Carlos González – jornalista

Dissimulados, embiocados, camuflados e submetidos a cirurgias plásticas faciais; morando em luxuosas mansões, apartamentos e em fazendas-modelo; levando uma vida de nababo; evitando os olhares curiosos dos vizinhos e o assédio da imprensa; fazem voto de silêncio, Assim vive uma casta de brasileiros. Investigados por crimes contra o erário público, – raros são os que passam alguns dias numa cela – porque logo são transferidos para o regime da prisão domiciliar. Eles têm consciência de que vivem no país da impunidade.

Nessa lista de privilegiados figuram presidentes, governadores e prefeitos, seus ministros e secretários, políticos, diretores de estatais, assessores parlamentares, empresários, magistrados, funcionários públicos do alto escalão, lideranças neopentecostais e dirigentes esportivos. A maioria continua a receber gordas aposentadorias.

Alguns desses endinheirados cidadãos contaram na sua vitoriosa carreira criminosa com fieis auxiliares, os chamados testas-de-ferro, também apelidados de “laranjas”. O silêncio é a arma de defesa dos acusados. Denunciar (ou ameaçar) quem está por detrás dos desvios de verbas públicas e de lavagem de dinheiro pode significar a morte.

Dessa extensa lista lembro os nomes dos ex-policiais Ronnie Lessa e Elcio Queiroz, genuínos bodes expiatórios, acusados de autoria dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes; vítima de “queima de arquivo”, capitão PM Adriano Nóbrega, morto em Esplanada, na Bahia, antes de revelar uma suposta ligação dos Bolsonaro com a milícia carioca; sequestro e morte, em janeiro de 2002, do prefeito Celso Daniel, de Santo André (SP), crime praticamente insolúvel, que colocou o PT como suspeito.

PC e Fabrício

Tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello às eleições presidências de 1989, o empresário PC Farias exorbitou de suas funções na captação de recursos. Após a posse de Collor, a  sede de poder do assessor e amigo se estendeu por toda a cadeia governamental, envolvendo o presidente, que passou a ser alvo de protestos populares, estimulados pela delação do irmão Pedro Collor. Pressionado, renunciou em 29 de dezembro de 1992, horas antes de o Congresso aprovar o impeachment.

Acusado de extorsão e formação de quadrilha, PC fugiu do país. Preso em novembro de 93, em Bangcoc, na Tailândia, foi condenado a sete anos de prisão; em dezembro de 95 ganhou a liberdade condicional; em 23 de junho de 96 foi morto, junto com a namorada Suzana Marcolino. Suicídio, crime passional, duplo homicídio. A dúvida perdura até hoje. Quatro dos seus seguranças foram indiciados como autores, mas, posteriormente, absolvidos por um júri popular.

Muito se discute a semelhança entre os dois “tesoureiros” Além da calvície e da estatura mediana, Fabrício Queiroz e PC Farias  estiveram e estão ligados ao poder central. O alagoano foi, de fato, o principal assessor de Fernando Collor, que não vê analogia nos dois casos; Fabrício goza da confiança do clã Bolsonaro, haja vista que fez do silêncio um juramento, mesmo tendo experimentado por quase dois meses a dura vida numa prisão.

Fabrício e a mulher Márcia Aguiar (levou um período foragida) cumprem prisão domiciliar, concedida pelo ministro Gilmar Mendes, da STF, e sob  a proteção do advogado bolsonarista Frederico Wassef, o Anjo, numa rua discreta em Jacarepaguá.

Segurança e motorista dos Bolsonaro desde 1984, o ex-PM foi acusado de operar a “rachadinha” (apropriação de parte dos salários dos funcionários do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, hoje ocupando uma cadeira no Senado).

O dinheiro arrecadado entre os assessores parlamentares, incluindo suas duas filhas, apontadas como “laranjas” do esquema criminoso, era “lavado” no mercado imobiliário ou repassado para diversas contas bancárias. Uma delas, pertencente a Michelle Bolsonaro, recebeu cheques no valor total de R$ 89 mil. Essa transação inspirou o roqueiro Tico Santa Cruz, vocalista da banda Detonautas, a compor a música “Micheque”.

Dizendo-se vítima de ofensa, calúnia, injúria e difamação, Michelle procurou a Delegacia de Crimes Eletrônicos, de São Paulo, solicitando que a obra satírica seja retirada das plataformas digitais e que se proíba sua execução em locais públicos e privados.

Antes de se refazer de uma contrariedade, a primeira-dama volta às páginas dos jornais. Segundo o noticiário dessa quinta-feira, os R$ 7,5 milhões doados pelo frigorífico Marfrig para a realização de 100 mil testes rápidos da Covid 19, foram desviados para o programa “Pátria Voluntária”, administrado por Michelle, e repassados pela ministra Damares Alves, a que encontrou Jesus no alto da goiabeira, para distribuição, sem concorrência, entre instituições evangélicas.