OS SISTEMAS DE IRRIGAÇÃO, AS FUSÕES E A DENSIDADE POPULACIONAL

Assinala o cientista Jared Diamond em sua obra “Armas, Germes e Aço”, que a tribo centralizada normalmente tem uma ideologia, precursora de uma religião institucionalizada, que sustenta a autoridade do chefe. Quanto aos Estados, afirma que surgiram por volta de 3.700 a. C. na Mesopotâmia, 3000 na Mesoamérica, mais de dois mil anos atrás nos Andes e na China, no sudeste da Ásia e, ao mesmo tempo, na África ocidental, tudo a partir das tribos centralizadas. A escravidão nasceu delas.

Os antigos Estados tinham um líder hereditário, com o título de rei como chefe supremo, que exercia um monopólio maior na tomada de decisões e poder. Um exemplo foi o início do Estado romano que se tornou império através da conquista de outras tribos pela força, cujos capturados se tornavam escravos. O maior número de guerras resultava em mais cativos.

AS TRIBOS CENTRALIZADAS

Estados nativos em contato com os europeus surgiram nos últimos três séculos a partir das tribos centralizadas em Madagascar, Havaí, Taiti, em muitas regiões da Áfricas, no sudeste da América do Norte, noroeste do Pacífico, na Amazônia e na Polinésia

Durante os últimos 13 mil anos, a tendência na sociedade humana foi a substituição de unidades menores e menos complexas por outras maiores e mais complexas. Essas grandes unidades podem se desintegrar, como aconteceu como a União Soviética, a Iugoslávia e a Tchecoslováquia.

No Estado, a especialização econômica é mais acentuada. Quando um governo desmorona, é catastrófico, como aconteceu na Inglaterra na retirada das tropas romanas. Quando Alexandre, o Grande morreu, houve uma divisão do reino, espalhando guerras entre os ambiciosos generais assessores do imperador. Os reis sempre foram os chefes da religião oficial, ou então tinham sumos sacerdotes distintos.

CONDIÇÃO NATURAL

Aristóteles considerava os Estados uma condição natural da sociedade humana que dispensa explicações. Para o autor, o erro dele é compreensível porque as sociedades gregas do século IV a.C. eram Estados. No entanto, sabemos que até 1492 grande parte do mundo era organizado em tribos centralizadas, acéfalas e bandos.

Jean-Jacques Rousseau achava que os Estados são formados por meio de um contrato social, uma decisão racional quando as pessoas pensam em seus interesses próprios. “Mas, a observação e os registros históricos não descobriram um só caso de Estado formado nessa atmosfera etérea de perspicácia imparcial.

Existe ainda a teoria de que na Mesopotâmia, na China e no México, os grandes sistemas de irrigação começaram a ser construídos na época em que os Estados começaram a surgir. Qualquer grande complexo de irrigação requer uma burocracia centralizada para construí-lo e mantê-lo. Pouco se fala sobre a progressão dos bandos para tribos acéfalas e destas para as centralizadas durante os milênios que antecederam a ideia de irrigação em grande escala.

Os iluminados decidiram fundir suas tribos em um Estado capaz de recompensá-los com a irrigação maior. Ressalta o autor, porém, que na Mesopotâmia, na China e no México, os sistemas de irrigação em pequena escala já existiam antes do surgimento dos Estados. Na Mesoamérica, o sistema sempre foi pequeno dentro da capacidade de construir e manter a irrigação.

Na visão de Diamond, o tamanho populacional regional muito contou na construção do Estado. Cita que as tribos centralizadas, com grandes populações, são as mais estratificadas e complexas. Algumas sociedades de caçadores-coletores chegaram a ser tribos centralizadas, mas nenhuma a ser Estado.

QUEM VEIO PRIMEIRO E OS CONFLITOS

Sobre a as relações causais entre a produção de alimentos, variáveis populacionais e complexidade social, ele coloca aquela questão de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. Para ele, todos os recursos das sociedades centralizadas intensificaram a produção de alimentos e, consequentemente, o crescimento populacional ao longo da história. A produção de alimentos permite que se adote um sistema de vida sedentário, pré-requisito para se acumular bens, construir obras e desenvolver tecnologias.

 Quanto ao conflito entre as pessoas, o cientista destaca que esse problema cresce à medida que aumenta o número de pessoas que compõem a sociedade. ”Uma sociedade numerosa que continua deixando a solução dos conflitos a cargo de todos os seus membros, está fadada a ir pelos ares”. Essa sociedade tem que desenvolver uma autoridade centralizada para monopolizar a força e resolver os conflitos.

AS FUSÕES NATURAIS E PELA FORÇA

Diamond chama a atenção de que a centralização do poder abre a porta para a exploração das oportunidades resultantes em benefícios próprios e de seus parentes, como acontece nos tempos modernos. As sociedades grandes são cleptocracias complexas. A fusão, a solução centralizada de conflitos, a redistribuição econômica e a religião não se desenvolvem automaticamente por meio de um contrato social rousseauniano.

Segundo ele, as tribos que resolvem mal seus conflitos terminam se transformando em bandos, Sociedades com um sistema eficaz podem desenvolver tecnologias mais sofisticadas, concentrar seu poder militar, tomar territórios maiores e dominar outras menores. As tribos se combinam para atingir o porte de Estado e daí para impérios.

No final de seu capítulo, ele trata das fusões que podem ocorrer através da ameaça da força externa, ou pela conquista real. Cita, como exemplo, os cherokees, nos Estados Unidos, que criaram uma confederação da divisão de 30 a 40 tribos independentes, cada uma formada por uma aldeia de 400 pessoas. Quando alguma tribo assaltava, ou roubava os colonos, todas as outras pagavam pelo delito.

Foi aí que em 1730 as tribos maiores escolheram um líder geral, chamado Moytox. A primeira tarefa foi castigar os cherokees que atacavam os brancos, e depois negociar com o governo branco. Por fim, alfabetizaram-se e criaram uma constituição escrita. A confederação foi fundada pela fusão das entidades menores, e não pela conquista, isto quando se sentiram ameaçados por forças externas. O mesmo aconteceu com as colônias brancas que foram impelidas a formar uma nação quando foram ameaçadas pelo aparato da monarquia britânica (Constituição federal de 1787).

Outro caso interessante que aconteceu foi na África com a criação do Estado Zulu, mas através da fusão pela conquista. Eles estavam divididos em várias pequenas tribos centralizadas. No final dos anos 1700, as guerras ficaram mais violentas entre eles. O problema foi resolvido pelo chefe Dingiswayo, que obteve o domínio da tribo mterwa, matando um rival por volta de 1807.

Ele desenvolveu uma organização militar e política superior, evitando a matança à medida que conquistava outras tribos, e preservando a família do chefe conquistado, limitando-se a substituir o chefe por um parente disposto a cooperar com ele. Com esse método, conseguiu a integração de 30 outras tribos zulus. Outros exemplos foram registrados entre tribos europeias nos séculos XVIII e XIX, Estado Polinésio do Havaí, Taiti, dentre outras na África, Os impérios asteca e inca foram formados pelas conquistas do século XV, antes da chegada dos europeus. Os zulus assim conquistaram uma fração do continente durante quase um século.

Estes exemplos mostram que as guerras, ou as ameaças, exerceram papel fundamental das fusões das sociedades. O destino dos povos derrotados depende da densidade populacional. Os sobreviventes de uma tribo derrotada não têm utilidade alguma, a não ser de casar com as mulheres. Os homens derrotados são mortos, e o território deles ocupado pelos vencedores.

Nos lugares onde as taxas de densidade populacional são altas, com especialização econômica, os derrotados podem ser usados como escravos e até ficarem em seus locais de trabalho para produzirem alimentos, mas privando-os da autonomia política, obrigando a pagar tributos pelos alimentos produzidos, fundindo com a tribo vitoriosa. “Este era o habitual das batalhas ligadas à fundação de Estados, ou impérios ao longo da história”