:: 13/jun/2024 . 23:06
CARYBÉ, O ESCULTOR DOS ORIXÁS(I)
(Chico Ribeiro Neto)
Esse foi o título da minha matéria sobre Carybé, publicada na revista “Manchete” número 1.214, em 26/07/1975. A foto é do saudoso Lázaro Torres.
Como a entrevista é um pouco longa, publico hoje a primeira parte da conversa com esse artista, que disse: “Quem está certo é o vira-lata”. Carybé morreu em outubro de 1997.
Segue a primeira parte da matéria:
“A talha monumental em que Carybé deu corpo e alma aos santos do Candomblé provoca, logo à primeira vista, dois fortíssimos impactos que a gente nunca mais esquece. O primeiro, de ordem propriamente artística, deixa o espectador em delírio. Há tanta força naquelas formas, tanta vida naquela madeira, e é tamanha a angústia do artista para iluminar mais ainda os orixás que até os buracos furados na tábua parecem transportar para a composição pedaços do firmamento. O outro impacto é da ordem do labor.
A massa de trabalho bruto que tem aquela talha é qualquer coisa de alucinante. Contam as testemunhas oculares que Carybé, com as mãos totalmente rachadas e os dedos em sangue, vivia com montes de panos amarrados nos braços para poder segurar o cinzel e aguentar a dor, até “esquentar”.
Estes dois aspectos definem a estrutura fundamental da personalidade de Carybé: um artista extraordinário, dotado de uma força de inspiração propriamente genial, e um trabalhador braçal absolutamente invulgar, um cavalo, um monstro. Sobre essas duas vigas-mestras de seu caráter correm então uma porção de traços diferente, contraditórios, tortuosos, difíceis, que fazem desse argentino-baiano um idólatra da liberdade e ao mesmo tempo um intransigente defensor da disciplina, uma alma de boêmio inveterado e um profissional rigoroso que não admite o amador nem mesmo no ramo da boemia. Esse novelo de virtudes e pecados incomuns confere a Carybé um poder de sedução praticamente irresistível.
Uma das conclusões filosóficas a que ele chegou sobre a vida, aos 64 anos de idade, resume sua visão de mundo:
“Quem está certo é o vira-lata. Dorme meia hora, acorda, dá um bordejo pelos restos de feira, dorme de novo, cansa de dormir, se espreguiça, boceja, e sai por aí catando vida no rumo de seu faro. Este negócio de dormir oito horas seguidas está errado. Porque o sujeito tem de ficar sempre de cabeça acesa”.
Carybé chega a essa conclusão refletindo sobre os tempos duros que atravessou antes de conhecer a estabilidade. Trabalhava no jornal “Pregón”, de Buenos Aires. Um ordenado fabuloso, máquinas novinhas, edifício próprio, enfim um jornal tão maravilhoso que tinha de ir à falência. E foi, Corria o ano de 1938 e o jornalista argentino mudou-se para São Salvador da Bahia, cidade pela qual vivia apaixonado. Mas a Bahia, contrariamente à lenda, não dá camisa assim tão facilmente. Sem dinheiro, Carybé foi morar debaixo do Trapiche Adelaide, na praia da Preguiça, partilhando a existência clássica dos que têm por cama uma folha de jornal.
“Foi um tempo maravilhoso, uma época de liberdade fantástica. Sem compromissos, dormia quando me dava sono, andava por aí, ia à Cidade Alta, e estava permanentemente de cuca acesa e limpa. Uma verdadeira vida de cachorro vira-lata”.
Mas nesses bordejos acabou conhecendo Mestre Bimba, criador da capoeira regional, homem respeitado por todas de cais de porto. Mestre Bimba arrumou para o argentino um lugar de foguista num daqueles “Ita” da canção e Carybé veio de porão para o Rio de Janeiro, onde tinha conhecidos com quem podia arranjar alguma grana para desarnar. Arrumou emprego na “Folha Carioca”, depois foi para a “Tribuna da Imprensa” do tempo do Lacerda, e depois para o “Mundo Ilustrado”.
Pela altura de 1950 já se tinha tornado íntimo amigo de Rubem Braga, que o apresentou ao Anísio Teixeira, que falou dele para o governador da Bahia, Otávio Mangabeira. O argentino foi contratado imediatamente pelo governo baiano e ficou trabalhando para o Estado, fazendo painéis para as escolas. Data também dessa época o álbum “Sete Portas da Bahia”, com mais de 300 desenhos. Carybé se estabelecia enfim, definitivamente, no reinado de seus sonhos, nessas terras da Bahia onde sempre desejara viver e morrer. Mas, até chegar lá conheceu muitas terras e longes mares. (Continua no próximo domingo)
(Veja crônicas anteriores em leiamaisba.com.br)
CACHORRO TAMBÉM VAI À SESSÃO
Bem mais comportado do que os humanos barulhentos e mal-educados que ficam tagarelando alto uns com os outros, um cachorro apareceu na sessão especial “Matrizes do Forró”, realizada na última sexta-feira da semana passada pela Câmara de Vereadores (promoção da parlamentar Lúcia Rocha). Pouca gente viu, mas ele chegou sorrateiramente, passou pela plenária e visitou a Mesa Diretora e os vereadores. Assuntou as discussões; fez suas considerações como se não tivesse gostado do que ouviu; e deitou debaixo de uma das cadeiras reservadas à imprensa que não frequenta mais aquele recinto porque cola tudo do boletim virtual. Ficou lá quieto sem perturbar e parlamentar, mas, com certeza, deve ter ficado envergonhado de ver a plenária quase vazia numa sessão tão importante que debatia a história do nosso forró nordestino e sua descaracterização nos tempos atuais. Seu silêncio foi de protesto contra os ritmos de músicas sertanejas, arrochas, de carnavais e lambadas que passaram a dominar as nossas festas juninas. Foi ele quem saiu dizendo que trocaram o Gozagão pelo Safadão em nosso forró. Trocaram a sanfona, o zabumba e o triângulo pelos gritos das guitarras e dos rebolados nos palcos.
APOLOGIA AO SONETO
De autoria do poeta José Walter Pires, extraído do seu livro CREPUSCULARES
Apologia ao poeta Medeiros Braga
Como é belo, poeta, o seu soneto,
Transfigurado numa apologia,
Pois envolto na afável poesia
Fará jus às hosanas no coreto.
Quem sabe sinfonia em branco em preto
Nas notas recheadas de harmonia
Da batuta de plena maestria,
Como busco glosar neste dueto.
Desde Petrarca, o pai da criação
Transcende com a sua plenitude,
Trazendo na estrutura perfeição.
Por certo, resistiu, heroicamente,
Aos riscos enfrentados de amiúde,
Reinando virtuoso, plenamente.
- 1












