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:: 9/out/2020 . 21:10

LENDÁRIO SERTÃO

Este texto, que se encontra no livro “ANDANÇAS”, de autoria do jornalista, escritor e poeta Jeremias Macário, é uma homenagem ao Dia do Nordestino, na figura do legítimo sertanejo. É uma descrição sobre seu perfil, costumes, sua vida diária na labuta da roça, suas crenças e sua cultura popular.

O meu sertão catingueiro, com espécies vegetais e animais exclusivos, é bem diferente do cerrado e da mata. Ora está retorcido, cinzento, desértico e árido, mas de repente fica florido e cheio de vida, de cores e encantos quando batem as chuvas. Aí arrebenta o aroma da terra molhada para o plantio.

O olhar dessa gente sertaneja é uma mistura de lealdade humilhada, cismado, doído, castigado, sofrido, resistente, bruto e pacato. Pode ser exótico matreiro tabaréu, mas não é o mesmo olhar do mateiro do sul ou de outras plagas do litoral. Nesse sertão, toda final de tarde ouço o canto cadenciado do nambu, como igual não existe em lugar nenhum.

Para o sertanejo, a simplicidade é a sua filosofia; a natureza sua arquitetura divina onde de tudo brota poesia; o pedaço de terra sua geografia; do barro faz-se a escultura; da seca sua prova de luta; e a chuva é o seu show da vida. A caatinga é mais fera e pantera que o deserto. Um tem caminho para o interior e o outro é tortura. A caatinga tem o cordel e seu boi encantado.

O sertão da caatinga, das palmas e dos mandacarus, é carregado de mistérios, contos e lendas (algumas ainda vivas) dos coronéis, dos pistoleiros, jagunços e vaqueiros bravos. Nesse descambado sem fim de espinhos de unhas-de-gato, tocas e malocas, rasgando serras e morros, o temido Lampião e sua tropa de coriscos conseguiam sair de seus labirintos e enganar as volantes.

Os encourados cavaleiros lendários são os verdadeiros guerreiros legionários desse agreste inóspito, esquecido e supersticioso cheio de emboscadas e armadilhas. Eles partem para suas cruzadas sem nenhuma benção do vigário-mor. São vaqueiros guardiões das tradições seculares de perseguir a rês até conduzi-la ao rebanho ou ao curral. A bravura não teme a morte. É uma questão de honra.

Em homenagem a esse chão, exclusivo do Brasil, e o mais degradado de todos, foi instituído, por decreto presidencial, o 28 de abril como o “Dia Nacional da Caatinga”, no intuito de preservar seu bioma, mas não é isso que acontece. Seu folclore e suas comidas, feitas do milho e da mandioca, têm características próprias, mas quando a seca bate à porta, o êxodo rouba sua magia e perde-se o encanto.

É assim a luta do sertão catingueiro das procissões, dos paus-de-arara rumo a São Paulo, dos carros-pipa eleitoreiros, das cisternas, das barragens, aguadas, das cacimbas e poços salobros erguidos para juntar um pouco de água, para enfrentar as estiagens. Os olhos marejam de dor e as lágrimas ficam presas nas gargantas. As crianças choram de fome e os animais tombam ao chão, virando carcaças que se tornam postais da crueldade de um cenário desolador.

Corta o coração ver o sertanejo lacrimar quando sua safra se perde na sequidão. Das tragédias da natureza é a que menos comove e sensibiliza as campanhas humanitárias de solidariedade e de socorro às suas vítimas. As enchentes e os desmoronamentos de terras no sul e sudeste do país ganham mais espaço na mídia do que esta devastação de morte mais penada e lenta.

É o sertão do Assum Preto e da Asa Branca nas cantigas de lamento da terra do Luiz Gonzaga “Rei do Baião”, e da “Triste Partida”, do poeta maior Patativa do Assaré, que continuam batendo suas eternas asas pelo mundo afora. É o sertão da sanfona “sankafa” chamando para o arrasta-pé do forró. É o sertão sertanejo dos cabras valentes do “Padim Ciço” e de Antônio Conselheiro. É o sertão da Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, dos guerreiros jagunços, de Euclides da Cunha, de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, do “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna e do “O 13”, de Raquel de Queiroz em suas histórias engraçadas e tristes. È o sertão bodeiro da “Casa dos Carneiros” na cantoria de Elomar. Foi cenário escaldante de “deus e o diabo na terra do sol” e o “dragão da maldade contra o santo guerreiro”, de Glauber Rocha.

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O NORDESTINO

O Nordestino tem o seu destino e. como dizia o escritor Euclides da Cunha, é acima de tudo um forte para vencer as intempéries da da vida e da seca, mesmo diante das perdas. Ele sempre começa tudo de novo, com fé e esperança. Ontem, dia 8, foi dedicado ao Nordestino, mas sem comemorações e poucas lembranças sobre o homem que fez do Nordeste uma fonte preciosa de cultura, com seus repentistas, trovadores, escritores e poetas famosos, músicos da canção popular e com seus cordéis que encantaram o Brasil e todo o mundo. Os governantes têm hoje uma grande dívida para com o Nordeste e os nordestinos, que se arrastam há séculos. As lacunas deixadas na educação e na cultura, por estratégia dos próprios políticos que só prometem, são há anos aproveitadas para fazer do nosso sertanejo uma peça de manipulação com suas esmolas através de bolsas famílias e outros “mimos” para angariar votos e apoio popular. São profundas as desigualdades sociais da região se comparadas ao sul e ao sudeste. Os nordestinos, até hoje são discriminados, apesar da sua história de construtores dos grandes centros desenvolvidos do país. Uma das fotos mostra a imagem do jumento, símbolo do Nordeste que, infelizmente, está sendo extinto pela ganância do capital selvagem e voraz. A simplicidade é a sua filosofia; a natureza, a sua arquitetura; o pedaço de terra, a sua geografia; o barro, a sua escultura; a seca, a sua prova de luta; e a chuva, o seu show da vida. Assim é o sertanejo nordestino descrito poeticamente pelo jornalista e escritor Jeremias Macário em um de seus livros. Salve o Nordestino, com seu repente e seu destino de vencedor!

SAMUEL, O UNGIDO

Um poema de Jeremias Macário ao seu neto Samuel

O bíblico ungiu Saul e David,

Em nome de Deus viu o futuro,

Dissipou a fumaça no ar escuro,

Entre chamas ardendo os biomas,

E nesse meio veio o nosso Samuel,

De olhar ungido da árvore saído,

No céu primaveril do brotar florir.

 

Que seja vento anunciador da chuva,

Para molhar a mãe terra e dar o fruto;

Que seja infinito na finitude desse ser,

Para com o saber transformar o bruto;

Que seja sempre criança temperança,

Para curar qualquer ferida do tempo,

E fazer a sua hora antes do amanhecer.

 

Do índio caboclo de sangue mestiço,

Mouro ibérico desse nosso Brasil,

Do ventre saiu o Samuel desafio,

De uma era incerta que lhe espera,

Para navegar na corrente correta,

Como guerreiro que vem, vê e vence,

A peleja estradeira do eterno existir.





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