:: 4/jul/2019 . 22:22
UMA MADRUGADA NA LAPA
Quando os romeiros cansados foram para seus ranchos, pensões e cabanas dormir, depois de um dia e parte da noite fazendo suas orações e promessa, em sua solidão, o jornalista Jeremias Macário flagrou com suas lentes uma madrugada em Bom Jesus da Lapa. A torre a cruz, como guardiões da cidade e dos romeiros, abençoam a todos para o outro dia. Só uma mulher, com seu rosto cicatrizado pelo tempo, a tudo observa ao seu redor e, no silêncio de sua alma, passa para seu dormitório. Tudo é calma e existência, que vão dar lugar ao borborinho logo ao amanhecer do dia, com mais preces e pressa em testemunhar a fé.
GENTE QUE É GENTE
Poema do jornalista e escritor Jeremias Macário
Por esse lenho da Vera Cruz
Desceram os espíritos da nau
Atrás do venal cobiçado metal
Com doenças do corpo e da alma
Inocular o vírus predador do mal
Na gente virgem mata selvagem.
Armada de doutrina sagrada
Comeu nativo na cruz e na tara
Cuspiu gente que ainda faz gente
Do açoite do cipó, do reio e da vara
Do ouro, do mel da cana e da boiada.
Neste visceral árido caminho
Vaga a ampulheta da morte
De uma gente andante solitária
Que se humilha pra ser gente
E não é vista pela sua gente
Indiferente e inconsequente.
Depois de um sono de engano
Raios de luz batem na janela
Crianças choram de fome
E a paisagem do mar da favela
Na curva da esquina some.
Nas bocas fumacentas do crack
Nos escombros e nas ruínas
Trapos, farrapos amontoados
Mães, meninos e meninas
Das guerras tiranas assassinas
De uma gente que não vê sua gente.
Gente de fé e luta cangaceira
Da seca cinzenta e inclemente
De rostos marcados nas feiras
Carrega seu bocapio de poeiras
Cheio de esperança de ser gente.
Vejo os mortos vivos
Perambulando nesta estrada
Do pergaminho curto da vida
Como códigos de um ninho
Misterioso de uma gente crente
Que nem sabe se é mesmo gente.
A alma da terra dessa gente
Que não tem na capanga a moeda
Para dar ao barqueiro Caronte
Vaga pelas margens do rio
No viaduto e debaixo da ponte.
Atrás daquele monte de pedras
Pode existir uma doce fonte
Uma flor rara e solitária
Outro horizonte perdido
Outra gente que ama gente
E ensina como mudar a mente.
Gente que é gente do ter e do ser
Gente braçal e de todos os rincões
Gente do pensar mágico simpático
Das fábricas, campos construções
É preciso fazer a hora acontecer.
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