Nesse dia de 31 de março de 1964 (na verdade o golpe foi 1º de abril – dia da mentira), o general Olympio Mourão (o outro) desceu a serra de Juiz de Fora (MG) e começou a quebrar com toda ordem constitucional, em nome de uma salvação ilusória de tirar o país das trevas comunistas. Foi o maior atentado à democracia no Brasil que, de início, com uma propaganda midiática dos Estados Unidos de uma Guerra Fria, contou com a adesão de uma camada de civis, da Igreja e até da Imprensa.

Um ano depois, em 1965, esses apoios foram sendo retirados porque a nação se sentiu traída (prometeram eleições livres), e piorou mais ainda com o AI-5, de 13 de dezembro de 1968. Cinquenta e sete anos depois, infelizmente, estamos sentindo esse mesmo cheiro de enxofre no ar, com os generais fazendo Ordem do Dia, negando toda a história, e assegurando que foi um movimento marco da democracia.

OS TORTURADOS POLÍTICOS

Eles poderiam, pelo menos, respeitar a memória dos torturados políticos mortos nos porões fúnebres da ditadura civil-militar (fuzilados e esquartejados) e dos seus familiares que até hoje ainda choram pelos seus entes queridos. Deviam respeitar, pelo menos, esse momento terrível de pandemia da Covid-19 que já matou quase 320 mil brasileiros, uma população inteira de Vitória da Conquista. Eles hoje, que estão encastelados no governo, têm uma grande parcela de culpa por essa mortandade que poderia ter sido evitada.

Monumento na Praça Tancredo Neves, em Vitória da Conquista, em homenagem aos tombados durante a ditadura civil-militar de 1964. Foto do jornalista Jeremias Macário

Eles deveriam respeitar as famílias enlutadas e focar suas energias autoritárias para reparar seus erros, e adquirir vacinas suficientes para imunizar toda nossa população. Não é hora de ficarem ai dividindo e tentando reescrever nossa história, com levianas mentiras. Tudo isso é por conta de uma anistia (1979) que não teve reparação das atrocidades cometidas e deixou as feridas abertas em nossos corações dilacerados.

De lá para cá, o nosso país nunca mais foi o mesmo, vivendo uns altos e baixos em seu desenvolvimento econômico, educacional e social, culminando com esse caos de atraso político ideológico fascista, com cheiro de enxofre no ar. Esse seria o momento de reconciliação, de paz e não de criar mais ódio, intolerância e divisão entre um povo tão sofrido.

Não é momento, e nunca será, senhores generais, de comemorar um passado que só nos deixou más recordações, não importando seus argumentos inconsistentes e não convincentes. Pelo menos, lembrem, senhores generais, que foi um passado de sangue, e mirem nos exemplos dos nossos países vizinhos (Uruguai, Argentina, Chile, principalmente) que puniram os torturadores, e não tentam hoje mudar suas histórias.

É muito estranho a saída de três generais de comando das forças armadas de uma só vez, isto depois do processo de redemocratização há pouco mais de 30 anos. O ministro da Defesa, que foi exonerado, não estava alinhado ao pensamento do capitão-presidente que queria decretar estado de sítio no país, e continua com a maldita ideia de uma intervenção militar, fora os seguidores aloprados que defendem uma reedição do AI-5, ou sei lá, um AI-6.

Infelizmente nossa juventude, que pouco conhece sobre nossa história, e gente inclinada ao autoritarismo, entram na onda da negação de que não houve uma ditadura no Brasil que matou mais de 500 pessoas e torturou milhares que contestaram o regime dos generais dos cincos governos militares.

Não sabem que houve um golpe dentro do golpe, em 1968, com total censura à imprensa, corte dos direitos civis, cassação dos políticos em geral considerados subversivos e fechamento do Congresso Nacional. Naquela época, não se podia nem realizar reuniões, e a ditadura dizia ter o poder de adentrar no pensamento individual.

Hoje, eles falam em movimento e até revolução, argumentando que as forças armadas foram chamadas pelos civis, pela Igreja (pátria, família e tradição) e pela mídia, para manter a ordem ameaçada pelo totalitarismo comunista. No entanto, esquecem de dizer que entre meado e final dos anos 60 para início dos 70, praticamente todos esses setores da sociedade se arrependeram do apoio e se posicionaram contra as barbaridades do estado de exceção.