ITAMAR INDICA E COMENTA ORLANDO SENNA
Blog Refletor TAL-Televisión América Latina.
ROSA ENVENENADA
Uma das consequências colaterais do reatamento de relações entre Cuba e EUA é a agitação dos ânimos políticos em Porto Rico e entre políticos e analistas latino-americanos que se debruçam sobre a situação do pequeno país caribenho. Rubén Berríos, presidente do Partido Independentista Porto-riquenho, PIP, acredita que a nova situação entre Washington e Havana favorece o fim do controle dos EUA sobre seu país. Em atitude surpreendente, rechaçada pelo governo estadunidense, o presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, propôs a troca do líder oposicionista venezuelano Leopoldo López, preso em fevereiro do ano passado, pelo independentista porto-riquenho Oscar López Rivera, preso nos EUA em 1981, condenado a 70 anos de cadeia. Ambos países negam que esses ativistas são presos políticos.
São completamente distintas as relações dos dois países caribenhos com os EUA no decorrer dos últimos 120 anos: o domínio dos EUA sobre Cuba foi intermitente e cessou com a Revolução Cubana de 1959, sobre Porto Rico jamais cessou. Cuba e Porto Rico abrigavam, antes da conquista espanhola, as mesmas tribos indígenas, principalmente taínos e siboneis. Os porto-riquenhos se dizem a eles mesmos “borícuas”, que é como se autodenominavam os taínos. Em ambos os países é muito mencionado um poema do século XIX, de Lola Rodríguez de Tió: “Cuba y Puerto Rico son de un pájaro las dos alas, reciben flores o balas sobre un mismo corazón”. Consideram-se irmãos gêmeos separados pelas circunstâncias históricas.
Porto Rico foi conquistado pela Espanha em 1493 e cedido aos EUA em 1898. Sua definição política-administrativa é a de Estado Livre Associado aos EUA, eufemismo para encobrir o regime colonial que dura 117 anos. Várias rebeliões contra essa situação marcam a história do país, principalmente a partir de 1950, quando aconteceu a revolta conhecida como Grito de Jayuya, dissolvida por forte ação militar dos EUA. A partir de então outras e várias ações independentistas foram tentadas e esmagadas, tanto no campo político-parlamentar como no enfrentamento armado. A organização guerrilheira Exército Popular Borícua, mais conhecida como Macheteros, trava um combate sem tréguas, há mais de meio século, contra o FBI, a polícia federal dos EUA.
Muito sangue correu durante esse período e tudo indica que continuará correndo, já que os Macheteros não pretendem encerrar suas atividades, apesar de seu contingente, que já foi de mais de cinco mil combatentes, estar reduzido a menos de dois mil, segundo os EUA. Até a década de 1990 as enquetes e eleições (eles votam para governador mas não para presidente) demonstravam que havia 10% da população a favor da independência, 10% a favor da anexação aos EUA (seria o 51º estado) e 80% a favor de manter o status atual.
Esse quadro mudou, de acordo com um referendo de 2012, que perguntava se estavam ou não de acordo com a condição política atual: 54% responderam não, 46% responderam sim. A população está se aproximando de um empate. Os independentistas estariam reduzidos a 4%, segundo os EUA. Devem ser esses 4% que não aceitaram a forma do referendo, já que não resultou em uma resposta adequada a quem quer o quê: dos que não estão de acordo com o status quo não se sabe quem quer a independência e quem quer a anexação.
No fim da década de 1990 consegui uma entrevista com os Macheteros em San Juan, capital de Porto Rico. Foi bem emocionante: dois rapazes me pegaram em um ponto combinado e nossa conversa aconteceu em clima de tensão de filme de espionagem, dentro de um carro sempre em movimento. Acho que exatamente devido à tensão, e também à rapidez da conversa, a entrevista não produziu informações para uma reportagem, mas os jovens eram muito poéticos e guardei as anotações. Quando me deixaram em outro ponto da cidade, um deles se despediu com uma frase: “o futuro dirá, Porto Rico é uma flor envenenada na boca do império”.
Pois é exatamente em uma contínua reação cultural que está a resposta de parte da população ao domínio dos EUA. Cito três exemplos. Porto Rico passou da moeda espanhola, a peseta, para o dólar estadunidense, nunca teve moeda própria, nunca teve o seu peso, nome genérico para as moedas hispano-americanas. Mas, até hoje, eles chamam o dólar de peso e a moeda de 25 centavos de dólar de peseta. O inglês não é falado nas ruas, apenas em algumas repartições públicas, e foi apelidado pela cultura popular como “el difícil”. Os porto-riquenhos que vivem nos EUA inventaram um dialeto conhecido como “new rican”, hoje presente em livros e canções. E por aí vai. Creio que eles merecem um referendo mais sério, fora do controle do colonizador.
Por Orlando Senna
O bem elaborado artigo de Orlando, quando se refere a entrevista que fez com os “Macheteros em San Juan, capital de Porto Rico”, me levou a citação de uma pequena parte do artigo de Renato Janine Ribeiro “OS MANTES CONTRA O PODER: sobre alguns olhares que se cruzam,no amor à primeira vista e na teletela do Grande Irmão”, quando diz:”O problema é que ninguém faz política autonomamente, quanto mais revolucionária, se receia o que os outros vão pensar. Já se viu um orador revolucionário preocupado com a roupa, as figuras, a compostura do que vai dizer? Há um tom romântico no revolucionário, que o faz correr, bradar, ir num ritmo veloz e necessariamente mal acabado ( Ribeiro,1988, p. 440).
Orlando Senna nasceu em Afrânio Peixoto, município de Lençóis Bahia. Jornalista, roteirista, escritor e cineasta, premiado nos festivais de Cannes, Figueira da Foz, Taormina, Pésaro, Havana, Porto Rico, Brasilia, Rio Cine. Entre seus filmes mais conhecidos estão Diamante Bruto e o clássico do cinema brasileiro, Iracema. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños e do Instituto Dragão do Mar, Secretário Nacional do Audiovisual (2003/2007) e Diretor Geral da Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil (2007/2008). Atualmente e presidente da TAL – Televisão América Latina e membro do Conselho Superior da Fundacion del Nuevo Cine Latinoamericano.
Itamar Pereira de Aguiar nasceu em Iraquara – Bahia; concluiu o Ginásio e Escola Normal em Lençóis, onde foi Diretor de Colégio do 1º e 2º graus (1974/1979); graduado em Filosofia, pela UFBA em 1979; Mestre em 1999 e Doutor em Ciências Sociais – Antropologia – 2007, pela PUC/SP; Pós doutorando em Ciências Sociais – Antropologia – pela UNESP campus de Marília – SP. Professor Titula da Universidade Estadual do Sudoeste do Estado da Bahia – UESB; elaborou com outros colegas os projetos e liderou o processo de criação dos cursos de Licenciatura em Filosofia, Cinema e Audiovisual/UESB.