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:: 26/jul/2019 . 22:42

NÃO FAÇA DEBOCHE COM NOSSO NORDESTE

Somos Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão e Ceará; de terra árida, semiárida; de espinhaço sertanejo cinzento retorcido pela seca e colorido de paisagens floridas das chuvas; de gente brava e forte; de pele negra e mestiça que nas veias corre o sangue da cultura popular, da poesia cantada em versos, do repente, do cordel, da oratória e dos intelectuais escritores que encantaram o Brasil e o mundo com suas lendas, mitos, seus contos e histórias. Somos o Nordeste rico e desértico empobrecido pelo abandono das políticas discriminatórias de governos a serviço do lucro do capital.

Somos sim, todos “Paraíbas” de Ariano Suassuna, de José Lins do Rego, de Geraldo Vandré, de Zé Ramalho, de Elba Ramalho, de grandes repentistas, cancioneiros e forrozeiros, e não do seu conceito chulo, ridículo e pejorativo, sr, capitão-presidente, que nega que exista fome no Brasil; desmente pesquisas de instituições renomadas como do IBGE, do Inpe que mapeia os desmatamentos, do Ibama e do IcmBio que querem preservar o meio ambiente; que pretende censurar nosso cinema e extinguir a Ancine; e que ainda insiste em dar um file mignon ao seu filho, colocando-o como Embaixador do país nos Estados Unidos porque aprendeu fritar um hambúrguer e entregar pizza em Washington.

A REPULSA NORDESTINA

Essas coisas sim, são ridículas e não merecem muitos comentários, mas a   repulsa dos nossos nordestinos e do Brasil, que está com sua imagem ferida, dilacerada e mal vista lá no exterior por ter um presidente de ideias retrógradas em gênero e grau, e que deseja destruir a natureza indicando uma jovem fazendeira inexperiente para cuidar de um parque de preservação. Nós nordestinos condenamos o retrocesso de pensamento e o preconceito contra o nosso povo trabalhador e honesto que construiu São Paulo, o sul e, para matar sua fome, serviu de escravo na extração da borracha no Amazonas para os senhores estrangeiros capitalistas. Milhares foram tratados como bichos, mortos e esquecidos nas florestas infernais infestadas de doenças.

Não venha avacalhar com sua mesquinhez nossa sofrida região, castigada pelas secas, e depois pedir desculpas cínicas, afirmando que adora o Nordeste durante a inauguração do Aeroporto Glauber Rocha (baiano) de Vitória da Conquista que, por sinal, foi um fiasco em termos de representação (nem as filhas Ava e Paloma do homenageado compareceram). Em repúdio ao ato do capitão-presidente, “pois considero oportunismo político o uso indevido do nome do meu pai” – disse Paloma Rocha, que achou melhor não vir ao evento. Seu protesto se estende contra o golpe à cultura e ao cinema brasileiro. A Câmara de Vereadores de Conquista não compareceu em decorrência da falta de participação popular na inauguração, e porque teve dificuldades para o credenciamento de seus membros, autoridades e da própria imprensa.

Então, sr. Capitão, não venha com este papo de Nordeste cabra da peste para agradar seus bajuladores, que não é essa a nossa identidade como gente decente. Para gostar e amar esta terra, esta região de tantas bravuras e conquistas, a revitalização do Rio São Francisco, o “Velho Chico”, cansado dos maltratos dos homens e do poder público que nele joga lixo e esgotos, já seria um gesto suficiente que redimiria sua sandice e seu desconhecimento sobre nós nordestinos, onde aqui aportou as primeiras naus de Cabral e os ancestrais da Ásia.

SOMOS NORDESTINOS

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Fotos do jornalista Jeremias Macário. O mundo admira as belezas da Chapada Diamantina, no Nordeste

Sinto-me orgulhoso de ser nordestino, sertanejo-catingueiro, e seu deboche me ofendeu profundamente, sr, capitão! Somos Bahia de Ruy Barbosa, de João Ubaldo Ribeiro, de Irmã Dulce, de Caetano Veloso, de Castro Alves, de Gil, de Jorge Amado, de Luiz Alberto Muniz Bandeira, de Gregório de Matos, de Euclides Neto e de tantos outros que honraram e ainda honram esta terra de pele negra, mulata e branca; do maior polo petroquímico da América do Sul, do sincretismo religiões, do carnaval, do samba, de belas praias litorâneas, da Chapada Diamantina, a mais admirada do mundo,  do cacau, do café e outras tantas riquezas naturais, minerais e industriais.

Somos o Nordeste das lutas e rebeliões pela independência do Brasil na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão. Somos o Nordeste de Sergipe, de Tobias Barreto, de Alagoas, de Graciliano Ramos, de Pernambuco, de Gilberto Freire, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Patativa do Assaré, do rei do Baião Luiz Gonzaga e do Movimento Armorial de Ariano Suassuna com o resgate da nosso cultura do colonialismo estrangeiro, do Rio Grande do Norte, de Câmara Cascudo e do Ceará, de José de Alencar.

Somos o Nordeste do Maracatu, dos reisados rebequeiros, da cultura da gravura popular, da expressão cultural ibérica, negra e mestiça, do frevo, do forró, do Bumba Meu Boi, da resistência contra a ditadura e o fascismo que limitam e oprimem nossas mentes, do sol que clareia todo o Brasil, do turismo mundial, das capitais encantadoras, dos lençóis maranhenses, do Parnaíba, no Piauí, de Belchior, Fagner, Alceu Valença, do celeiro de frutas que abastece o país e manda para o exterior. Somos o Nordeste que não perde a fé em sua gente.

Somos o Nordeste que engrandece este Brasil tão roubado e sugado pelas elites e as castas da corte que não desapegam dos seus privilégios e mordomias, para restituir a dignidade e a justiça para o nosso povo brasileiro, principalmente o nordestino que muito tem a receber. Seu preconceito, sr. Capitão, só faz agravar e aumentar mais ainda a dívida social, política e econômica secular e bilionária dos governantes para com o Nordeste.

 

 

 

A CULTURA AUSENTE DA FESTA

Carlos Albán González – jornalista

Caro leitor, é concebível que se promova uma festa em homenagem ao filho mais cultuado de uma cidade e, nos discursos, com viés político, o nome do homenageado foi omitido? Os que ocuparam o palanque e se dirigiram a uma plateia, previamente escolhida, na inauguração do aeroporto, batizado com o nome de Glauber Rocha (1939-1981), “emporcalharam a memória de quem difundiu a cultura nacional”, como escreveu Henrique Cavalleiro, filho mais velho do cineasta conquistense, falecido há 38 anos.

A revolta de Henrique foi acompanhada por suas irmãs, que se recusaram a comparecer ao ato de inauguração. Paloma Rocha justificou a ausência, condenando o que classificou como oportunismo político do presidente Jair Bolsonaro “com o uso indevido do nome de meu pai, o que considero como mais um golpe contra a cultura brasileira, hoje ameaçada pela censura”.

Avra Rocha manifestou sua recusa em vir a Vitória da Conquista, reclamando, através das redes sociais, da “intenção política de se utilizar o nome do meu pai num projeto onde a cultura e a dignidade humana são manchadas por uma consciência sórdida”. Observou Avra que, nesse ano em que Glauber faria 80 anos, “faz-se necessário recordar a visão de um Brasil liberto, como ele sempre sonhou”.

A ofensiva contra a cultura nacional externada no ato do último dia 23 também foi comentada por outra descendente de um baiano que engrandeceu o nome do nosso país no exterior. Paloma, filha de Jorge Amado (1912-2001), ao fazer o lançamento da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), considerou um insulto ao povo baiano ter sido alijado da cerimônia.

Num passado recente, Jorge Amado, Glauber Rocha, Monteiro Lobato e Paulo Coelho, foram perseguidos – presos, torturados, censurados e exilados – por governos inimigos da cultura. Nos dias atuais já se notam no horizonte sinais de intimidação. No caso, a supressão do Ministério da Cultura, a filtragem a que serão submetidas obras do cinema nacional, e a provável revogação da Lei Rouanet.

A LITERATURA

Nessa atual fase de falta de incentivo à cultura, a literatura, observo, tem sido a mais desamparada. O escritor é obrigado a lutar contra os preços cobrados pelas gráficas; as exigências das editoras, a internet; a divulgação pelos meios de comunicação; a literatura portuguesa deixou de fazer parte do currículo do ensino fundamental nas escolas públicas; e o fechamento de livrarias.

Na verdade, o brasileiro não tem o hábito da leitura. Segundo a Associação Internacional de Leitura, nossos conterrâneos leem em média um livro por ano, enquanto chilenos, uruguaios e argentinos leem quatro: nos países desenvolvidos a média é de 20. Essa diferença se reflete no número de livrarias. O setor no Brasil vive sua maior crise, com as redes Saraiva e Cultura em processo de recuperação judicial. Nos últimos dez anos foram fechadas 21 mil lojas no Brasil. O número de estabelecimentos em atividade é menor do que Buenos Aires, capital da Argentina.

“ANDANÇAS” EM CONQUISTA

Conquistense por adoção, o baiano de Piritiba Jeremias Macário, com formação universitária em jornalismo, chefiou a Sucursal de “A Tarde”, por mais de uma década, em Vitória da Conquista. Nesse período, enriqueceu a cultura do sudoeste baiano, divulgando, através do jornal de maior circulação do Nordeste, as atividades culturais da região.

Seu amor à arte levou-o a criar o espaço cultural “A Estrada”, a promover saraus literários, a editar o blog “aestrada” e a lançar quatro livros.

Ultimamente, Jeremias vem sendo mais uma vítima da crise que desabou sobre a cultura e do não reconhecimento de uma parcela da população desta cidade, principalmente daqueles que se beneficiaram do jornalista que ele foi, por mais de 30 anos.

Para conseguir levar sua última obra – “Andanças – aos leitores, Jeremias se transformou num mascate literário, percorrendo o sertão baiano. Imita, mais de meio século depois, o cordelista José Gomes (1907-1964), conhecido como Cuíca de Santo Amaro. O irreverente trovador, temido pelos políticos, vendia os seus cordéis nas ruas e ladeiras de Salvador.

 

 

 

 

 

 

AS BELEZAS DO “VELHO CHICO”

Mesmo maltratado pelos homens que desmataram suas margens e jogaram lixo e esgotos no seu leito, sem falar na transposição e na exagerada irrigação, o Rio São Francisco, o “Velho Chico” ainda guarda suas belezas, como este pôr do sol  na orla de Juazeiro flagrado pelo jornalista Jeremias Macário com sua máquina, em suas andanças pelo sertão nordestino.

NOS BARES DA VIDA

Poema de autoria do jornalista Jeremias Macário

A inspiração aflora e o casal ao lado só namora

O papo rola com a turma do jogar conversa fora

Uns caras da saideira falam de política e fofocas

O poeta rabisca no guardanapo seu fiapo da letra

Canta uma canção de amor a viola cigana menina

Moucos das redes sociais navegam em suas locas

Num bar de Minas bateu asas o Clube da Esquina.

 

Nos bares da vida sempre tem freguês

Uns vão comemorar feliz suas glórias

Outros vão até lá suas mágoas consolar

Se está numa boa se diverte nas histórias

Se bate a crise toma pra esquecer a danada

Escutar o cancioneiro falar da mulher amada

Mesmo sabendo que a conta chega todo mês

 

Nos bares da vida discutem escritores e cordelistas

Olhares indiscretos trocam bilhetes com o garçom

Em Munique sentou num bar o corvo cruel da morte

O comuna Marx brigou com o anarquista Proudhon

Nas tabernas, bárbaros juraram derrubar os romanos

Num bar de Gori, Stalin tirano tramou a queda do czar

Hemingway tomava a santa cana na Bodeguita cubana.

 

Saiu o manifesto Bola-Bola Cinema Novo no Alcazar

No Vermelhinho cruzaram militantes contra a ditadura

O surrealismo francês ternura nasceu no Cyrano de Paris

Artistas baianos curtiram noites no Anjo Azul e Tabaris

Nas etílicas tintas das matérias escolheram seus pincéis

Naquele bar atiraram pistoleiros e jagunços dos coronéis

Nos bares da vida, sempre existiu aquele histórico bar.

 

 

 

 





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