica que Isabel, prima de Maria, acendeu uma fogueira em sua porta para anunciar o nascimento de João Batista, primo de Cristo. Já na fase adulta, o rei Herodes mandou decepar a cabeça de João a pedido de uma mulher. Bem antes disso, os povos celtas festejavam o solstício do inverno e a época da fartura agrícola, mas foram com os franceses que vieram parar aqui os primeiros passos das quadrilhas. Outras tradições e culturas foram trazidas dos portugueses e do milho e da mandioca aprendemos muitos pratos dos indígenas e africanos. Dizem até que o nome forró veio dos americanos dos Estados Unidos.
Bem, foi um “nariz de cera” até necessário para dizer que, infelizmente, toda esta linda história e suas tradições culturais estão se acabando com o tempo, numa espécie de ave em extinção. Nas cidades são poucas as fogueiras e o forró virou axé, pagode, lambada e arrocha nas mãos irresponsáveis dos prefeitos que só querem ver muita gente na praça e o cantor no palco citando o nome dele bem alto. As bebidas (licor, quentão) e as comidas de milho e derivados de mandioca praticamente desapareceram das praças e salões.
Há muito tempo que venho denunciando a descaracterização criminosa do nosso São João, a maior festa e um dos maiores patrimônios culturais do povo nordestino. Digo criminosa porque a maioria dos prefeitos gasta milhões do nosso dinheiro, contratando artistas e bandas que nada têm a ver com o forró pé de serra, com raras exceções de algumas prefeituras como as de Vitória da Conquista, Piritiba e outras.
É um ato de estupro à nossa herança cultural, sem falar que esses prefeitos estão renegando e desvalorizado os artistas genuinamente forrozeiros da terra e de fora. Deveria ter uma lei aprovada pelos legislativos proibindo prefeito de contratar bandas e artistas oportunistas que aproveitam o São João e com a maior cara de pau saem alardeando por aí que cantam e amam o forró, tipo Ivete Sangalo, Cláudia Leite, Bell Marques, Pablo, Tiaguinho, Cigano, Mastruz com Leite, Aviões do Forró (só no nome), Calcinha Preta e outros tantos alcunhados de sertanejos.
Com esta lei, obrigando que a festa do São João seja realizada rigorosamente de acordo com as tradições culturais do Nordeste, os tribunais de contas, que pouco fazem para punir os malfeitos, poderiam ter mais seriedade e rejeitar gastos escandalosos das prefeituras, inclusive muitos irreais (superfaturados) onde uma parte fica pra eles e seus assessores, com a contratação desses intrusos gananciosos que tomam o lugar dos verdadeiros forrozeiros que cobram bem menos pelas apresentações.
Só para dar um exemplo das aberrações e contradições culturais, a cidade que tem o maior PIB da Bahia, São Francisco do Conde, vai homenagear o forrozeiro Dominguinhos, mas contratou a peso de ouro Ivete Sangalo, Bell Marques, Harmonia do Samba, Calcinha Preta, Pablo e Aviões do Forró para cantarem na festa. Como nos programas de televisão, esses prefeitos só visam a audiência e ainda saem com argumento mentiroso e safado de que o município e o povo vão ter retorno. É falácia e conversa pra boi dormir.
Mas, não é somente no estilo musical que o São João está deixando de existir para dar lugar aos ritmos momescos do axé, do arrocha e do pagode. No lugar das fogueiras nas portas das casas, muitos preferem as espadas assassinas; as quadrilhas juninas são raras porque o poder público alega não dispor de recursos; as bebidas típicas são substituídas por cerveja, refrigerantes, conhaques e uísques; as comidas de milho, mandioca e amendoim por pizzas, churrascos, sanduiches, hambúrgueres, cachorro-quente, linguiças e outras porcarias; e as casas ficam fechadas por causa da violência.
Saudades que tenho das autênticas festas de São João quando ainda não havia o eletrônico das guitarras e das baterias barulhentas quebrando o som mágico da sanfona, do zabumba e do triângulo do velho “Gonzagão” cantando as eternas composições suas e dos companheiros Zé Dantas e Humberto Teixeira! Saudades de pular as fogueiras e fazer as simpatias! Saudades dos sabores dos licores e da canjica, do milho cozido, do mungunzá, do cuscuz, da pamonha e do beiju quentinhos.
Esses prefeitos farofeiros que torram milhões em contratações de artistas algozes do nosso bendito forró, são os mesmo que passam o ano dizendo que as prefeituras não têm recursos para investir na educação, na cultura e na saúde. São eles os mesmo que viram as costas para os talentos tradicionais da terra e os mesmos que transformam a cultura popular numa terra arrasada da ignorância e da alienação.