As manifestações favoráveis à Copa do Mundo começaram timidamente há cerca de 20 dias, mas hoje já se observam bandeiras brasileiras tremulando nos veículos e bandeirolas verdes e amarelas ornamentando as ruas do comércio popular da cidade. O brasileiro tinha motivos de sobra para virar as costas para as arenas; para se manifestar contra a corrupção; para não endeusar jogadores que ganham milhões de euros na Europa; para protestar contra os estádios superfaturados; para exigir educação, saúde e segurança. A célebre frase do jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues nunca esteve tão atual – “O futebol é a pátria de chuteiras”

Não há como negar, Pacheco está de volta. Vale lembrar para os que têm menos de 30 anos quem foi esse folclórico personagem, criado pela agência de publicidade Alcântara Machado, sob encomenda da Gillette do Brasil, que, de mãos dadas com o povo brasileiro, acreditava que a seleção treinada por Telê Santana ia triturar seus adversários nos campos espanhóis. Aliada à euforia, a indústria de lâminas de barbear viu aumentar suas vendas.

Dos anúncios animados exibidos pela televisão, Pacheco ganhou vida no corpo de Natan Pacanowski, funcionário da própria Gillette. O espalhafatoso torcedor passou a acompanhar o time brasileiro nas concentrações, hotéis e nos estádios durante os amistosos. Viajou com a delegação para a Espanha, conseguindo, antes da derrota para a Itália, por 3 a 2, transmitir alegria e otimismo a milhões de torcedores do futebol arte praticado por Zico, Sócrates e Falcão.

Se alguém imaginou que a figura do Pacheco havia sido sepultada em Sevilla, na Espanha, no dia 5 de julho de 82, após a inesperada derrota para a Itália, cometeu um incompreensível engano. O “torcedor símbolo do Brasil”, de quatro em quatro anos, levanta do túmulo. Este ano não está sendo diferente.

Os três gols marcados por Paolo Rossi quebraram todas as molas do boneco Pacheco. Já o Natan, depois de passear pela Europa com a mulher, regressando com dez malas carregadas de “regalos” e “recuerdos”, não quis mais saber de futebol, ao ver uma foto sua na capa do “Pasquim” sobre a  legenda: “Este veado secou o Brasil!”. Trocou a bola pelas patas dos cavalos e hoje é o coordenador de turfe da Rádio Mundial, e apresenta um programa semanal – “Reta Final” – na TV Turfe.

Refeito da derrota de 82 e com as engrenagens azeitadas, Pacheco voltou às ruas do país nos Mundiais seguintes, travestido em falsos patriotas, pobres de espírito e de bens materiais, cujo amor à pátria é sazonal, e que servem de massa de manobra dos políticos, governantes e empresários.

Muitos milênios depois, a política de “pão e circo”, criada no Império Romano, onde os Césares distribuíam o cereal com o povo e colocavam os cristãos nas arenas para serem devorados pelos leões, é mantida pelo poder público, em parceria com a FIFA. Coincidentemente, no Brasil, as Copas são realizadas em anos eleitorais. Os canais de TV exibem a todo instante comerciais pagos pelo governo federal, inflamando o patriotismo dos Pacheco para o mega evento que começa esta semana.

Pacheco, desperte para a realidade!