Antigamente os cachorros eram praticamente todos iguais e não tinham esse tratamento especial de hoje (nem todos). Não existiam lojas de Pet Shop e eram raros os veterinários para cuidá-los. Hoje, muitos têm até psicólogos, terapeutas e são melhores tratados que milhares de humanos. No entanto, os cachorros de rua continuam por aí abandonados e ao relento, mas se livraram das carrocinhas malvadas que eram um tormento e chororô.

Tem ainda o cachorro do rico e do pobre, o nordestino e o valentão feroz. Um dia essa cachorrada resolveu se reunir para bater aquele papo sério e contar os seus problemas, vantagens e histórias, como ocorre entre humanos, inclusive crianças, jovens e adultos, uns mais abastados e outros da pobreza. Cachorro também tem divisão de classes e é até marxista comunista.

No encontro, o primeiro a abrir a boca foi o cachorrinho (a) de madama e soltou seu escárnio e desprezo com seus irmãos de rua. Com toda aquela etiqueta e pose de privilegiado foi logo falando.

– Vocês vivem por aí sujos, pulguentos, comendo restos e sobras de comidas que dão, dormindo nas calçadas, marquises e no frio, fazendo suas “vergonhices” trepando até em público. Levam até chutes e pontapés desses brutos. Muitas vezes são até envenenados por importunações.

– Eu tenho casa confortável, como do bom e do melhor, vestido (a), sou vacinado, tenho meu veterinário e a madama me faz aquele carinho gostoso que excita até meu pingolinho. Ela toma banho nu comigo que me deixa doidão. Sou chamado de filho e que faço parte da família. O dono também faz aquele chamego e tem mais: tenho nome de gente famosa, de filósofo, poeta e celebridades. Ah, ganho festa de aniversário com bolos, decoração, velas, presentes e parabéns.

O cachorro (a) rico metido a besta esnobou o quanto pode, mas saiu de lá um vira lata peduro atrevido e outros amigos e começaram a jogar duro contra o serelepe boçal de raça estrangeirada de nomes complicados.

– Vocês não passam de uns manipulados objetos, brinquedos de diversão nas mãos dessas peruas e babacas da elite nojenta. São usados para pura diversão. Sua turma não tem liberdade de correr ruas e avenidas, não sabe se virar para sobreviver e nunca aprendeu atravessar uma rua na faixa certa, sem ser atropelado pelos carros.

Do grupo apareceu outro e disse mais umas boas de olho em riste fazendo tremer os intrometidos. Jogou duro! Como diz no popular, soltou os cachorros nos riquinhos perfumados.

– Experimentam sair por aí pelas cidades e logo serão mortos e massacrados. Vocês só sabem viver em apartamentos ou casas fechadas entre quatro paredes com horário marcado para sair para cagar e mijar fora. Nem têm o direito de transar com o parceiro ou a parceira que quer. O casamento e combinado. Aqui nossa comunidade é socialista onde um ajuda o outro e andamos em bando. A nossa prosa é bem mais interessante que essa conversa mole e fresca de burguês.

No meio da fuzarca, entrou outro de uma raça diferente esquisita e começou aquele bate boca acirrado. Pura baixaria! Os vira-latas chegaram juntos e encararam com dentes cerrados, com intenção de bater forte e partir para a briga. Foi aquela algazarra, e os mauricinhos e patricinhas murcharam as orelhas.

O cachorro nordestino, como cabra da peste, não deixou por menos com uma peixeira do lado.

– Qual é! Quer encarar? Vocês nem sabem nem o que é fome e ser retirante de lugar em lugar. Nosso couro é duro como de jacaré e somos bons de porrada, arretados e não temos medo de fantasmas. Sabemos caçar e já andamos até no cangaço. Botou para quebrar.

Nisso, entraram dois valentões, um rottweiler e outro pit bull, daqueles tipos guarda-costas e leões de chácaras, rosnando como feras selvagens com garras dentárias de estranguladores.

– Ei, vocês todos aí, vamos acabar com essa putaria, com essa pouca vergonha, coisa de cachorrada. Melhor ir circulando cada um para seus lugares, bando de fanfarrões! Querem apanhar?

Interessante! Em nossa sociedade brasileira acontecem coisas semelhantes no aspecto social e comportamental humano. Os mais fortes de poder são os que mandam e obedecem quem tem juízo.