NO BONDE DA VIDA
(Chico Ribeiro Neto)
Tô em Salvador, final da década de 50. Pego nas Mercês o bonde da Companhia Circular Carris da Bahia para a Praça da Sé.
No Terminal da Sé, depois de despongar do bonde, compro um amendoim torrado na hora que vem naquele funil de papel que sempre esconde no fundo 2 ou 3 caroços.
Caminho com meu Vulcabrás novinho e vou para o Cine Excelsior “pegar uma tela”. Sabe quem sentou do meu lado depois do filme começado? A Mulher de Roxo, figura tradicional da Rua Chile. Estava vestida de noiva, segurava um buquê e ria muito durante todo o filme.
Saio do Excelsior (que soube vai ser reformado pela Prefeitura de Salvador), pego a Rua Carlos Gomes e como um pastel chinês no Good Day. Queijo ou carne? Só tinha duas opções.
Atravesso a rua e quase sou atropelado por uma camionete Studebaker. Xingo o motorista e ele me xinga. Quem mandou ficar olhando pra morena de calça fio Helanca que acabou de passar?
No Relógio de São Pedro compro na mão de um velho um monóculo que mostrava alguma cena picante de um filme impróprio até 18 anos. Mais adiante, vizinho à Igreja de São Pedro, um cara vendia revistas pornô, com desenhos de Zéfiro, que ficavam escondidas dentro de inocentes revistas “Manchete”. A senha era essa: “Tem catecismo?”
Passo na farmácia e compro um Colubiazol, um sal de frutas Eno, um Enteroviofórmio, uma Cibalena e um sabonete Eucalol, aquele que vem a estampa.
Na porta da Lobrás (Lojas Brasileiras) tem uma máquina de fazer sorvete. Tem sorvete de todas as cores, mas acho tudo de um gosto só.
Vixe! Ainda não fiz o dever de casa! Dona Cleonice vai pegar no meu pé assim que eu chegar. O Vulcabrás apressa o passo.
Faço o dever correndo, pois preciso ir encontrar com a turma na esquina das ruas Tuiuti e Gabriel Soares. As meninas passam pra lá e pra cá e adoro os cabelos e o andar de Tânia.
Antes de dormir, depois de rezar uma Salve Rainha, um Pai Nosso e uma Ave Maria, subo no muro pra ver uma balzaquiana, de califon e anágua, se preparando para o Soirée Dançante do Clube Fantoches da Euterpe.
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)